Aline Maia Aline Maia 28/3/2013

História de um jovem da periferia

Adolescente de JF mostra como pequenos gestos podem intervir na realidade juvenil

"Somos o que fazemos para mudar o que fomos." É assim que Elias Arruda encerra a entrevista. A frase é trecho da música Velhos Outonos, da banda católica Rosa de Saron, e exprime bem o pensar e o agir deste jovem morador de um bairro da periferia de Juiz de Fora. Há quem ouça sua história e logo pense se tratar de "um menino que tinha tudo para dar errado na vida". A boa notícia é que ele tem transformado este "tudo" nos elementos necessários "para dar certo na vida".

Mais velho de três irmãos, Elias vive com uma tia de 83 anos, responsável por sua criação e educação desde os três meses de vida. Sem constrangimentos, revela que a mãe era muito jovem quando ele nasceu, tinha apenas 14 anos, e o pai... Bem, sobre o pai, diz pouco recordar. O nome dele não está na certidão de nascimento. Nem em sua história. O jovem identifica em sua trajetória figuras que supriram a ausência paterna, oferecendo-lhe o suporte para o desenvolvimento com dignidade. "Eu tive a sorte de ter muitas pessoas boas ao meu lado, desde a infância", reconhece.

Como outros garotos da sua idade, Elias gosta de estar entre amigos, assistir TV e navegar na internet (aliás, nossa conversa, que durou pouco mais de uma hora e meia, foi via Facebook). E é na rede mundial de computadores que este jovem tem se destacado. De uma forma simples, sem grandes pretensões, deixa sua mensagem e marca a diferença. No início deste ano, Elias criou o personagem Teixeirinha, que "manda" um recado para adolescentes da periferia. Com a descrição "a revolta de um garoto da favela sobre as brigas de gangues entre bairros de Juiz de Fora", um vídeo produzido por ele com a ajuda de outros colegas ganhou repercussão nas redes sociais. Assistida mais de oito mil vezes (número até 20 de março de 2013), a gravação é uma forma de "alívio": "Através dela eu posso expor a minha opinião e, ao mesmo tempo, passar um recado para todos em geral", explica. Assista ao vído clicando no player acima.

Jovens moradores dos subúrbios são, recorrentemente, focados sob a ótica da violência, da criminalidade, de forma que imagens estereotipadas, associadas à transgressão e à marginalidade, povoam o imaginário brasileiro quando se fala nestes sujeitos. E é contra os estereótipos que Elias afirma também querer lutar. "Eu ouço muito a famosa frase 'a juventude é o futuro do mundo', 'valorizar o jovem é fundamental'. Mas não vejo o jovem sendo valorizado como dizem. É preciso abrir mais portas. Se o jovem tivesse mais oportunidades, não estaria na situação de vulnerabilidade em que se encontra", desabafa.

Elias já provou que não é do tipo que só reclama. Diz se interessar pelos debates que envolvem a sociedade. Revela que participa, sempre que possível, de audiências na Câmara Municipal e confere à própria juventude parcela de responsabilidade para mudar a própria realidade. Quando o questiono sobre drogas e violência entre grupos juvenis, ele é enfático. "Isso nunca aconteceu comigo. Tenho amigos que, infelizmente, foram vítimas dessas ofertas e caíram nesse mundo. Alguns sempre me pediram ajuda, e todos sempre me respeitaram".

Perguntado sobre possíveis soluções para mudar este contexto, Elias logo dispara. "Acredito que alguns jovens que moram nas periferias conseguem modificar essa realidade mostrando ao mundo que a divisão do espaço foi algo criado pelos homens, mas a divisão e a distribuição de talentos é algo dado por Deus." Integrante de um grupo de teatro, Elias também é um dos locutores do programa Conexão Jovem, na Rádio Catedral, e formador de Crisma na Paróquia São Pio X. A atuação em grupos de jovens, acredita ele, tem feito a diferença em sua caminhada e postura na vida. Ansioso pela visita do Papa Francisco ao Brasil, em julho, Elias diz já preparar as malas para a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). "Espero mudanças radicais no coração da juventude. Estou apaixonado pelo jeito, carisma e pelos ensinamentos do Papa Francisco. Tenho certeza que JMJ como essa o mundo nunca viu e nem tornará a ver."

Ah, perdão, quase concluí o texto sem apresentar formalmente o Elias: ele tem 17 anos e é estudante do 3º ano do ensino médio na Escola Estadual Marechal Mascarenhas de Moraes, mais conhecida como Polivalente do Teixeiras. Seu desejo é ser jornalista, para "denunciar tudo o que for errado. Alertar e informar a população de tudo o que está ao nosso redor e, muitas vezes, fingimos não ver". É assim que Elias Arruda encerra sua entrevista. "Somos o que fazemos para mudar o que fomos."


Aline Maia é jornalista e professora universitária. Graduada e Mestre em Comunicação pela UFJF, tem experiência em rádio, TV e internet. Interessa-se por pesquisas sobre televisão, telejornalismo, cidadania e juventude.Também é atuante em movimentos populares e religiosos.

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