Victor Bitarello Victor Bitarello 20/02/2015

De certa forma, eu queria ter me frustrado com "Cinquenta tons de cinza". Não me frustrei...

cinquentaAlgumas pessoas dizem que existe música boa e música ruim. "Ah, música tal é que é boa". "Ah, música tal é ruim". Em regra, o critério para dizer se a música é "boa" envolve sua boa elaboração em termos de letra, melodia, arranjo, uso dos instrumentos e etc. A "ruim" é aquela música mais popular, voltada para bailes e festas. Sob o meu ponto de vista, sempre tive como "critério" a música para ouvir e a música para dançar (as quais podem, sim, se misturar, de acordo com gostos pessoais), não significando que seja, necessariamente, boa ou ruim. E quanto aos filmes, tenho esse pensamento também. Tem aqueles mais bem elaborados em aspectos de direção, roteiro, atuação e etc, bem como aqueles que são populares, voltados para a diversão de massa, ou, simplesmente, feitos para o entretenimento, o que não os desmerece, já que o cinema, em seus primeiros tempos, tinha a diversão como principal finalidade. No entanto, assim como na música, no cinema há filmes ruins em ambos os tipos. Acontece! Fazer o que? E, infelizmente, "Cinquenta tons de cinza", da britânica Sam Taylor-Johnson, está entre eles. É um filme feito para a diversão do público, sem grandes rebuscamentos, mas é ruim. Inacreditavelmente ruim!

Eu sinto vontade de esclarecer um ponto. É possível que eu me alongue neste texto, como se estivesse defendendo uma tese. A questão é que o filme é baseado num livro que se tornou um "best seller". Não cabe a mim julgar o porque disto. Apesar de não ser o tipo de leitura que me agrada em termos literários, é um fato que a leitura desse livro agradou a uma quantidade enorme de pessoas. Assim, considerando a grande probabilidade do filme também se tornar um sucesso de público, não quero passar por "do contra". Estou numa coluna cinematográfica, cuja proposta é criticar filmes, sejam estas críticas positivas ou negativas.

Seguirei a proposta.

Serei, inevitavelmente, irônico ao falar, brevemente, do que se trata o filme. Aliás, não sei se cabe falar em ironia. O filme IMPLORA para ser zoado! E também não sei se cabe falar em "brevemente". Será só isso MESMO!

"Cinquenta tons de cinza" conta a história de uma moça, Anastasia, que vai, no lugar de sua amiga, entrevistar o bem sucedido Christian Grey. Quando chega ao seu escritório, os dois se apaixonam instantaneamente. Grey, então, inicia uma "perseguição" à moça, em virtude desta paixão avassaladora. Ele lhe revela o gosto pelo BDSM (o sadomasoquismo). Ela aceita se submeter. Ele lhe dá tapas na bunda super fortes (tão fortes quanto os de uma mãe no bumbum de seu filho de cinco anos), os quais nos dá uma enorme vontade de rir (se uma pessoa não dominadora dá, eventualmente, tapas mais fortes que aqueles, uma pessoa que se diz dominadora deveria se dar ao respeito). Os dois transam tão vorazmente quanto dois adolescentes aprendendo o que é pipiu e o que é pepeca. E essas cenas de sexo super, hiper, mega brutal se repetem ao longo do filme umas mil vezes. O filme é CHATO! Irritante, incômodo e aborrecidamente chato!

Os sentimentos são completamente inexplicáveis. Tudo se dá MUITO rápido. Tudo é muito vazio e bobo. As conversas, que supostamente deveriam ser intensas, são rápidas, não esclarecem o porquê daqueles dramas.

Há um ponto que se pode dizer ser uma qualidade. O personagem de Christian é assumidamente machista. Isso é bom no que toca à sua honestidade e autenticidade. No nosso mundo, atualmente, a maioria de nós finge não ser machista. Ele, ao menos, é. E não esconde. O que dói um pouco é que ela também é. Não que as mulheres reais não sejam machistas. Há as que são e as que não são. Mas é incoerente Anastasia ser. Seu tipo de mulher não pede esse sentimento. E, no entanto, tudo o que ela quer é o famigerado príncipe encantado. Quando ele comente um deslize, na cabecinha dela ele vira um sapo e ela sai correndo como uma criança boba.

O filme trata o sadomasoquismo como um gravíssimo desvio de comportamento, colocando-o como uma perversão. Põe como consequência de alguém que sofreu sérios problemas na vida. Isto é um erro estúpido. Sadomasoquismo é uma relação sexual, uma prática. Perversão é o sadismo por si só. No qual alguém leva dor e sofrimento sem nenhum consentimento da vítima. Não é o caso do BDSM.

Um aspecto bastante pessoal, ou seja, uma opinião subjetiva, se dá quanto ao título do livro e do filme. "Cinquenta tons de cinza". Em inglês, "Fifty Shades of Grey". "Shade" é uma palavra ampla, com vários significados (sombra, máscara, tonalidade, obscuridade, etc – sim, eu pesquisei os demais significados). Abordemos aqui o nome adotado em português: "tom". No nome em inglês, o uso de Grey é um trocadilho com o sobrenome do personagem Chirstian, já que lá "grey" é cinza, o que enriquece, por si só, o título. Aqui, não há como se verificar nada. É um nome sem sentido algum. Pobre.

A atuação de todos os atores é boa, na medida do possível. Ponto para o filme. No entanto, a direção é fraquíssima. É pri-má-ria! Há momentos em que parece que os atores estão pedindo: "diretora, dirige!" Ela não enriquece as cenas. São muito semelhantes o tempo todo. As mil cenas de sexo são todas iguais. Quando Grey é feio. Ficou feio. Como ela conseguiu atrapalhar um ator com tanto potencial, com tanto talento? Acho que é dispensável falar do roteiro. Como já disse, não conheço o livro. Mas, sejá como for, a adaptação não deixou a desejar. Não. Ela sequer existiu! Foi péssima! Destruiu a história! Senti compaixão dos fãs do livro, que mereciam um filminho melhorzinho.

A plateia, ao menos no dia que fui, me incomodou um pouco. Riam demais. Havia um ou outro ponto engraçado? Havia. Mas riram muitas vezes. E o legal é que quando pararam de rir foi justamente quando começou a primeira das mil cenas de sexo. Ficou bem coerente com a sexualidade brasileira que, até onde sei, é predominantemente conservadora. Pareciam que nunca tinham visto ou feito sexo na vida.

Infelizmente, não me frustrei com o filme. Eu esperava algo ruim e tive. Eu queria algo bom e não tive. É. De certa forma, não foi uma frustração completa.

Ir ao cinema assisti-lo é uma completa perda de tempo. Total, imensa e completa perda de tempo.


Victor Bitarello é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Ator amador há 15 anos e estudioso de cinema e teatro. Servidor público do Estado de Minas Gerais, também já tendo atuado como professor de inglês por um período de 8 meses na Associação Cultural Brasil Estados Unidos - ACBEU, em Juiz de Fora. Pós graduando em Direito Processual Civil.

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