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A crise será longa

Sérgio Fausto - Março 2015
 

Não há solução rápida para a crise atual, pois ela é grave, profunda e complexa. Na política, entrelaçam-se três crises simultâneas: de governo, que se expressa na rápida queda da aprovação da presidente e nas seguidas derrotas do Executivo no Congresso; do sistema político, acentuada pelo escândalo da Petrobrás, uma novela que ainda terá muitos capítulos; e do bloco de poder que deu sustentação aos governos petistas, agora que não há mais recursos do Tesouro para contentar a todos e os confrontos internos, aguçados pelas delações premiadas, se intensificam.

Na economia, sobrepõem-se ajustes necessários na inflação, nas contas públicas, nas contas externas e em distorções tributárias e regulatórias pioradas nos últimos anos. Com a confiança a zero e sem tempo para recuperá-la gradualmente, o governo tem de fazer grande parte dos ajustes ao mesmo tempo (corte de despesas, elevação de juros e tributos, tarifaço de energia, etc.), o que acentua a recessão e torna mais difícil o ajuste fiscal, indispensável à recuperação da confiança. Além de complexas em si mesmas, as crises política e econômica alimentam-se mutuamente.

Sem solução rápida à vista, o País terá de operar em modo de crise por um período longo. Na hipótese mais otimista, a gestão política e as variáveis macroeconômicas melhoram ao longo de 2015, abrindo perspectiva mais favorável para o País a partir 2016. As chances de que prevaleça esse cenário se têm reduzido a cada dia, à medida que se expõe o tamanho da fratura na base aliada, se avolumam revelações sobre a extensão do esquema de corrupção nas empresas estatais, surgem resistências na sociedade ao ajuste fiscal e crescem os danos da crise econômica no emprego e na renda da população. Governar bem nesse quadro exigiria de quem tem o comando do País - a Presidência e seu núcleo duro - uma capacidade política muito superior à que demonstrou até aqui.

Tudo leva a crer que viveremos uma crise mais prolongada. A presidente Dilma deverá permanecer no cargo para o qual foi legitimamente eleita, ainda que com o uso de mentiras, que hoje lhe custam a autoridade moral para pedir sacrifícios ao País. O mais provável é não haver nem retomada do crescimento nem colapso econômico, nem fortalecimento significativo do governo nem impeachment da presidente. Para usar uma metáfora médica, o paciente sairá da UTI, mas não terá alta definitiva do hospital. No máximo, irá para casa sob cuidados médicos.

Como a vida do País não pode parar, cabe refletir sobre a melhor maneira de conduzi-la nos próximos quatro anos. Nessa estrada de traçado ainda indefinido há dois limites que não podem ser ultrapassados: de um lado, o conchavo para salvar das punições cabíveis lideranças políticas, empresas e empresários cujos malfeitos venham a ser comprovados; de outro, a irresponsabilidade do "quanto pior, melhor".

O PT martela na tecla de que punições às suas lideranças causam dano à democracia. Já o governo defende a tese de que as principais empresas sob investigação fazem parte do "patrimônio nacional" e, com esse argumento, busca um acordo jurídico-político que as preserve de danos econômicos maiores (e, se possível, contribua para que novos acordos de delação premiada não sejam assinados).

A afirmação petista é falaciosa. Nela se toma a parte pelo todo: o PT é parcela importante da democracia brasileira, mas não é sua única nem sua melhor expressão (nenhum dos partidos, nenhum movimento, nenhuma liderança tem a exclusividade desse atributo). O lulopetismo precisa aprender a ser parte não hegemônica da política brasileira. Esse duro aprendizado, que contraria crenças arraigadas dentro do PT, é essencial para a democracia e para o próprio partido.

Outro aprendizado fundamental diz respeito aos riscos econômicos e penais decorrentes do conluio entre o Estado e empresas privadas, com a intermediação de partidos. Na constituição desse imbróglio se combinaram dois processos, que, embora com propósitos diferentes, acabaram por associar-se: de um lado, uma política industrial que jogou quase todas as suas fichas na formação de alianças entre empresas e bancos estatais, seus fundos de pensão e algumas empresas privadas, para pôr em marcha um "novo modelo de desenvolvimento"; de outro, a soldagem, com recursos públicos e privados, legais e ilegais, de um bloco de forças sociais e políticas capaz de assegurar a perpetuação do PT no governo.

Os resultados dessas duas escolhas feitas pelos governos petistas e seus aliados se revelam agora desastrosos. As imensas dificuldades que a Petrobrás enfrenta não são produto de uma conspiração dedicada a debilitar a empresa e a indústria nacional, mas de uma metódica sequência de erros de orientação estratégica e de gestão, além de crimes, cometidos ao longo dos últimos 12 anos.

O ex-presidente da empresa José Sergio Gabrielli, em artigo recente, sacou do colete o argumento do "risco sistêmico" para alertar sobre os efeitos negativos em cadeia provenientes da virtual paralisia da Petrobrás. O artigo é peça da estratégia do governo para justificar um amplo e geral acordo de leniência com as empresas sob investigação. A preocupação com o "risco sistêmico" é válida, ainda que o problema seja propositalmente dramatizado por Gabrielli. Mas cabe perguntar se o "risco sistêmico" seria maior do que o risco de um acordo de leniência que roube ao País a oportunidade de avançar no combate ao capitalismo de compadrio, ao patrimonialismo político e à partidarização do Estado.

Se soubermos construir um caminho à distância do conchavo e do "quanto pior, melhor" e avançarmos rumo a uma forma econômica e politicamente mais saudável de relação entre governo, empresas e partidos, os quatro próximos anos não estarão perdidos.

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Sérgio Fausto é superintendente executivo do IFHC, colaborador do Latin American Program do Baker Institute of Public Policy da Rice University e membro do Gacint-USP.



Fonte: O Estado de S. Paulo, 14 mar. 2015.

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