Creio que o problema fundamental do governo Dilma não está na economia, mas na polÃtica. Penso que dele decorrem os demais, inclusive as atuais dificuldades econômicas.
Qual é o problema? Minha hipótese: a incompreensão da questão democrática e, por consequência, do metódo democrático e das alianças polÃticas, com resultados negativos para a administração do paÃs.
Base polÃtica heterogênea
Dilma herdou de Lula uma ampla coalizão cuja principal caracterÃsitica é a heterogeneidade. No governo estão representados setores sociais não só diversos, como antagônicos, caso do agronegócio e do MST. No Congresso, possui desde uma esquerda, como o PCdoB, até uma direita, como o PP de Maluf.
Lula conseguiu unir tal base. Para tanto, raramente contrariou interesses estabelecidos. Se tal ação permitu governabilidade, levou a um baixo reformismo e, em vários casos, conservadorismo, em especial na esfera polÃtica.
Com uma situação econômica confortável, devido, entre outros fatores, ao crescimento mundial, Lula pôde contornar problemas estruturais da economia, cuja resolução acarretaria enfrentamentos.
A economia cresceu num nÃvel aceitável, média de 4% do PIB ao ano, aumentando o emprego e a renda. Sem as crises orçamentárias agudas e a falta de dólares de seus antecessores, promoveu transferências de renda do Estado para setores da população.
Todavia, o quadro mudou. O governo Dilma enfrenta uma crise econômica e precisou agir para garantir o crescimento econômico.
O governo Lula manteve o padrão da baixa taxa de investimento público dos governos posteriores a Geisel, em torno de 1,5% do PIB. Com o crescimento econômico, problemas não enfrentados, como os da depauperada infraestrutura, logo apareceriam.
Reformas estruturais
Ao agir em questões estruturais, Dilma necessitou contrariar interesses. A despeito de os partidos governistas possuÃrem mais de 80% da representação da Câmara, o governo tem dificuldades em promover e aprovar um claro programa de reformas.
Nisso, vejo três ordens de fatores:
1. Oportunismo do governo, ao esquivar-se de patrocinar qualquer reforma que ponha em risco a popularidade da presidente e a ampla coalizão governista e, consequentemente, o projeto reeleitoral de 2014;
2. Base social e polÃtico-partidária heterogênea em que é difÃcil negociar consenso, especialmente se se considerar que o que os une não é uma adesão programática, mas fisiológica;
3. Talvez buscando contornar tais caracterÃsticas de sua base, o governo opte por evitar discussões no Congresso e lance mão de instrumentos impositivos, como o uso abusivo de MPs.
Déficit do método democrático
Há crÃticas de que prevalecem no governo métodos tenocráticos e autoritários em detrimento do democrático. O Executivo seria pouco disposto a negociações com a sociedade e com os partidos.
Há quem veja a questão como um traço da personalidade de Dilma. Mas talvez devéssemos refletir sobre a primeira crise polÃtica do governo Lula, ainda no primeiro ano de seu mandato, em 2003.
Três meses após a posse, o ex-governador Leonel Brizola rompeu com o governo. Acusou Lula de traidor e de submissão às diretrizes do FMI, ao realizar um drástico corte de gastos públicos e promover uma reforma da previdência do setor público.
O presidente do PDT reclamou da falta de discussão das medidas econômicas do governo com os aliados. Argumentação semelhante foi usado pela esquerda do PT, liderada pela senadora HeloÃsa Helena, que deixou o partido para fundar o PSOL.
Também se sentindo excluÃdo do centro de decisões do governo, o PPS de Roberto Freire passou para a oposição em 2004. Com o tempo, a lista de politicos progressistas que deixaram o governo cresceu, entre eles nomes expressivos como os senadores Cristovam Buarque e Marina Silva.
PolÃtica de alianças
O estouro em 2005 do escândalo do chamado mensalão não seria revelador do método e do tipo de polÃtica de alianças então levados a cabo?
As denúncias eram do aliado Roberto Jefferson, presidente do PTB, de centro-direita, que reclamava das tentativas do PT de subtrair do seu partido uma diretoria dos Correios.
Após a instalação da CPI para investigar o caso, o PMDB, hoje predominantemente conservador, recebeu 4 ministérios e passou a apoiar em bloco o governo Lula, compartilhando com o PT a condição de principal partido de sustentação governista.
Quais as razões que levaram Lula e os lÃderes do PT a optarem por tais metódos e alianças com tais partidos em detrimento de outros?
Um argumento utlizado é o da governabilidade, vez que tais agremiações detêm força polÃtica parlamentar e sem o apoio delas seria impossÃvel governar.
Mas, ao compartilhar a máquina do Estado com tais partidos, o PT não os estaria fortalecendo eleitoralmente em sua polÃtica de clientela, aumentando o cÃrculo vicioso?Não seriam tais aliados mais dóceis a um polÃtica de hegemonia do PT? Seria posssÃvel estabelecer outro bloco de poder em que o PT exercesse sua hegemonia nos mesmos termos?
A concepção de fundo
Creio que aqui entra a concepção de fundo, o entendimento da questão democrática e da condução do processo polÃtico, em que estão inseridos o método democrático e a polÃtica de alianças.
A presidente Dilma e os principais quadros do PT se formaram em organizações marxistas-leninistas de extrema-esquerda dos anos 1960. E talvez aqui apareça uma diferença fundamental de visões de hegemonia em Lenin, fundador do socialismo soviético, e em Gramsci, o italiano que lançou as bases teóricas do eurocomunismo, de aceitacão da democracia.
Enquanto para o primeiro, o poder de Estado seria sempre uma ditadura, uma coerção para a dominação de uma classe, o segundo via o exercÃcio do poder como uma capacidade de liderança através da criação de consensos politicos, sociais e culturais.
Pode parecer uma fantasia sociológica, mas tal debate tem sérias consequências polÃticas, sociais e econômicas na vida prática dos cidadãos. E não é preciso combinar com os russos para saber disso.
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Cláudio de Oliveira é jornalista e cartunista.