História do Brasil é motivo de pouca cultura infantilPara o escritor Pedro Bandeira, diante de uma ditadura que perdurou 485 anos, o brasileiro nunca teve a liberdade de criar

Clecius Campos
Repórter
17/9/2010

Uma história considerada triste e sofrida é apontada como a principal razão da carência de cultura infantil disponível para os pequeninos do Brasil. Em visita a Juiz de Fora, para assistir pela primeira vez à montagem de sua peça Vô Candinho e Seus Bonecos, que estreou em 2000 pela Cia. de Atores Academia (fotos do espetáculo abaixo), o escritor de livros infanto-juvenis, Pedro Bandeira, lamenta serem poucos os últimos 25 anos de democracia, durante os quais o brasileiro esteve livre para criar.

"Vivemos uma história de escravidão, exploração e negação da educação para o povo, desde a chegada dos portugueses até o fim da ditadura militar. Só a partir de 1985, estamos tentando fazer uma democracia no Brasil. Antes disso, o brasileiro nunca teve a oportunidade de criar." Bandeira afirma ter vivido toda a fase adulta sob os olhares da censura. "Agora podemos montar e publicar o que queremos. Mesmo assim, há muito o que evoluir. Estamos dando um pouco mais de liberdade para o povo criar."

Segundo Bandeira, é sensível o crescimento do interesse da população pela leitura, o que inclui os leitores infantis. Em 1985, o brasileiro lia 1,8 obras por ano, incluindo os livros didáticos. Hoje, a média é de 4,7 livros por ano. "Claro que poderia ser muito melhor. A família brasileira não é ligada a dar cultura aos seus filhos. Este é o único país do mundo em que somente a escola desperta a cultura nas crianças. Dessa forma, dentro de casa, a criança acaba tendo só a televisão como fonte de informação lúdica. Aqueles velhos desenhos estrangeiros e os desenhos japoneses."

Na opinião de Bandeira, não só a cultura televisiva para crianças é de se lamentar. Ele acredita que o país tem bons autores infantis e produz muita literatura do gênero, mas é negativista quando a cultura é transmitida por outros meios. "Temos pouca coisa no cinema, como filmes do Renato Aragão e da Xuxa, que são mais utilizados para a promoção pessoal que para a educação. A TV também não faz coisas boas. O Sítio do Picapau Amarelo está longe de ser aquilo que foi pensado por Monteiro Lobato. O teatro amador faz um bom papel, mas com muita dificuldade. A bilheteria raramente paga as despesas, os atores são responsáveis por bancar seus figurinos e o cenário. Vamos demorar uns cem a duzentos anos para melhor isso."

Foto da peça Foto da peça

Bandeira afirma tentar incentivar a produção de espetáculos inspirados em suas obras. O autor não cobra direitos autorais e até cede adaptações próprias de seus livros para o teatro ou para o cinema. É dele o livro O Fantástico Mistério de Feiurinha, que tomou as telonas brasileiras, na versão para o cinema Xuxa em o Mistério de Feiurinha. "A escola em que Sasha [Meneguel, filha de Xuxa Meneguel] estudava adotou o livro e a menina gostou. Mostrou para a mãe, que quis fazer a versão para o cinema. O filme atraiu 1,3 milhão de espectadores, mas é mais cheio de cacos do que a peça é."

Bandeira afirma que a criança é capaz de receber bem a cultura, incluindo livros infantis. "As crianças interessam-se por qualquer coisa que se apresentam com charme. Educar é seduzir. O menino que não gosta de ler é certamente um analfabeto funcional. Ele não entende o que lê." A situação é de se preocupar. O mais recente relatório do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), que compara o desempenho escolar de alunos na faixa etária de 15 anos, coloca o Brasil na última colocação no mundo no quesito compreensão de leitura.

Voto consciente

Para Bandeira, a melhor forma de reverter a situação é utilizar bem a liberdade e a democracia adquiridas há 25 anos. "O cidadão faz isso por meio do voto. Vamos eleger aqueles que possam consertar esses estragos que foram feitos nos últimos 500 anos de história do Brasil." Porém, Bandeira assume que o brasileiro tem desperdiçado a oportunidade. "O deputado federal mais bem votado em São Paulo será um palhaço. Se, no Rio de Janeiro, a maioria votar num jogador de futebol, não vamos para frente. O povo não sabe votar e como não sabe, brinca de votar. De qualquer forma, é melhor eleger um palhaço a não eleger ninguém e ter um ditador no comando."

Escrever é um ato de amor

Bandeira afirma que o primeiro requisito para escrever para o público infantil é escrever bem. "O escritor tem que ter sido um leitor voraz desde criança, com bom estoque de vocabulário e de imaginação. Para escrever para o público infanto-juvenil, é preciso gostar de educação e gostar de crianças. Escrever é um ato de amor. Você escreve para o leitor que você ama. Se eu não acreditar que a criança que lê meu livro irá melhorar o país no futuro, minha obra não tem razão. Em meus livros, estou implorando que esses meninos cresçam em condição de mudar o panorama do nosso país."

Os textos são revisados por Thaísa Hosken