Nome do Colunista Daniela Aragão 8/08/2016

Entrevista com André Gonçalves, editor da Revista Revestrés

Daniela Aragão: Como surgiu a ideia da criação da revista Revestrés?

André Gonçalves: Eu e Wellington Soares nos conhecemos há bastante tempo, por volta de uns quinze anos. Há quatro anos ele me procurou dizendo-me que tinha uma ideia. Como sempre estamos ligados a trabalhos relacionados à literatura e viemos a nos conhecer no SaliPI (ou SALIPI), o qual colaborei várias vezes. Saímos para almoçar e Wellington falou que estava disposto a fazer uma revista que fosse relacionada a cultura. Sempre tive a sensação que poderíamos ter algo desse nível. Foi uma conversa que levou cerca de uma hora e a decisão dez minutos. Surgiu então de uma ideia bem simples, depois foram gerados alguns problemas. Éramos dois empregados, mas não tínhamos capital para a construção da Revista, embora militássemos na área literária.  

Daniela Aragão: O foco cultural desde o início seria a produção de Teresina e Piauí no geral?

André Gonçalves: Com certeza. O traço seria a cultura, a princípio sem um norte muito claro, mas que tratasse do que é produzido aqui. Dando ênfase ao que pensam as pessoas dedicadas à arte em geral, envolvendo música, literatura, artes plásticas, fotografia...

Daniela Aragão: Em que ano saiu a primeira edição de Revestrés?

André Gonçalves: A primeira edição saiu em vinte e nove de fevereiro de 2011. Começou de um modo ainda não empresarial, e sim como um resultado do desejo que tínhamos de colocar a criação artística em movimento e discussão.

Daniela Aragão: É uma revista que chama atenção pela qualidade gráfica, desde a capa, em cores. Uma revista que traz uma sofisticação em seu design inteiro.

André Gonçalves: Eu venho da publicidade, o que faço como trabalho remunerado desde minha juventude é a publicidade. Claro que em algum momento isso entra para a revista, uma preocupação estética. Uma coisa bem elaborada editorialmente. Se vamos tratar de fotografia, pintura, escultura, a imagem é importantíssima. Você vai colocar na revista uma fotografia do Pokemon, do Quaresma ou de algum fotógrafo de fora. Colocamos um padrão de qualidade buscando não desvalorizar o trabalho do artista quando transposto para a Revista. A intenção nossa é mostrar a qualidade do trabalho do artista, na medida do possível, dentro de nossas condições tentamos fazer o melhor. É comum o fotógrafo reclamar que distorceram a foto, ou cortaram em lugar indevido. Nós, felizmente, até hoje recebemos elogios. Queremos, sobretudo, mostrar que a qualidade do trabalho do artista será mostrada na Revista.

Daniela Aragão: É destacável na revista o amplo espaço concedido a fala dos entrevistados e artistas em geral.

André Gonçalves: Tentamos dar espaço para as pessoas falarem. Nossas entrevistas são, relativamente, longas para revistas, de dez a doze páginas. Em geral as entrevistas em outras revistas vão a três páginas, no máximo. As entrevistas são feitas para que as pessoas se dediquem a leitura com mais tempo.

Daniela Aragão: O ponto alto que considero na revista é a sua abordagem local, mas de caráter cosmopolita. Se me recordo, num dos lançamentos, o Wellington falou sobre a perspectiva de se distribuir a revista nos aeroportos.

André Gonçalves: Estamos trabalhando nisso. É complexo, pois somos uma empresa pequena. Nossa tiragem no Piauí é bem razoável. Se pensarmos nos aeroportos a tiragem terá que mudar, são 56 aeroportos. Isso obriga tentarmos fazer um trabalho que não seja muito autorreferente. Damos destaque às pessoas daqui, mas sem dar aquele peso totalmente regionalista.

Daniela Aragão: Gosto sobretudo dos anônimos que adquirem destaque na abordagem da Revestrés, a exemplo de um padeiro, um motorista de uma combi-biblioteca itinerante. Fantástico.

André Gonçalves: Nossa intenção é fazer conexões. Não queremos pensar que o artista daqui está isolado do mundo. Tentamos utilizar uma linguagem que faça com que aquele que é de fora, fique conhecendo as referencias do Piauí, mas sem ser refratário. Ao mesmo tempo em que trazemos informações de fora para cá.

Daniela Aragão: Para não ficar reforçando o estereótipo.

André Gonçalves: Com certeza. Neste mundo, hoje, totalmente sem fronteiras, sem ignorar a questão dos refugiados que tentam ir para a Europa. Ao menos, teoricamente, a possibilidade de não ter fronteiras. Não devemos impor barreiras. Podemos criar pontes entre leitores e produtores. Nós também ganhamos muito mostrando lá fora nosso trabalho, sem que tenhamos que ser bairristas e fechados. Cada edição é discutida, sempre com a intenção da troca permanente. É importante que também cheguem aqui outras culturas e visões de mundo.

Daniela Aragão: Nas capas há uma diversidade de figuras destacáveis no país a exemplo de Ziraldo, Ferreira Gullar, Salgado Maranhão.

André Gonçalves: São muitas que ficam. Tivemos tanto figuras que não são do Piauí, como o Ziraldo e o Ferreira Gullar, assim como nomes de peso daqui como professor Paulo Nunes, Assis Brasil.

Daniela Aragão: Como se deu a entrevista com Ferreira Gullar?

André Gonçalves: Passamos uma tarde na casa do escritor, no Rio de Janeiro. Foi uma negociação realizada via Salgado Maranhão, que é muito amigo de Gullar. Chegamos ao Rio no dia 23 e a entrevista estava agendada para 24, véspera de Natal. Levamos uma lista de perguntas e o poeta ao telefone nos propôs desmarcar, visto que era uma data conturbada, com a chegada de seus netos. Samara, que comigo estava por conta da entrevista, sugeriu ao Gullar que fizéssemos então naquela hora. Ele topou, mas estávamos a dois quarteirões da casa dele, almoçando num restaurante, no entanto, bem distantes do material para a entrevista. Pegamos um táxi até o hotel, no Flamengo, e na volta, para ganhar tempo, descemos na esquina próxima ao apartamento de Gullar. Quando chegamos ao seu apartamento demos conta de que as perguntas que havíamos elaborado há um mês tinham ficado no táxi. Fizemos então a entrevista no improviso. Nosso objetivo era deixá-lo falar. Foi muito agradável e divertido até dentro da gravidade dele. Uma experiência maravilhosa.

Temos até um probleminha em relação à postura do jornalismo tradicional que solicita certo distanciamento. Não conseguimos, pois nos envolvemos com os entrevistados.

Daniela Aragão: Eu acho isso maravilhoso, pois é a mesma concepção que utilizo nas minhas entrevistas. Ao longo dos anos que venho entrevistando pessoas de várias vertentes culturais como música, literatura, fotografia, artes plásticas e cinema, vejo que há uma carência muito grande de espaço para o artista falar. A burocratização e o tecnicismo do meio jornalístico não dão mais espaço para que os criadores possam falar com espontaneidade e desenvoltura.

André Gonçalves: Vamos com um roteiro, mas no calor da hora vai mudando. Isso sugere um tipo de bate-papo. Nossas entrevistas em geral são realizadas com a equipe, composta de quatro a cinco pessoas. Costumamos nas entrevistas levar algum integrante de fora da equipe da revista para que instigue a conversa. Vai além da entrevista comum e técnica de pergunta e resposta. Acho que isso aproxima. É comum que os entrevistados nos digam coisas que não falaram em outros lugares. Passamos quase cinco horas conversando com o Noronha para construir a matéria de capa da última edição. Ele é um agitador cultural no melhor sentido da palavra. Ele conhecia a sociedade em sua amplitude.

Daniela Aragão: A entrevista dele me despertou uma vontade imensa de conhecê-lo. Nem uma palavra dele se desperdiça.

André Gonçalves: Você já é a terceira pessoa que me diz isso. Não queremos na revista pessoas que fechem as questões como verdades absolutas. Importante aquele entrevistado que leve o leitor a refletir. Pessoas que nos incomodem.

Daniela Aragão: É uma revista de arte, mas sem ter se fechado numa linguagem pesada, para iniciados. Isso acontece, por exemplo, com a revista Cult, que se tornou uma revista com um discurso muito filosófico.

André Gonçalves: Resolvemos partir para pensar o que seria cultura a nosso ver. As pessoas tendem a pensar a cultura, exclusivamente, como arte e entretenimento, teatro, cinema, televisão, literatura e tal. Gostamos de pensar a cultura dentro de um projeto mais antropológico e aberto. Dentro de um determinado espectro, consideramos que não há muita diferença entre a produção literária da academia e a de uma suposta periferia. Não queremos deixar uma distância conceitual grande. Logicamente há distâncias de referência, leituras de mundo. Gostamos de misturar as coisas. Publicamos, certa vez, uma matéria sobre concursos de miss, tradicionalmente, isso não entraria em cultura. Como na verdade esses concursos revelam muitos traços culturais nossos, entra na nossa perspectiva antropológica. Investigar o universo dos concursos de miss no Piauí é bem legal. Tentamos entrar nas fronteiras entre “alta cultura” e “baixa cultura”. Gostamos de fazer misturas.

Daniela Aragão: Recordo-me de uma ótima matéria que vocês fizeram com o dono de uma biblioteca itinerante construída dentro de uma combi. Também um padeiro.

André Gonçalves: O senhor padeiro estava há pouco tempo muito triste pois, diariamente, ele fazia o lanche para os lixeiros, com pães, sucos e tal. Durante anos os coletores de lixo paravam ali e faziam o lanche. A prefeitura proibiu esta parada, aquele lance do funcionalista. O pobre senhor padeiro ficou muito chateado e então fomos procurá-lo para saber. Pretendemos sempre fazer essa leitura antropológica, estarmos atentos a essas pessoas que circulam.  Pessoas que ajudam a fazer o caldo de cultura que temos, não só os que estão nos teatros, mas os anônimos das ruas, praças. Acho que isso imprime um ar menos sisudo.  

Daniela Aragão: É destacável o tom provocativo, instigador de alguns entrevistados.

André Gonçalves: Uma das entrevistas mais provocadoras que tivemos. A professora Terezinha Queiróz discutiu a identidade do piauiense. O que seria essa identidade. O que seria em pleno século XXI ser piauiense, num mundo tão aberto. Ela foi questionando muitas coisas que acabaram se tornando clichês e que nós incorporamos.

Daniela Aragão: Vocês conseguiram ao longo desses quatro anos atingir o formato pretendido?

André Gonçalves: Não queríamos que a revista tivesse uma formatação definitiva, no dia em que isso acontecesse, nós não teríamos mais o que contribuir. Nesses quatro anos, quem acompanha percebe que foram várias mudanças, às vezes sutis. Algumas sessões saíram. Depois que cada edição sai, ficamos debatendo-a. Não temos uma redação, apenas um ponto de apoio em que nos reunimos a cada quinze ou vinte dias. Todos nós integrantes da equipe de edição temos outros trabalhos. Utilizamos vários meios para facilitar nossa comunicação, permanente, como watsup, e-mail.  Ficamos, diariamente, nos falando. Temos uma espécie de combinado, que é o dever de sempre, um de nós colocar uma espécie de provocação para a nova edição. Isso vai fazendo com que a revista vá se renovando sem pressa. É muito aberto. Sou editor, mas não determino título, nem pauta. Tudo isso é discutido na mesa. No começo chegávamos a trocar 1200 e-mails por edição.

Daniela Aragão: Até o formato da revista que é grande é um pouco atípico.

André Gonçalves: Às vezes alguns alunos do curso de Comunicação nos procuram para conhecerem a redação. Dizemos que não há um lugar normal. A revista acontece virtualmente na nossa troca de mensagens. Isso nos permite maior leveza e abertura.

Daniela Aragão: Pela qualidade, certamente, a revista já alcançou outros estados, principalmente, o sudeste. Já ocorreu proposta de distribuição?

André Gonçalves: Isso é complicado. A distribuição já aqui próxima envolvendo o Maranhão, já é bem complexa. Fora, então exige outra logística. Há a questão de tiragem mínima, para uma distribuidora de São Paulo, por exemplo, deve-se entregar no mínimo duas mil revistas. Não chegamos ainda lá, necessitamos aprimorar em alguns aspectos. Atingimos todo o Piauí e Maranhão. Se não me engano, já vamos para vinte e três a vinte e quatro estados com assinatura. Em Brasília temos cerca de cem assinantes. As assinaturas estão chegando num número razoável e factível para nós. Ainda asseguramos total segurança na entrega. Estamos negociando a distribuição nas livrarias dos aeroportos.

Daniela Aragão: Vocês já elaboraram a lista de todos os entrevistados deste ano?

André Gonçalves: Não. Há alguns alvos, mas como a revista sai a cada dois meses não resolvemos a agenda assim tão facilmente. Temos algumas metas. Tentamos não repetir os temas.

Daniela Aragão: O que seria a arte para você.

André Gonçalves: O João Cláudio nos falou de uma diferença não marcada. “Por exemplo, você acha que alguém do sul vai entender que um piauiense adora tomar café quente, fervendo no bule?” Acho que essa frase é aparentemente banal, mas que traz muito de nossas características que são únicas. Temos alguns traços peculiares, como a convivência com a aridez do clima, essa poética da aridez.


Daniela Aragão é Doutora em Literatura Brasileira pela Puc-Rio e cantora. Desenvolve pesquisas sobre cantores e compositores da música popular brasileira, com artigos publicados em jornais como Suplemento Minas de Belo Horizonte e AcheiUSA. Gravou, em 2005, o CD Daniela Aragão face A Sueli Costa face A Cacaso.

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