Paulo César Paulo César 28/01/2013

O amor sob a ótica real e melancólica no novo filme de Michael Haneke

Michael Haneke é um daqueles diretores que seus filmes são mais do que simples filmes, são acontecimentos cinematográficos. Desde seu arrebatador Violência Gratuita (1997), que assombrou o mundo cinematográfico e o elevou ao status de diretor impactante e inovador, vem sendo benquisto em festivais e premiações com produções requintadas voltadas para a análise do comportamento humano em situações limite. Em Amor, o diretor aponta seu olhar para o crepúsculo da vida, e como este sentimento profundo pode se manifestar de formas inimagináveis, certas ou erradas.

O casal Anne (Emmanuelle Riva, perfeita) e Georges (Jean-Louis Trintignant, excepcional) são idosos totalmente independentes de qualquer cuidado externo. Passam os dias somente na companhia um do outro, frequentando teatros e lendo bons livros. Partilham alegrias e problemas, sendo um exemplo de casal que se ama e se respeita mesmo depois de tanto tempo de convivência. Porém, quando Anne sucumbe ante um AVC e passa a ser dependente dos cuidados de Georges, mais do que nunca, o amor terá que prevalecer, mesmo que este os leve a escolhas difíceis.

Haneke é um mestre em se aprofundar nas mais diversas questões do comportamento humano, aqueles que normalmente não são convencionais. Mesmo que o filme seduza o espectador a encontrar uma história simplista, com o passar do tempo percebe-se que o amor que está falando é aquele verdadeiro, que se manifesta em momento em que se exige companheirismo e compreensão. Tudo bem que o diretor faz questão de deixar que o público sinta a agonia dos personagens, primando pelos closes, extraindo o pior de cada situação apresentada, mas cada sequência fala muito mais com o silêncio angustiante, exposição do vazio e a lentidão que precede o inevitável.

Os personagens estão isolados, sozinhos, premeditadamente conduzidos ao fim sombrio. O que em Haneke não é incomum. Assim faz em todos seus longas anteriores, principalmente nos recentes Cachê (2005) e A Fita Branca (2009), em que a transformação, o perturbador e a insanidade de atos caminham ao lado de uma verdade intrínseca, de conhecimento público, mas que a maioria tem medo de deixar aflorar. No caso de Amor, a vontade de se fazer o que é certo, ou o que o sentimento no coração manda, predomina e leva a uma escolha que só quem ama verdadeiramente seria capaz de fazer. O espectador pode desaprovar, mas o diretor deixa claro que só existe uma condição de analisar o fato: colocando-se na situação.

A proximidade que alcançamos com os protagonistas aumenta o pavor, e mesmo perante ao déficit de falas, não de texto, o enfado não se mostra presente como é comum neste tipo de filme, pois o magnetismo de saber o que levou ao desfecho apresentado logo no início eleva as expectativas. Emmanuelle Riva, no auge de seus 85 anos, mostra uma lucidez invejável e não exagera, se mantém em um nível que assusta pela realidade, mas faz com que as atitudes de Geoges se justifiquem. O personagem de Jean-Louis Trintignant tem uma intensidade ainda mais sofrível que o da companheira. Está lúcido e encarando os problemas da amada e ainda enfrentando os problemas externos aos quais Anne foi privada. Uma atuação para não ser esquecida.

Amor é, em meio a tantos libelos da carreira de Michael Haneke, sua obra de arte, no que diz respeito ao seu talento, para a análise da psique humana. Um retrato romântico, melancólico, assustador e compreensível da nobre essência do sentimento tão falado, mas pouco praticado pelo mundo atual. Amar é muito mais do que dar presentes, dizer palavras bonitas ou planejar um futuro de regalos, é saber se fundir em um só corpo, uma só mente, é fazer escolhas que podem ser controversas, mas que beneficiarão aquele para quem se vive. Haneke sabe o que está fazendo.


Paulo César da Silva é estudante de Jornalismo e autodidata em Cinema.
Escreveu e dirigiu um curta-metragem em 2010, Nicotina 2mg.

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