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A história da Albrás, grande desconhecida

Lúcio Flávio Pinto - Janeiro 2010
 

A Albrás é a maior empresa com sede no Pará e na Amazônia. Em 24 anos de funcionamento, sua produção acumulada já alcança 9 milhões de toneladas de alumínio, destinado principalmente ao exterior e, em particular, ao Japão, que ficou com quase metade desse total. A receita dessas exportações no período supera 13 bilhões de dólares. É a maior exportadora de alumínio e também a maior produtora do Brasil. É a 8º maior fábrica de alumínio do mundo e a líder no continente. Está a menos de 50 quilômetros em linha reta de Belém, mas raros paraenses a conhecem pessoalmente, sabem o que ela representa ou sequer que existe. Não parece que está em Barcarena: parece que foi instalada em Marte.

Já há uma boa maneira de apresentar a maior empresa do Estado aos paraenses. É através de um álbum, A história da Albrás, bem editado graficamente, em 232 páginas, com rica iconografia. Apesar de ser uma publicação institucional da companhia e ter sido escrita por um dos seus ex-presidentes, não é uma hagiografia nem chega a ser uma versão bitoladamente oficial.

Romeu do Nascimento Teixeira era realmente a pessoa mais habilitada a reconstituir, a partir de dentro, o que foram os 18 anos e meio de negociações nipo-brasileiras e os sete anos de implantação da Albrás. Ele foi o brasileiro que por mais tempo esteve na linha de frente do empreendimento, durante sete anos como seu mais duradouro presidente. Mas não perdeu o humor e certo senso crítico ao relatar a façanha que foi colocar uma moderna e potente refinaria de alumínio para funcionar no meio da selva amazônica. Hoje ela produz 44% acima da capacidade de projeto, que era de 320 mil toneladas, sem grandes investimentos adicionais, o que representa quase um terço (31%, para ser exato) da produção nacional.

A primeira questão que a Albrás suscita consiste em saber se ela foi concebida como um dos componentes do programa de integração da Amazônia à economia nacional, que os governos militares puseram em prática na transição do final da década de 60 para os anos 70 do século passado, ou se é um típico projeto internacional de enclave. A resposta deverá apresentar componentes desses dois fatores e de alguns outros. Já havia planos para dar aproveitamento energético aos rios da Amazônia e a existência de minérios começou a ser confirmada e mensurada a partir da descoberta e exploração da jazida de manganês do Amapá pela Bethlehem Steel/Icomi, na década de 50.

Fora dado o tiro de largada na corrida pelos valiosos recursos do subsolo da região e a principal condição para possibilitar seu aproveitamento era a oferta de energia, não só escassa como insuficiente na Amazônia. Principalmente para o minério que iria completar seu ciclo do metal primário, o lingote de alumínio (com a etapa intermediária da alumina).

Até o final dos anos 1960 apenas multinacionais haviam feito descobertas importantes de minérios na Amazônia, como manganês, bauxita, caulim, titânio, cassiterita e o principal deles, o minério de ferro de Carajás. A maior parte dessas descobertas aconteceu, certamente não por acaso, a partir de 1964, com as facilidades oferecidas ao capital estrangeiro pelo governo militar brasileiro.

No Brasil, as primeiras descobertas de bauxita ocorreram em 1917, feitas pela americana Alcoa, em Mariana, Minas Gerais. Importantes depósitos de bauxita já eram conhecidos na Guiana, mas só na década de 50 as multinacionais passaram a se interessar de vez pela Amazônia. A primeira delas, a Kaiser, se limitou a vistoriar as margens do rio Amazonas próximas ao litoral do Pará e do Amapá. Surpreendentemente, suas sondagens não se aprofundavam pelas camadas onde se acumulava o minério, como se não interessasse - ao menos ainda não - a avaliação econômica dos jazimentos. "Algum interesse estratégico ou político cercava de mistério a atuação dos estrangeiros na Amazônia", observa Romeu Teixeira no livro. As multinacionais queriam apenas "sentar sobre as minas".

A canadense Alcan, porém, vendo ameaçadas suas jazidas localizadas na Guiana inglesa e na Guiné, decidiu ir mais além, fazendo pesquisas na região central da margem esquerda do Amazonas. Foi assim que, em 1967, encontrou "a primeira boa reserva econômica", na calha do rio Trombetas, em Oriximiná. Seu depósito continha 500 milhões de toneladas de bauxita, cinco vezes mais do que as reservas brasileiras de então.

A Alcan saiu na frente, mas adiou tanto seu projeto que acabou paralisando-o, em maio de 1972, quando ele já estava aprovado para receber colaboração financeira da Sudam (era o maior de todos os projetos até então aprovados). Alegou que havia excesso de minério no mercado e que suspenderia a implantação por tempo indeterminado. O governo federal, que pretendia transformar a Amazônia em fonte imediata de divisas, para sustentar o "milagre econômico", obrigou-a a abrir o capital.

Assim a estatal Companhia Vale do Rio Doce ficou com 41% das ações da Mineração Rio do Norte e a CBA, do grupo Ermírio de Moraes, com 10%. Estava assegurada a maioria nacional onde, antes, havia o controle absoluto de uma multinacional. Os militares tinham uma motivação estratégica para a iniciativa: a CBA era, até então, o único produtor nacional do alumínio. Os outros dois eram multinacionais, do cartel das seis irmãs: a Alcan e a Alcoa.

O projeto Trombetas foi retomado em julho de 1974, após 26 meses de paralisação, para produzir 3,3 milhões de toneladas. Deixara de ser um empreendimento isolado: seu principal objetivo passou a ser viabilizar uma grande fábrica de alumínio no extremo norte do país. Completamente neófita nesse setor, ainda em 1973 a CVRD fez contatos no Japão à procura de novos sócios estrangeiros para participarem do empreendimento, conforme a reconstituição feita por Romeu Teixeira.

Já encontrou em atividades a Ardeco, uma companhia criada pelos japoneses dois anos antes para incrementar a busca por bauxita e que realizou sondagens na África e na América do Sul. Entre agosto e setembro de 1973 (quase um ano antes da retomada do projeto da MRN) uma missão da Ardeco visitou todos os locais que seriam entrelaçados para possibilitar a produção de alumínio: as jazidas de bauxita do Trombetas e de Paragominas, estas de propriedade da Rio Tinto Zinc, e o local onde surgiria a usina de Tucuruí, no rio Tocantins. Isao Kawaguchi, vice-presidente da Mitsui Aluminium, chefiou essa delegação e seria o maior protagonista da Albrás.

Em 13 de novembro de 1973 o então todo-poderoso ministro Delfim Neto assinou, em Tóquio, o primeiro memorando de entendimento para a implantação de uma fábrica de alumínio e da hidrelétrica de Tucuruí, ambos no Pará. De pronto, a Federação das Indústrias do Japão (Keindaren) enviou outra missão, com técnicos em siderurgia, energia e alumínio para estudar os projetos. Seus pareceres fundamentaram a decisão da Vale e do consórcio japonês LMSA (depois substituído pela Nalco, em 1977, e, por fim, pela NAAC) para implantar a fábrica de alumínio na Amazônia pelo governo japonês e 32 empresas privadas daquele país, incluindo os cinco maiores produtores de alumínio do Japão. Deveria ser a maior e melhor fábrica de alumínio do Brasil. Os japoneses tomavam a mesma iniciativa em Gana e na Indonésia.

Eles corriam contra o tempo. Era um projeto não só empresarial, mas governamental, da própria nação. O peso do governo ainda se fazia sentir quando a Albrás começou a produzir, em 1985: havia grandes estoques de alumínio espalhados pelo mundo e os preços estavam próximos de mil dólares, que não garantiam a remuneração do investimento (cuja taxa era baixa, de pouco mais de 7% ao ano). O Japão estava parando de produzir alumínio, suas fábricas quase todas fechadas e as empresas descapitalizadas. O governo japonês teve que bancar para que a Albrás prosseguisse.

Em meados de 1970 o Japão já se tornara o maior importador mundial de alumínio. Durante a década de 60 os japoneses conseguiram multiplicar por cinco sua produção interna para atender ao "milagre econômico", que fizera o país ressurgir como potência mundial depois de ter sido arrasado na Segunda Grande Guerra. Mas a importação crescera o dobro, atingindo 258 mil toneladas, equivalente a pouco mais de um terço da produção nacional (ou 727 mil toneladas).

O primeiro choque do petróleo, em outubro de 1973, provocou o fim da busca de autonomia em alumínio, o produto industrial que mais consome energia. Foi preciso converter - às pressas e de forma radical - o parque manufatureiro do metal. Agora, a meta era acabar com a produção interna, que se tornava inviável pelo alto custo da energia. O fechamento de fábricas começou em 1979. Dois anos depois quase metade da capacidade instalada (de 1,4 milhão de toneladas) já havia sido desativada.

Exemplo dessa transformação foi a trajetória da Mitsui Aluminium: criada em 1968, teve que encerrar suas atividades 21 anos depois por carência de energia. Uma fábrica da Sumitomo foi mais meteórica: inaugurada em 1977, foi fechada em 1982. Em 1977 os japoneses ainda pareciam ter esperanças de superar a crise do petróleo. Foi quando sua produção atingiu 1,5 milhão de toneladas, representando quase 10% da produção mundial. A maior fábrica era da Sumitomo, com capacidade instalada de 515 mil toneladas (a única maior do que a futura Albrás). Mas, a partir de 1980, como efeito da segunda crise do petróleo, do ano anterior, a produção interna caiu vertiginosamente, chegando a um valor simbólico, de 40 mil toneladas, no final da década. Toda a produção japonesa teve que migrar e o melhor local para se instalar era o Pará.

No início, eles imaginaram investir muito mais. Tanto em Barcarena mesma, por total carência de infra-estrutura para suportar um investimento tão complexo, como na central de energia, que precisaria ser de alta escala para dar conta da forte demanda de uma refinaria de alumínio (iria consumir uma vez e meia mais energia do que Belém). Por isso, o orçamento total definido em 1974 era de 3,3 bilhões de dólares, sendo US$ 2,2 bilhões para as fábricas de alumínio e alumina, US$ 800 milhões a título de participação na hidrelétrica (que deveria custar US$ 2,1 bilhões) e US$ 300 milhões para a infra-estrutura de apoio às fábricas.

Em maio de 1975 o tamanho da Albrás foi reduzido à metade: de 640 mil (o que a colocava como a maior do mundo) para 320 mil toneladas anuais (ainda como uma das maiores). Outra modificação foi a separação dos projetos de alumina e alumínio, que passaram a ser independentes Em 1979 só o custo da fábrica de alumínio estava em US$ 1,5 bilhão de dólares. O valor da Alunorte era então de US$ 572 milhões para uma produção de apenas 800 mil toneladas. Era menos do que a previsão inicial.

Os japoneses começaram a perceber que poderiam investir muito menos se transferissem alguns encargos para a parte brasileira, sobretudo o governo, e eliminassem sua participação no projeto da hidrelétrica. As dificuldades de um entendimento entre os parceiros sobre diversos pontos do projeto iriam impossibilitar o general Geisel de assinar um acordo formal de constituição da Albrás durante sua imponente visita a Tóquio, em 1976. Por isso, ele autorizou o ministro das minas e energia, o nissei Shigeaki Ueki, "se preciso for", a assinar "contratos de gaveta" para que o acordo fosse sacramentado. "Por isso, Ueki deixou algumas cartas se comprometendo com os japoneses em pontos que seriam difíceis de serem atendidos no futuro", observa Romeu.

Um dos pontos de atrito, segundo ele, eram os 2% a mais em favor da Vale sobre o consórcio japonês na composição do capital da Albrás (51% a 49%). Essa diferença "não agradava aos japoneses, e houve diversas tentativas de conseguir que a participação fosse igualitária, mas o governo brasileiro jamais concordou". No entanto, essa mesma diferença foi usada como argumento para forçar o BNDES a finalmente aceitar financiar o projeto, o que o banco vinha se recusando a fazer. Seus técnicos argumentavam que embora o controle nominal do capital fosse brasileiro, na prática eram os japoneses que mandavam na Albrás. Queriam mudanças no acordo de acionistas.

A posição dos técnicos foi superada por interferências políticas e o contrato de financiamento para a segunda fase da implantação, de US$ 423 milhões (de um custo total de US$ 659 milhões), foi assinado em março de 1982. Ironicamente, as regras foram as mesmas do empréstimo para a primeira fase, feito pelo Eximbank japonês, no valor de US$ 373 milhões (de um total de US$ 708 milhões). Por isso, a correção monetária do empréstimo brasileiro foi em parte atrelada à variação da taxa da moeda japonesa, o iene, "o que veio prejudicar muito a Albrás e os seus acionistas". Mas beneficiou - e muito - os financiadores japoneses. O investimento total acabou sendo de US$ 1,37 bilhão, apenas 6,2% acima do orçamento de 1980, para surpresa do governo do Japão, que imaginava ter que investir de sua parte 36% a mais do que efetivamente aplicou.

O projeto Asahan, na Indonésia, que era paralelo ao da Albrás, dobrou de valor, passando de US$ 1,1 bilhão para US$ 2 bilhões. A produção era de apenas 225 mil toneladas de alumínio, mas o orçamento incluía uma hidrelétrica de 513 MW, equivalente a quase duas das 23 máquinas de Tucuruí, que acabou sendo excluída do esquema de fontes da Albrás (onde apareceu inicialmente com US$ 800 milhões). A construção de Asahan começou em 1979 e a primeira linha entrou em operação em 1982. Os japoneses tinham 75% (sendo 50% do governo) e o governo indonésio 25%. Nela, mandavam mais abertamente. Em compensação, pagaram mais alto por isso.

A Albrás entrou em operação em julho de 1985. A primeira exportação de lingote foi em 4 de abril de 1986, quando o navio Sun Rokko Colombo desatracou do porto de Vila do Conde carregado com 26,5 mil toneladas de metal destinados aos Estados Unidos. A primeira exportação para o Japão só aconteceu seis meses depois. Foram 16,7 mil toneladas embarcadas para o porto de Yokohama. A Alunorte responde por 15% das necessidades japonesas de alumínio. É a maior fábrica japonesa fora do Japão.

Para chegar a esse resultado, a Albrás precisou se entestar com um empreendimento paralelo, que com ela iria competir e desde o início procurou sufocá-la. À frente dessa empreitada estava ninguém menos do que a maior indústria de alumínio do mundo, a americana Alcoa, a líder do cartel das "seis irmãs", empenhada em rearrumar esse oligopólio durante a transição da crise mundial de energia.

Sugestivamente, as duas selecionaram o mesmo local para nele instalarem sua fábrica: a ilha de Mosqueiro. No primeiro contato com o então governador Aloysio Chaves, em 23 de outubro de 1975, Eduardo Carvalho, diretor da Vale, pediu apoio para instalar a fábrica de alumínio na ilha: "A forte recusa do governador em relação a esse local, por ser um balneário próximo a Belém, empurrou a Albrás para Barcarena", testemunha Romeu. A Alcoa, que nem foi recebida pelo secretário de planejamento do Estado, Fernando Coutinho Jorge, se mudou para São Luís do Maranhão.

Romeu Teixeira admite que houve competição entre os dois projetos, contribuindo para acirrar a tradicional rivalidade entre Pará e Maranhão. Segundo ele, as "campanhas e críticas contra os excessivos benefícios fiscais" concedidos à Albrás poderiam ter sido "bem mais brandos se os benefícios não tivessem sido estendidos à Alcoa/Alumar". Dentre os vários benefícios fiscais e tributários estavam redução de imposto de renda, isenção de imposto de importação e sobre produtos industrializados (IPI), dispensa do depósito compulsório sobre financiamentos externos, benefício de impostos sobre equipamentos nacionais, isenção de impostos estaduais e municipais. Mas o maior de todos foi sobre a tarifa da energia elétrica.

Os japoneses acabaram poupando seu capital de risco não entrando em Tucuruí, mas acompanharam meticulosamente, de forma direta ou indireta, o avançar do cronograma físico-financeiro da obra, que lhes era vital. Sem muita energia, não seria possível produzir o alumínio previsto. Os dois projetos tinham que ser simultâneos e o menos oneroso possível. Já em setembro de 1974 o ministro Shigeaki Ueki sobrevoou o local onde seria erguida a hidrelétrica de Tucuruí na companhia do embaixador japonês. Outro nissei, Akihiro Ikeda, que deixou a presidência da Alunorte para ser secretário-geral do ministro da Fazenda, Delfim Netto (outro personagem destacado no enredo), teve participação decisiva tanto no projeto da Albrás quanto no de Tucuruí.

Diz Romeu que na construção de Tucuruí, "o grande aliado era o fabuloso contrato turn key com a maior empreiteira do país [ele não diz o nome da Construtora Camargo Corrêa] que, de certa forma, garantia o fluxo de recursos. Mas, talvez pela mesma razão, os custos de implantação estavam tendo um enorme aumento, o que poderia trazer conseqüências para a tarifa de energia".

A perspectiva preocupava muito a Albrás. Em 1976 a empresa firmou com a Eletronorte um protocolo estabelecendo que o preço da energia elétrica "seria variável em função do preço do alumínio, com uma tarifa mínima de 8 mills [milésimos de dólar] por kWh". Apesar dessa tarifa altamente favorável, "a NAAC pleiteava ainda melhores condições". O anúncio desses valores provocou "o aumento da pressão da opinião pública". De tal forma que, "antes que as pressões recrudescessem, tornava-se urgente assinar o contrato com a Eletronorte".

Os benefícios tarifários foram aprovados em agosto de 1979, sobre uma base ligeiramente melhorada, de 8 para 10,5 mills/kWh. O contrato com a Eletronorte foi assinado em novembro de 1980. Embora a Albrás tenha antecipado em dois anos a reserva de energia para capitalizar a Eletronorte, nos 20 anos de vigência do contrato a partir de 1984 (renovado em 2004 por mais duas décadas), o subsídio tarifário equivaleu ao investimento feito na fábrica de alumínio. Ou seja: devolveu uma fábrica nova à empresa.

Em boa hora foi o acerto. Em 1984, quando visitou a Albrás, o cearense César Cals, que substituíra Ueki no Ministério das Minas e Energia, manifestou satisfação com o projeto do alumínio, que estava dentro do orçamento, enquanto a obra de Tucuruí o havia estourado em US$ 2 bilhões. Ou seja: tinha dobrado de custo. A vantagem de um só empreiteiro, como acontecia em Tucuruí, que podia executar o serviço com maior rapidez, não fora alcançado, já que a usina atrasara. E a desvantagem da hidrelétrica em relação a um empreendimento com muitos empreiteiros, que, na concorrência, podem diminuir seus preços, estava visivelmente escancarada em relação à Albrás, que cumpriu o orçamento. O de Tucuruí passou de US$ 10 bilhões e ninguém sabe explicar como ficou tão caro, embora o ex-presidente da Vale e ex-ministro das Minas e Energia, Eliezer Batista, fundamental tanto na história de Carajás quanto da Albrás-Alunorte, tenha sugerido uma razão: corrupção.

O contrato foi assinado, a energia foi fornecida, a fábrica bateu recordes, mas a relação entre a hidrelétrica e a refinaria de alumínio se mantinha precária porque havia uma única linha a transmitir a brutal carga de energia pelos 320 quilômetros entre Tucuruí e Barcarena. Em fevereiro de 1980 a Albrás fez a primeira solicitação de duplicação dessa linha singela, que custaria US$ 87 milhões, mas a obra só foi executada em 2002, 11 anos depois do grande blecaute de março de 1991. Durante 12 horas faltou energia, interrompida por um acidente na linha de transmissão. A Albrás perdeu 40 mil toneladas de alumínio, ficou parada por vários meses e seu prejuízo ultrapassou em US$ 20 milhões a cobertura do seguro. Tudo porque uma pequena peça da linha (no valor de US$ 20) quebrou.

Enquanto, com todos os seus percalços (e muitas vantagens), a Albrás seguia em frente, sua vizinha, a Alunorte, projetada para transformar a bauxita do Trombetas em alumina, marcava passo. Na Alunorte a participação dos sócios era diferente: 60,8% para os brasileiros e 39,2% para os japoneses. Essa participação equivalia exatamente a quanto da produção de alumina seria utilizada pela Albrás para produzir a sua própria cota de alumínio, que era de 49% do total. Não queriam ir um milímetro além dos seus interesses. Talvez por isso, não se interessaram por investir na mineração. Nunca aceitaram fazer parte da Mineração Rio do Norte. A participação japonesa na Alunorte é, hoje, de 5,3%.

Já a Alcan tinha opção sobre 25% da empresa de alumina, mas desistiu. No entanto, participou de toda a implantação, através de sua sócia japonesa, a NLM, a segunda maior produtora de alumínio do Japão, na qual tinha metade das ações. A NLM, que "contribuiu de forma tão importante para implantar o projeto de alumínio", não conseguiu levar adiante "seu próprio projeto de alumina", constata Romeu Teixeira. Ele busca a explicação em duas vertentes, uma séria e outra irônica. A NLM podia carregar a sina da Alcan, "de sempre perder o fôlego quando faltava pouco para concretizar seus grandes projetos no Brasil". Talvez porque tivesse faltado a ela "um pouco da brilhante e corajosa ‘irresponsabilidade’ de Kawaguchi. Ou, quem sabe, beberam pouco". Na Albrás beberam muito: entre 1973 e 1985, segundo Romeu, bom de copo, foram consumidas 535 mil garrafas de cerveja, o que daria a média de 165 garrafas por dia. Sem incluir outras bebidas de maior octanagem, como o saquê.

Romeu assegura que houve pressão da Alcoa sobre o governo brasileiro "para que a Vale adiasse indefinidamente o projeto da Alunorte". Mas essa pressão só foi eficaz porque a Vale, em dificuldade de caixa e passando por um dos seus cíclicos momentos de visão curta, aceitou a pressão para não ter que investir na Alunorte. O primeiro embarque da MRN foi em 13 de agosto de 1979, 21 mil toneladas para o Canadá. O fornecimento para o mercado interno começou indo para a Alumar, em São Luís, em 1984. Só 11 anos depois a Alunorte começou a receber minério do Trombetas, quando, finalmente, entrou em produção. Durante esse período o Pará exportou bauxita e importou alumina para a Albrás, principalmente do Suriname, de uma subsidiária da Alcoa. Deve ter perdido mais de um bilhão de dólares em divisas nesse período por conta desse traçado irracional.

Quem mais ganhou e quem mais perdeu nessa incrível ciranda de dados e relatos? Passado um quarto de século do início da produção de alumínio na Amazônia, ainda não há um balanço satisfatório. Mas o belo álbum que Romeu Teixeira escreveu e ajudou a produzir passa a se tornar uma fonte indispensável na busca da resposta, de alto interesse para o Brasil - e, em particular, para que o Pará não passe a ser apenas um detalhe nessa saga de poderosos.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).



Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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