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Nem toda a direita está contra Dilma, nem toda a esquerda está com o governo

Cláudio de Oliveira - Março 2015
 

No Brasil, poucos partidos são ideológicos, isto é, guiam a sua ação em bases doutrinárias e programáticas. Ao contrário, são na maioria fisiológicos e oportunistas e dão pouca importância a programas, princípios e doutrinas.

Vejam o exemplo de Paulo Maluf e o seu partido, o PP, que são de direita. Para quem não sabe, Maluf foi o candidato da direita e da ditadura, derrotado há exatos 30 anos por Tancredo Neves. Apesar de direita, Maluf e o seu partido, desde as eleições de 2002, estão no governo Lula e Dilma, ambos filiados ao PT, um partido de esquerda.

Fernando Collor, um político de centro-direita, foi o candidato da direita no segundo turno da primeira eleição presidencial direta pós-ditadura contra Lula, que reuniu na ocasião toda a esquerda, a centro-esquerda e setores centristas.

Hoje Collor apoia e é apoiado por Lula, Dilma e o PT.

Gilberto Kassab e Guilherme Afif Domingos, ambos de centro-direita, e este último secretário de Agricultura de Maluf quando governador nomeado pelos militares, são atualmente os representantes do PSD, de centro-direita, no ministério de Dilma Rousseff.

Ambos tentam recriar o Partido Liberal, pelo qual Afif saiu candidato a Presidente da República em 1989, cuja plataforma defendia princípios liberais, como menos intervenção do Estado na economia e menos impostos. Exatamente o contrário do que líderes empresariais - entre eles empresários do comércio, ao qual Affif e Kassab são ligados - acusam o atual governo de fazer: de intervencionismo estatal na economia e de aumento da carga tributária.

José Sarney, de centro-direita, foi presidente do partido do regime militar, o PDS, e hoje um dos líderes do PMDB, atualmente dominado por políticos conservadores e de centro-direita. Desde 2002, Sarney faz parte da coligação governista e no Maranhão é apoiado por Lula, Dilma e o PT.

Esquerda e centro-esquerda

Por outro lado, nem toda esquerda está com Dilma, Lula e o PT. O PCdoB, um partido de esquerda, e o PDT, de centro-esquerda, fazem parte da base governista.

Porém, lembremos de que o principal líder do PDT, Leonel Brizola, de centro-esquerda, foi um dos primeiros a romper com o governo Lula, já em março de 2003, acusando Lula de traidor e de se sujeitar à política econômica do FMI, tida como conservadora. Após a morte de Brizola, o PDT voltou ao governo.

A senadora Heloísa Helena, de esquerda e candidata do PSOL a presidente da República, em 2006, naquela mesma época deixou o PT com severas críticas a Lula, ao PT e à reforma da Previdência do setor público então implementada pelo governo.

O PPS, herdeiro do antigo PCB, principal referência da esquerda brasileira até o anos 1980 e autointitulado de esquerda democrática, deixou o governo Lula em 2004, com críticas à política econômica ortodoxa do ministro Antônio Palocci e de Henrique Meirelles, então presidente do Banco Central. E também com críticas à falta de discussão e compartilhamento do poder.

Cristovam Buarque, de esquerda, deixou o Ministério da Educação, saiu do PT e foi para o PDT, partido de centro-esquerda, pelo qual foi candidato a Presidente da República em 2006 com discurso de oposição. O senador de Brasília se mantém contrário aos governos Lula e Dilma.

Marina Silva, de esquerda, deixou o PT e o Ministério do Meio Ambiente do governo Lula, e foi para o PV, partido tradicionalmente aliado da esquerda e pelo qual foi candidata a Presidente da República em 2010, em oposição a Lula , a Dilma e ao PT. Sem conseguir organizar um novo partido, a Rede Sustentabilidade, Marina filiou-se ao PSB e novamente disputou a eleição presidencial em 2014, mais uma vez em oposição ao atual governo.

O PSB, um partido de esquerda, também autointitulado de esquerda democrática, deixou o governo Lula, passou para a oposição e lançou a candidatura à Presidência de Eduardo Campos, morto em acidente aéreo em plena campanha eleitoral.

O PSDB, um partido predominantemente centrista, com alas próximas do pensamento liberal-democrático, com líderes como Aécio Neves e Geraldo Alckmin, e alas do pensamento social-democrático de terceira via, próximas à centro-esquerda e com líderes como José Serra, é tradicionalmente de oposição aos governos petistas.

Os remanescentes do PMDB progressista, ligado ao antigo líder do partido, Ulysses Guimarães, como o senador Pedro Simon e o deputado Jarbas Vasconcelos, há tempos se colocam na oposição.

Patriomonialismo e hegemonismo

O que faz com que partidos de direita e centro-direita apoiem governos de um partido de esquerda como o PT?

Talvez o fato de que Lula e Dilma não fizeram governos marcadamente de esquerda, mas centristas, com reformas sociais, algumas de corte populista. E, talvez, pelo fato de as elites brasileiras e aqueles partidos conservadores serem patrimonialistas. Isto é, precisam do governo para tocarem seus negócios, como contratos de obras públicas, subsídios e isenções, bem como executarem políticas de clientela, como a troca de voto por favores e benefícios governamentais diversos, cestas básicas, Bolsa-Família, obras de visibilidade, etc.

E o que explica o fato de partidos de esquerda e de centro-esquerda se afastarem dos governos petistas? Talvez por se colocarem, alguns deles, contrários aos itens anteriores que agregam a direita e a centro-direita ao governo. E talvez sobretudo pelo hegemonismo de que acusam o PT. Isto é, o governo e o seu partido não compartilham verdadeiramente o poder nem dividem as decisões sobre as políticas governamentais, especialmente de caráter econômico, e usam o poder público para beneficiar notadamente o crescimento do PT.

Assim, ficaria mais fácil para o governo comprar o apoio dos partidos fisiológicos, em troca de favores e uso da máquina oficial, do que fazer governos verdadeiramente de coalizão, com compartilhamento de decisões estratégicas com aliados críticos, inclusive na política econômica, e divisão de poder sem subalternidade e conforme a real força política de cada um, sem beneficiar exclusivamente o partido do chefe de governo.

Ao que parece, o atual modelo político entrou em crise, cuja ponta mais gritantemente visível é o loteamento político-partidário da Petrobras e a corrupção daí decorrente, principal motor das últimas manifestações contra o governo.

A crise do atual quadro de alianças e do sistema político, somada à crise econômica que já se transforma em crise social, creio, é o nó que as forças democráticas (governistas e de oposição) precisam desatar, sob pena de verem prosperar lideranças aventureiras e reacionárias como aquelas que pregam a volta da ditadura militar, de triste memória.

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Cláudio de Oliveira é jornalista e chargista.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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