Mal?vola

Por

Mal?vola
Victor Bitarello 4/06/2014

Malévola

Um fato tem que ser frisado e refrisado. As produções da Disney têm uma qualidade absurda! Seus filmes são tecnicamente perfeitos! O grande problema é que, infelizmente, muito de mensagens subliminares, ou não tão sub assim, foram passadas ao longo dos anos em suas produções. Essa crítica é inevitável fazer, e até mesmo é bom sabermos isso, antes de assistir a qualquer obra deles, para que possamos curtir a diversão sem assimilarmos "bobamente" conteúdos implícitos.

O público tem o direito, mesmo que não esteja interessado, de saber que aquilo que está assistindo não é mero entretenimento. Que existe ali uma intenção de propagar algo. "Malévola", à primeira vista, parece querer, numa proposta bem semelhante à de "Frozen", fazer um pedido de desculpas por anos de afronta à condição feminina nos filmes da Disney, em especial os desenhos.

Por colocarem as mulheres como seres inúteis, submissos, cujo valor se baseava unicamente na beleza e na meiguice e que dependiam de um homem para suas vidas terem sentido e, na maioria das vezes, para suas vidas acontecerem. Literalmente. Mas será que, no fundo, é isso mesmo que "Malévola" quer? Será que, agora, não mudaram para, ao invés de colocarem a mulher como inferior, se aproveitarem de sua atual posição social?

"Malévola" é baseado no conto de fadas "A Bela Adormecida", mas com foco na bruxa má, chamada de Malévola, vivida por uma atriz incrível e maravilhosamente linda, Angelina Jolie. A produção propõe uma nova visão de como as coisas se deram. Trata-se de um filme com a criatividade de um roteirista de aproveitar aquela história e criar uma história paralela, conectada à original de maneira coerente e coesa e obtiveram um resultado muito feliz. "Malévola" é aquilo que pode se dizer: que filmaço!

Desde que iniciei os trabalhos para essa coluna cinematográfica, me propus a não "entregar" os filmes, ou seja, a não contar momentos importantes, a não estragar o prazer de quem eventualmente leia meus textos antes de assisti-los. Para uma análise bacana de "Malévola", seria inevitável entrar em passagens vitais do filme. Mas é possível olhar alguns pontos sem estragar tudo.

Um dos enfoques do filme recai sobre os relacionamentos amorosos. Duas pessoas se conhecem, se apaixonam. Às vezes se unem em casamento, às vezes não. No entanto, este relacionamento, quando rompido de maneira desleal, brusca, até porque não dizer desumana, costuma gerar no outro um sentimento forte de revanche, de vingança. E quem, muitas vezes, sofre com isso, é o fruto, ou seja, o filho. Em "Malévola", o rei tem uma filha, e é sobre ela que recai a vingança de Malévola por males lhe causados pelo rei no passado, mesmo que a criança não tenha culpa de nada. E não é isso que muitos casais separados fazem? Acabam usando o filho como meio para atingir o outro? Infelizmente, isso é bem comum.

A questão é que, em "Malévola", quem faz isso é a mulher. Não somente a mulher, mas a bruxa, que, para a sociedade que ali se apresenta, era algo "estranho", cuja história de vida era, por eles, totalmente desconhecida, assim como a mulher atual, cujos comportamentos ainda representam uma forma de vida relativamente nova. Ou novíssima. Essa bruxa era representada por uma mulher independente e forte. Não dependia de um homem para viver. Ter um homem, para ela, foi importante um dia, mas deixar de tê-lo não a impediu de seguir sua vida. E essa mulher, a única nessa condição no filme, é a que amaldiçoa a criança. Será que, ao mostrar essa mulher exterminando, sozinha, um exército de homens, a Disney não está, implicitamente, colocando-a como uma vilã? (nós, público, sabemos que ela não era uma vilã, mas para aqueles homens ela era, porque assim ela era colocada para eles - assim como ela é colocada para muitos homens e mulheres atuais que insistem em não assimilar as mudanças comportamentais, em especial as femininas). A mulher atual, COM ASAS, é tida no filme como vilã. O corte das asas é tão incrivelmente simbólico que chega a ser óbvio. Ainda é tão comum mulheres serem conhecidas, reconhecidas, divididas e classificadas como "mulher pra casar" e "mulher pra não casar". São tratadas desse jeito, inclusive, por muitas mulheres. Nós não usamos a expressão "criar asas" com significado de ganhar liberdade? É possível então pensar que a Disney tenha usado o atual espanto com a mulher do século vinte e um para que o público de massa se sinta identificado com o filme e o torne um sucesso de bilheteria, gerando, assim, uma renda enorme.

A quem quiser se divertir, tenha certeza: o filme será um excelente momento de diversão. É muito bem feito. Em nenhum momento o roteiro é cansativo e arrastado, sendo as passagens muito bem cortadas e sem excessos. O trabalho dos atores é ótimo. Os efeitos são lindos, a qualidade técnica é esplendorosa. Ver Angelina Jolie tão linda e tão bem é muito agradável. A parte com sua filha (a filha dela mesmo, que fez uma pequena participação), é muito legal. Angelina é atriz. Angelina é essencialmente atriz. Faz papeis de alta carga dramática, mas também faz filmes populares, porque sabe que atuar é isso mesmo. É não se restringir. É amar o público. É estar com ele.

"Malévola", como os demais filmes da Disney, é muito bom, muito bem feito. Arrisco a dizer que estará na seleta lista do Oscar 2015. Aproveitem!


Victor Bitarello é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Ator amador há 15 anos e estudioso de cinema e teatro. Servidor público do Estado de Minas Gerais, também já tendo atuado como professor de inglês por um período de 8 meses na Associação Cultural Brasil Estados Unidos - ACBEU, em Juiz de Fora. Pós graduando em Direito Processual Civil.