A Quaresma juiz-forana

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Juliano Nery 11/3/2011

 


A Quaresma juiz-forana

Depois do espocar dos fogos e do aquecimento dos tamborins, eis que chegam às cinzas da quarta-feira. Acho que eu havia visto em algum lugar, mas em meio aos ziriguiduns, mulatas, paticumbuns, cervejas, ratatás e confetes, confesso que me esqueci da Operação Tartaruga. Mais ainda, não me preocupei com as consequências da assembleia dos motoristas e cobradores realizadas durante a manhã de ontem, que desencadeou na possibilidade de greve para a próxima segunda-feira, dia 14 de março. Uma cidade com mais de 500 mil habitantes sem ônibus urbano em funcionamento? E os trabalhadores? E o comércio? E os estudantes? E os idosos? – E como bem anuncia o tempo da quaresma, iniciado após o carnaval, parece que teremos uma grande dose de sacrifícios e de reflexões no período...

O interessante é que a penitência do usuário de transporte coletivo não é uma escolha. Ele simplesmente sai de casa para cumprir seus deveres sociais e se depara com a falta do serviço público. E a decisão de parar o transporte parte de uma grande rede que envolve diversos entes, como o poder público municipal, responsável pela concessão do transporte público. Passa pelos proprietários de empresas de ônibus, que não conseguem chegar a um acordo que seja interessante para os trabalhadores do ramo. Profissionais esses que, por sua vez, organizam-se no sindicato e não veem outra alternativa, senão a paralisação. Veja que em todo esse trajeto, o usuário não foi mencionado nenhuma vez. E é ele quem paga a passagem, que pode gerar o lucro para o dono da empresa e aumentar o salário, consequentemente, do motorista e do cobrador...

Aposto que nem os religiosos mais fervorosos pensaram em fazer uma penitência tão grande, como ir a pé para o trabalho, dispensando os dois coletivos que costuma pegar, diariamente. A abstinência forçada pela falta dos ônibus municipais colocam em relevo a fragilidade do nosso tecido social, mostrando o quanto dependemos do serviço coletivo e o quanto pode ser forte o impacto da retirada de uma peça no nosso quebra-cabeça cotidiano. Vale uma boa reflexão, já que este é um dos propósitos deste período.

E caminhando sobre as dificuldades, o que se espera é a redenção. Não somente para a greve dos motoristas e cobradores ou para a Operação Tartaruga, mas para tudo que envolve o trânsito da cidade. Seja o aumento da passagem, a quantidade, em relação à demanda de táxis, os novos buracos das vias e a frota cada vez maior de carros pelas vias do centro. Sem contar a falta de respeito ao pedestre, assunto já debatido nesse espaço. Tomara que não leve 40 dias para que o problema se resolva. Já chega o grande dilúvio e a passagem de Jesus no deserto, que levaram todo esse tempo. Precisamos de soluções imediatas para o trânsito. Até porque na segunda-feira, as coisas podem piorar.

No desaquecer dos tambores, na volta da sobriedade e no recolhimento da Quaresma, o juiz-forano tem algumas importantes perguntas a responder nos próximos dias: como chegarei ao trabalho? Como irei para a escola? Como transportarei o doente? – Alguém se habilita a responder?

Juliano Nery colocará um calçado confortável e passará sebo nas canelas para suportar a abstinência do transporte coletivo em Juiz de Fora.



Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.