Preconceito velado ou escancarado? Rita F?lix, mestre em etno-hist?ria, fala sobre racismo, preconceito, sistema de cotas, mercado de trabalho e movimento negro em JF

Fernanda Leonel
Rep?rter
26/10/2006
foto da pesquisadora
Rita Felix

O Brasil ? o segundo maior pa?s no mundo com contingente negro. Apesar disso, muito ainda se discute e se planeja para a inser??o dessa grande massa populacional no mercado de trabalho, nas estat?sticas de educa??o, sa?de e vida social.

A mestre em etno-hist?ria pela Universidade Estadual de S?o Paulo, Rita F?lix e tamb?m autora do livro "O negro: sobreviv?ncia, conflitos e movimento" profere palestra nesta quinta-feira, dia 26 de outubro, no I Congresso do Ces/JF, que tem o tema Educa??o, Direito e Cidadania.

Adiantando discuss?es que v?o acontecer durante o debate com outros especialistas da ?rea, estudantes e interessados no assunto, Rita falou com a ACESSA.com sobre racismo, preconceito, sistema de cotas, mercado de trabalho e movimento negro em Juiz de Fora. O resultado, voc? confere na entrevista exclusiva:

ACESSA.com - Como ? que voc?, enquanto pesquisadora e porta-voz do assunto, define o preconceito hoje no Brasil?
Rita F?lix - Eu acredito que oficialmente, ele ? camuflado, velado como as pessoas dizem. Mas na pr?tica eu n?o diria que esse preconceito ? velado n?o. Acho que ele ? escancarado mesmo. Na sociedade h? muita discrimina??o, sem sombra de d?vidas.

O cotidiano da sociedade apresenta tra?os muitos caracterizados de preconceito. ? s? voc? fazer um passeio por alguns territ?rios para se ter certeza de como alguns lugares ainda n?o s?o acess?veis para os negros. ? s? parar para ir em um lugar de grande porte. Cad? os negros? E eles n?o est?o l? porque n?o tem oportunidade. As oportunidades dadas ? maioria dos negros s?o m?nimas. Isso exclui, marginaliza. N?o ? velado. ? expl?cito. A hist?ria mostra a discrimina??o, em todos os per?odos do nosso pa?s.

" O preconceito n?o ? velado. ? expl?cito. A hist?ria mostra a discrimina??o, em todos os per?odos do nosso pa?s"

ACESSA.com - Sempre houve o preconceito. Mas quais s?o as principais caracter?sticas do preconceito ao longo da hist?ria?
Rita F?lix - No per?odo da escravid?o, o racismo era legitimado pelo sistema: o sistema escravizava e o escravo nunca foi tratado de igual para igual. Por?m, a gente via um posicionamento diferente dos negros, eles n?o foram omissos e ap?ticos ditante da sua problem?tica. O escravo sempre fazia algo para tentar mudar a situa??o que lhe era imposta. A gente percebe isso atrav?s dos assassinatos, abordos, organiza?es em quilombos ou das rebeli?es que foram muito importantes no per?odo do imp?rio.

No p?s-aboli??o, no per?odo da primeira rep?blica, principalmente, a popula??o estava descobrindo uma forma de sobreviver e tem-se a impresss?o de que as coisas mudaram. Novas leis foram criadas, mas o fato de negro n?o fazer parte da sociedade ainda era uma coisa muito f?cil de se perceber. E a?, na luta pela sobreviv?ncias, eles acabam se marginalizando cada vez mais.

ACESSA.com - Qual ? um jeito claro de perceber como o racismo e o preconceito est? embutido no nosso dia-a-dia?
Rita F?lix - ? s? voc? transitar por institui?es e locais onde ficam as pessoas mais privilegiadas para a gente procurar onde ? que est?o os negros. V? se eles est?o trabalhando como servi?al ou se est?o sendo subalternos. V? at? um restaurante classe. Muitos s? tem negros na cozinha, porque nem gar?ons negros muitos restaurantes querem ter.

"Hoje h? cotas na lei que interferem nessas quest?es das novelas. H? obrigatoriedade e h? cotas para que negros participem. Eles precisam ter profiss?es boas e tudo mais. Mas ? s? parar para olhar para o lado, ver as novelas e raciocinar se isso est? sendo cumprido"

V? at? essas lojas chiques que gostam de ter atendentes bonitos para voc? ver. Onde ? que est?o os negros? Hoje est? inaugurando uma loja na cidade que tem o Sebastian como garoto propaganda. Ele ? uma persona, algu?m muito representativo. Mas a loja n?o ? brasileira, e a?, a gente j? v? que n?o acha coisa parecida por aqui. As grandes lojas brasileiras n?o tem essa preocupa??o de ter um produto a partir da figura do negro.

Existe um problema de representa??o tamb?m. E o movimento negro tem contribu?do muito para que essa representa??o mude de alguma forma. A partir dos anos 90, principalmente, esses movimentos se organizaram para poder buscar seus direitos. Foram eles que foram atr?s da obrigatoridade de ter atores negros nas novelas, que era uma coisa que n?o acontecia h? alguns anos atr?s. Se elas entravam era para fazer pap?is de classes baixas, servi?ais. E n?o ? assim que se deve tratar esse assunto. Os negros merecem n?cleos, fam?lias, e quem n?o ? negro, muita as vezes nem se d? conta dessa representa??o. N?o h? preconceito velado no Brasil n?o: ? s? parar para prestar aten??o nas coisas para poder perceber como tudo est? muito ? escancarado.

Hoje, h? cotas na lei que interferem nessas quest?es das novelas. H? obrigatoriedade, e h? cotas para que negros participem. Eles precisam ter profiss?es boas e tudo mais. Mas ? s? parar para olhar para o lado, ver as novelas e raciocinar se isso est? sendo cumprido.

E porque isso ? importante? ? importante parar para pensar nessas quest?es para julgar a sociedade brasileira. Ficam nesse bl?-bl?-bl? a? de democracia racial, de preconceito, de racismo, mas n?o se toma medidas efetivas para se reverter esse quest?o. Isso ? importante para quest?es pessoais, de crescimento, de forma??o de uma na??o que realmente se quer dizer igualit?ria.

ACESSA.com - Voc? ? contra ou a favor do sistema de cotas nas universidades p?blicas?
Rita Felix - Quando me perguntam de cotas eu sempre falo: que cotas? As cotas sempre existiram. ? s? voc? pegar a hist?ria das universidades p?blicas brasileiras para ter certeza: 90% ou mais dos universit?rios tem forma??o branca. Sem contar que os negros que estudam em uma universidade p?blica s?o, muitas vezes, fruto dos conv?nios com pa?ses estrangeiros.

"H? necessidade de cotas. A popula??o negra nunca teve acesso aos bens p?blicos de qualidade. Eles sempre ficaram exclu?dos de muito do sistema de sa?de, educa??o"

Ent?o quando se discute cotas hoje no Brasil, a quest?o ? que o movimento negro s? est? tentando ampliar um pouquinho as cotas, as oportunidades para estudar que lhe s?o oferecidas. Eles quererm aumentar muito pouco, a diferen?a vai ficar em algo de vai sair de 5% para ir para 12%. S? isso, mais nada.

H? necessidade. A popula??o negra nunca teve acesso aos bens p?blicos de qualidade. Eles sempre ficaram exclu?dos de muito do sistema de sa?de, educa??o. As melhores coisas nunca s?o reservadas para eles. As cotas para negros nas universidade s?o essenciais para diminui o preconceito.

ACESSA.com - O que voc? indicaria para os negros de Juiz de Fora para tentar mudar o panorama de discrimina??o atual?
Rita Felix - A mobiliza??o, por mais que a pessoa pense que ? individual, vale. Mas ? claro que a mobiliza??o individual ? solit?ria e mais demorada. ? preciso buscar a mobliza??o em grupo, que ? mais eficiente. Em Juiz de Fora - ainda bem - o movimento negro e bem representativo e tem conseguido bons ganhos nesse sentido. Eu acredito que muito ainda pode ser feito, para se conseguir dizer que as coisas est?o bem. Agora, a luta na cidade j? vem acontecendo h? algum tempo e tem dados resultados positivos.