Victor Bitarello Victor Bitarello 1/10/2015

E no final das contas, ela pode voltar

O mais difícil de escrever sobre um filme como “Que horas ela volta?” são suas características mais marcantes. A primeira delas é sua simplicidade. Não aquela simplicidade do pequeno, do vazio, mas a da história do dia a dia, sem emoções intensas a todo tempo. Fica difícil encontrar as palavras. Eu não imaginava que seria tão complicado escrever sobre a simplicidade. A segunda característica é a enorme facilidade de se cair no lugar comum. Como não sair da sala de cinema comentando sobre o quanto os empregados domésticos são tratados como seres “inferiores” pela classe rica? Se isto é uma realidade ampla, não há como comprovar, pois não conhecemos todos os ricos nem todos os empregados. Mas eu acredito que é o principal tema dos comentários após o filme.

De Anna Muylaert, “Que horas ela volta?” conta a história de uma família rica e sua empregada doméstica, Val, vivida pela atriz Regina Casé, no momento em que ela recebe sua filha, Jéssica (Camila Márdila), vinda do Nordeste, para prestar o vestibular para arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo, a FAU. Ao contrário da mãe, uma senhora humilde e de poucos conhecimentos, a menina questionará seu modo de viver e a forma como são tratadas em seu local de trabalho.

Ambientada numa casa de luxo no bairro do Morumbi, a trama se desenrola com a figura da mãe sendo apresentada em três formas distintas, ao mesmo tempo em que é mostrada a rotina da empregada doméstica numa realidade de uma mal educada elegância. Da elegância que nega um salgado numa festa com um arrogante balançar de mãos, não se preocupando sequer em levantar a cabeça para olhar aquele que serve. Da elegância que humilha. Que desfaz.

É bastante nítida no filme a intenção de mostrar a questão do mundo da riqueza que ainda tem em seus empregados uma pessoa que deve ficar nos fundos da casa, que não serve para se sentar à mesa, nem para, sequer, comer a mesma comida. Mostrar um mundo em que a figura tida por elegante e chique é a representação da falta de sensibilidade com todos que a cercam, sendo superficial em suas relações. Mas sendo chique. Acima de tudo chique.

Ao mesmo tempo, como ser mãe quando se tem a necessidade de sair de sua terra natal para viver em outro estado? Esta questão será colocada em foco quando a filha de Val confronta a mãe. Afinal de contas, que Val já era uma mãe para o adolescente Fabinho (Michel Joelsas), filho de Bárbara (Karine Teles), a dona da mansão, notamos desde o início. Mas, e quando percebemos que ela também ficou distante de sua própria filha, assim como a mãe de Fabinho não era presente na vida dele? Como encarar as necessidades destas mães que não foram presentes nas vidas dos filhos?

A decisão tomada por Val será decisiva na mudança do rumo que as vidas dessas pessoas tomarão. E, com isso, finalmente, não será mais necessário perguntar: que horas ela volta?


Victor Bitarello é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Candido Mendes (UCAM). Ator amador há 15 anos e estudioso de cinema e teatro. Servidor público do Estado de Minas Gerais, também já tendo atuado como professor de inglês por um período de 8 meses na Associação Cultural Brasil Estados Unidos - ACBEU, em Juiz de Fora. Pós graduando em Direito Processual Civil.

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