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O Jornal de Cinema, de Vladimir Carvalho

Luiz Carlos Merten - Abril 2015
 

Vladimir Carvalho. Jornal de cinema. São Paulo: Imprensa Oficial, 2015.

E a família Carvalho tem estado em destaque no 20.º É Tudo Verdade. Na última segunda-feira [13 abr.], houve a pré-estreia de Um filme de cinema, de Walter Carvalho, um belo documentário com imagens de uma sala em ruínas no interior da Paraíba e entrevistas com autores como Bela Tárr, Ruy Guerra, Gus Van Sant e outros, tentando decifrar o mistério do cinema. O que é, afinal de contas? Walter, o caçula, foi introduzido nesse universo - e no rock - pelo irmão Vladimir, que completa 80 anos e está sendo homenageado nos 20 anos do Festival Internacional de Documentários.

Na tarde da última terça-feira, num evento na Cinemateca, Vladimir Carvalho foi entrevistado pelo criador do festival, Amir Labaki. E nesta quarta-feira [15 abr.] ele autografa seu Jornal de cinema. O livro é uma edição do É Tudo Verdade no selo Filmoteca de Letras, com apoio institucional da Imprensa Oficial do Estado. Como homenageado, Vladimir está sendo alvo de uma retrospectiva. O documentarista social de O País de São Saruê e do mais famoso - mas não tão bom - Conterrâneos Velhos de Guerra, liberou nos últimos anos sua veia lírica em Os Engenhos de Zé Lins, sobre o escritor José Lins do Rêgo. Vladimir também documentou o rock brasiliense (em Rock Brasília) - e aquele plano final, na Esplanada dos Ministérios, é de uma beleza de cortar o fôlego.

Vladimir, documentarista de carteirinha, nunca sentiu a tentação de ser ficcionista. Mas, citado por Amir Labaki na apresentação de Jornal de cinema, esclarece: "O Nordeste é um contexto de muita pobreza, de muita privação, uma miséria que nos atingia muito. Penso que isso está nos meus filmes. Mesmo o documentário mais radical (como documentário) tem muito de autobiografia, de background familiar, de tudo o que ficou para trás e, na verdade, não ficou, porque vem com você".

Jornal de cinema oferece uma seleção de textos escritos por Vladimir Carvalho para jornais, revistas e catálogos, mais alguns inéditos que, na feliz definição do Sr. É Tudo Verdade, "iluminam tanto sua vida e obra como mais de meio século de cinema e da cultura nacional, com ênfase na do Nordeste".

Um desses textos, singelamente chamado "Cacá", foi escrito para o catálogo da Mostra de Cacá Diegues no Centro Cultural dos Correios de Brasília, em 2013. Vladimir destaca em Cacá uma característica comum a outros grandes do Cinema Novo (Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade, Walter Lima Jr., Arnaldo Jabor). São todos homens de letras, dotados de sólida cultura e que dominam a escrita.

O próprio Vladimir é um homem de letras, e brilhante. Tão grande quanto o magnífico São Saruê - e o texto do filme é a lavra dele - são os textos no Correio Braziliense e no tabloide de lançamento daquele clássico. Vladimir Carvalho não apenas escreve bem. É um pensador - do cinema brasileiro, da cultura nordestina, do sertanejo, esse forte que nutre seus filmes. É um memorialista generoso e acurado. Basta ler o que escreve sobre Glauber e Lima Barreto, o cineasta, quando os irmana como vítimas da injustiça - que Lima sofreu do próprio Glauber, antes de ser reavaliado por ele. Um dos mais emocionantes textos é sobre Pierre Kast, diretor francês amigo do Brasil, que morreu no mesmo dia de François Truffaut e foi ofuscado por ele. Ao que Amir Labaki já disse, vale acrescentar - Jornal de cinema é um livro necessário.



Fonte: O Estado de S. Paulo, 15 abr. 2015.

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