Aline Maia Aline Maia 28/10/2013

Corpo, tecnologia e cidadania

Jovens se apropriam da tecnologia para afirmar uma maneira específica de perceber e construir o seu local

dançaUm corpo no chão. Rodopiando. De ponta cabeça, como um pião. Saltando. Erguendo-se e sustentando-se em apenas uma das mãos. Com pernas entrelaçadas, ora no ar, ora na terra. Movendo-se de um lado para o outro ao som rítmico que embala também quem está ao redor. É uma apresentação de hip hop. As imagens "clipadas" em um vídeo de 1'59", postado no YouTube*, delimitam um jeito de ser. Mais: a disponibilização deste vídeo em formato de clipe na rede mundial de computadores sinaliza a necessidade de apresentar-se ao mundo, de mostrar-se, de exibir-se sob uma ótica própria.

O corpo fala. Esta frase, em certo ponto clichê, dita e ouvida em muitos lugares - título, inclusive, de livros -, também pode dizer muito quando o assunto é cidadania. O que pensar do corpo descrito acima? Um jeito de se expressar e de se portar pode reivindicar sentidos para além dos visíveis aos olhos. Isso porque, nas sociedades, os indivíduos ocupam espaços físicos - como ruas, bairros - e também espaços imaginados, socialmente criados a partir de representações – sejam produzidas pelos próprios sujeitos, sejam advindas da mídia, por exemplo. Pensar um jovem roqueiro, ou uma jovem estudante da periferia, ou ainda um rapaz universitário de classe média alta é buscar no imaginário aquelas construções que cultivamos graças ao que os meios de comunicação nos apresentam rotineiramente, nas revistas, nos jornais, nos programas de TV...

Neste cenário físico e imaginado, material e imaterial, criado pelos processos de comunicação, encontramos os corpos em um movimento contínuo de experiência com os elementos que fazem parte do seu ambiente de existência. Assim, o corpo torna-se peça-chave nas construções identitárias e, por conseguinte, no estabelecimento da cidadania, na reivindicação de direitos e deveres. Tenho refletido bastante sobre esta questão, especialmente relacionando-a às culturas juvenis e ao uso das novas tecnologias.

A juventude tem uma capacidade típica de "interconectividade", de aproximação e afastamento. O jovem está constantemente experimentando, circulando, trocando de lugares e de afetos (algo que já disse por aqui...). Os estilos mais exóticos de alguns grupos (por exemplo, a maneira de vestir-se) seriam sinais de reação, de uma cultura juvenil utilizada para desafiar consensos dominantes. Segundo o pesquisador português José Machado Pais, as culturas juvenis teriam sempre um significado político, de forma que os rituais dessas culturas almejariam manifestar uma capacidade de resistência, conquistando e emoldurando espaços sociais e de cidadania. Observando jovens, dos mais diversos grupos, classes sociais e regiões, não é difícil perceber o corpo e seus deslocamentos como portadores de mensagens de mobilização, de resistência e diferenciação, um "rico fórum para debate", como defendem muitos estudiosos.

Neste contexto, é imperioso reconhecer que as novas tecnologias têm alavancado novas relações entre corpo, cultura e território. Assim, em vídeos postados e compartilhados na internet, por exemplo, um jovem pode exibir-se a fim de reinventar-se em contraposição a representações que rotineiramente povoam o imaginário coletivo. Redes sociais e sites de compartilhamento de vídeos são, na atualidade, arena fértil de produções que exemplificam este comportamento, como o vídeo que descrevemos na abertura deste artigo.

Com uma câmera na mão, ou mesmo um celular, os jovens tornam-se "capacitados" a "registrar e jogar" para a sociedade a sua própria visão de mundo, visão de cidade, visão de comunidade, visão de si mesmos. Cada vez mais dominando o uso da tecnologia, a juventude tem se apropriado de equipamentos e software para afirmar uma maneira específica de perceber e construir o seu local, de reivindicar sua cidadania. Assim, promovem releituras, constroem reconfigurações e evidenciam que não são apenas receptores passivos de informação. Através do corpo, imprimem uma identidade própria ao exprimir gestos espontâneos ou combinados que revelam aspectos do lugar onde estão inseridos. É o cardápio do dia: corpo, tecnologia e cidadania.

* Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=sL7JNQ4csM4. A primeira apresentação, em um palco, fez parte da programação de aniversário da Casa de Cultura Evaílton Vilela – projeto voltado para jovens na zona sul de Juiz de Fora. As imagens seguintes são de apresentações em ruas de JF e de aulas de hip hop. Acesso em: 28/10/2013


Aline Maia é jornalista e professora universitária. Doutoranda em Comunicação na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Tem experiência em internet, rádio e TV. Interessa-se por pesquisas sobre mídia, juventude e cidadania. Atuante em movimentos populares e religiosos.

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