Ah, e nossa l?ngua portuguesa?
Juiz de Fora n?o foge ? regra:
lojas, pr?dios... tamb?m adotam express?es estrangeiras

Deborah Moratori
26/09/03

A En Cuir fica no edif?cio Century XXI na esquina da Rua Mister Moore... N?o, n?o se trata de uma maison francesa situada num centro comercial norte-americano. Este caso ? local e tem endere?o bem no centro de Juiz de Fora.

Curiosidades ? parte, basta dar uma olhada ? nossa volta para constatar a presen?a de palavras e express?es estrangeiras na l?ngua portuguesa tupiniquim. Exemplo claro disso s?o os shopping centers, centros comericais, templos do consumo, apelidados por n?s, na base da intimidade ou da pregui?a, de shopping. On sale e off price s?o termos comuns estampados nas vitrines dessas lojas - que geralmente, por coincid?ncia ou n?o, tamb?m recebem nomes importados. No caso, s?o empregados como sin?nimo da nossa famosa e ador?vel e brasileir?ssima liq?ida??o. Muito provavelmente, eles devem pensar, "liq?ida??o ? coisa de pobre!".

O com?rcio, sem d?vida, ? o campe?o no quesito importa??o ling??stica. Lanchonetes nacionais que imitam o esquema do fast food americano recebem, igualmente, nomes importados. Se queremos fazer refer?ncia ao culto ? mesa dos italianos, chamamos nosso restaurante de Mezza que, em italiano, significa meia, metade. O exemplo mais intrigante ? o da loja Mr. Cat que tem como s?mbolo um pato, ao inv?s de um gato...

Nomes de pr?dios, hot?is, clubes, boates, entre muitos outros estabelecimentos, n?o est?o imunes ? "caipirice". Assim, na maior confus?o ling??stica, o edif?cio comercial vira centro espacial, a farm?cia tem nome de estrela - qualquer refer?ncia a c?u, quando se vende rem?dio, definitivamente, n?o ? uma boa id?ia - e o sal?o de beleza oferece uma sess?o de an?lise junto com o corte de cabelo. S? um detalhe: psycho, n?o pode esquecer de acrescentar o 'h'...

Mens legis
Al?m desse problema que se trata, com exce??o da licen?a po?tica, de um desvio gramatical, mais conhecido como erro de ortografia, a professora de ingl?s, L?lian Costa Magalh?es, aponta outra falha na ado??o de termos estrangeiros. O tradicional shopping d? in?cio ? pol?mica. "A importa??o deve ser usada com bom senso, preservando o sentido original do termo estrangeiro. A gente tem o entendimento de que shopping e shopping center s?o a mesma coisa, o que n?o ? verdade. Isso acaba gerando problema na hora de aprender, neste caso, o ingl?s. A palavra outdoor ? outro exemplo dessa confus?o. O correspondente correto em ingl?s para o que a gente chama de outdoor aqui ? billboard", explica.

Foto: Alan Rodrigues Pol?micas como essas est?o prestes a chegar ao fim caso o Congresso aprove o projeto de lei n? 1676, de autoria do deputado Aldo Rebelo (PC do B/SP) - (foto ao lado). Se isto acontecer, os brasileiros estar?o proibidos de usar termos de outras l?nguas na comunica??o oficial, na m?dia escrita, radiof?nica e televisiva, na publicidade e no com?rcio. Rebelo prop?s at? uma multa para quem insistir no que a ling??stica chama de estrangeirismo. As penas variariam entre R$ 1.300 e R$ 14 mil, aproximadamente.

O projeto ? fruto da id?ia de que o portugu?s falado no Brasil estaria amea?ado de extin??o e seria uma iniciativa contra a desnacionaliza??o da l?ngua portuguesa, como o pr?prio deputado esclarece. De acordo com o que o seu criador faz quest?o de deixar claro na m?dia, o projeto ? uma forma de den?ncia, resist?ncia e defesa da identidade e cultura do Brasil.

A professora L?lian n?o considera vi?vel a conten??o da influ?ncia dos estrangeirismos. "Essa influ?ncia ? uma quest?o cultural. O brasileiro est? acostumado a absorver outras culturas, n?o s? no empr?stimo de express?es de l?nguas estrangeiras, mas tamb?m em outros aspectos. Para voc? impedir que isso aconte?a seria necess?rio modificar o pensamento do brasileiro. Trata-se de um problema cultural. Por outro lado, o uso indiscriminado desses termos demonstra a falta de prote??o sobre a nossa l?ngua. Os franceses e os ingleses, por exemplo, t?m esse costume de adotar medidas contra a invas?o de express?es importadas", analisa.

"Todo o excesso ? ruim", afirma a professora do Centro de L?nguas da Universidade Federal de Juiz de Fora, Angela Maria Gautard Cheik Kaled, referindo-se ? ado??o exagerada de palavras e express?es estrangeiras. De acordo com ela, palavras para as quais h? correspondentes em portugu?s como delivery e on sale, por exemplo, n?o devem ser adotadas. "No entanto, a inform?tica trouxe novos conceitos que, sejam utilizados na l?ngua original ou aportuguesados, acabaram por ampliar nosso vocabul?rio. Na minha opini?o, nesse caso, o empr?stimo ? permitido", explica. Sobre a proibi??o do uso e da entrada desses termos a professora observa, "Com a globaliza??o, e muito dif?cil impedir que esses conceitos circulem".

Inculta e bela
? comum que uma l?ngua se nutra de outras. Tamb?m ? normal - e fato antigo - que os voc?bulos ao atravessarem as fronteiras venham, em geral, de uma cultura dominante. At? o in?cio do s?culo XX, o franc?s exercia esta influ?ncia sobre os demais idiomas. Agora, essa primazia pertence ao ingl?s.

De qualquer forma, a tentativa de se eliminar anglicismos, galicismos e outras palavras origin?rias de outras l?nguas n?o ? fato novo. No final do s?culo XIX, por exemplo, o latinista Ant?nio de Castro Lopes publicou o livro Neologismos Indispens?veis e Barbarismos Dispens?veis. Al?m de denunciar os estrangeirismos incorporados pelo portugu?s, Castro Lopes propunha alternativas a esses termos. Se suas id?ias tivessem sido adotadas, hoje o Brasil seria considerado o "pa?s do ludop?dio"...

Atualmente, a "?ltima flor do L?cio" ? constitu?da de, pelo menos, 20% de termos emprestados de l?nguas estrangeiras. Essas palavras portuguesas vindas de outros idiomas enriqueceram a l?ngua a longo prazo. Se fossem bloqueadas na origem, o portugu?s seria sem d?vida mais pobre. Para os especialistas, o projeto de lei do deputado Aldo Rebelo mostra total ignor?ncia do fen?meno ling??stico.

A professora Roberta Graziella Tavela que est? concluindo mestrado em Ling??stica pela Universidade Federal de Juiz de Fora defende a id?ia de a l?ngua ser um fen?meno vivo que por si s? encontra seus caminhos. "O portugu?s que a gente tem hoje veio do latim que se transformou ao longo dos tempos. As transforma?es fazem parte do curso natural da l?ngua". Para a professora, a utiliza??o de termos estrangeiros s?o resultado de uma crise de identidade cultural com reflexo na l?ngua. "O projeto pode at? proibir que o com?rcio e a pr?pria m?dia adote essas express?es, mas as pessoas v?o continuar usando e quem muda a l?ngua s?o os seus falantes", finaliza.

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