No dia 6 de outubro de 1966, A ProvÃncia do Pará circulou com um tabloide de 16 páginas encartado à sua edição dominical. Era o primeiro suplemento especial que eu fazia, cinco meses depois de admitido no jornal, a propósito da inauguração da estátua de Pedro Teixeira, instalada com toda pompa e honra à entrada do porto de Belém, como ponto alto das comemorações pelos 350 anos de Belém. A estátua parece ter perdido seu brilho e interesse com o esvaziamento do porto da capital paraense, ainda em plena atividade meio século atrás.
Quem for consultar o trabalho na coleção de jornais do Centur talvez concorde que se trata de uma edição agradável de ver e ler, bem diagramada e com boas ilustrações. Fui buscar alguns textos com especialistas, aos quais encomendei artigos, como Augusto Meira Filho, Alaúdio de Oliveira Mello e Bruno de Menezes. Eu mesmo escrevi a maioria. O primeiro é uma introdução ao tema e sua motivação. O segundo, escolhi por sua relativa originalidade. É um "Pequeno ABC de Pedro Teixeira", tentativa - algo ingênua - de facilitar o acesso à intensa vida do grande navegador português, que merecia muito mais atenção do que a que tem.
As festas comemorativas do 350º aniversário da fundação de Belém chegam hoje ao seu clÃmax com a inauguração da estátua de Pedro Teixeira à entrada do porto da cidade.
Mas quem era realmente essa figura que a comunidade portuguesa do Pará, numa homenagem à nossa terra e à nossa gente, elevou à imortalidade do bronze?
Responda o historiador Arthur Ramos: "É o mais impressionante tipo de sertanista da Amazônia. Durante três décadas a fio, não há um episódio de vulto, seja de guerra, seja de que natureza for, a que seu nome não esteja ligado e coberto de ilustrações".
Numa perspectiva de três séculos, o vulto de Pedro Teixeira assume proporções de legenda, tal o arrojo de seus feitos, como bandeirante, comandante de tropas, fundador de comunidades, batedor de sertões, cidadão e soldado, homem de paz no governo ou homem de guerra em ação.
Português da cepa de Vasco da Gama e de Pero de Covilhã, nasceu no vale do Douro, na vila de Cantanhede, em 1570 e, quarenta e seis anos depois, já na maturidade, era o braço forte de Caldeira Castelo Branco na fundação de Belém, partindo, em seguida, por terra, para o Maranhão, a fim de levar a notÃcia da construção do forte do Presépio, cortando a floresta bravia e vencendo os tupinambás em fúria.
Durante dois meses, com uma escolta composta apenas de um alferes, dois soldados e trinta Ãndios "mansos", Pedro Teixeira abriu esse caminho pioneiro, cujo batismo de fogo foi um entrevero com os silvÃcolas das margens do rio Caeté, à altura de Bragança.
Bastaria essa viagem, tão cheia de perigos e peripécias, para imortalizar-lhe o nome glorioso e valioso, digno das estrofes de uma epopeia.
Pois bem, vinte e poucos anos depois, já velho, perto dos 70, Pedro Teixeira, à frente de uma grande expedição fluvial, parte de Cametá, com a mesma intrepidez e o mesmo denodo das priscas eras, e a mando de Jácome Noronha, governador do Maranhão, sobe o Amazonas até Quito, fixando na confluência do Napo com o Aguarico os limites das coroas de Portugal e da Espanha.
Jornada penosa, a mais audaz realizada na época, sob os céus e sobre as águas das Américas, em que, ao mesmo tempo, se rasgou geograficamente o caminho do Atlântico aos Andes e se estendeu politicamente o domÃnio do Brasil português nessa faixa continental.
A viagem Belém-Maranhão levava dois meses; a expedição Belém-Quito, com o regresso, consumira dois anos, consumindo essa nova expedição de argonautas uma frota de 47 canoas de 20 remos cada uma, com um total - equipagem e passageiros - de cerca de 2.500 pessoas: oficialidade, soldados, mulheres, crianças e Ãndios flecheiros.
Outros muitos serviços deve o Brasil, deve o Pará ao intrépido português: venceu várias vezes os tupinambás em guerras nas cercanias de Belém; expulsou holandeses e ingleses fortificados em Gurupá e no Xingu; governou o Pará no triunvirato de 1619; foi novamente capitão-mor em 1640 e, quase um ano depois, a 4 de junho de 1641, com a saúde abalada por duras penas, faleceu em Belém - que tudo lhe deve e mais alguma coisa.
Herói homérico, celebrado em prosa e verso, merecia há muito um monumento nesta capital, um monumento digno de seu nome, como esse que o arquiteto Davi Lopes concebeu e dirigiu a execução com o talento e o bom gosto de um artista nato.
E melhor ocasião não teria a comunidade portuguesa para fazê-la inaugurar que nos 350 anos de fundação de Belém, cujo primeiro capÃtulo de história Pedro Teixeira ajudou a escrever com a ponta de sua espada.
Pedro Teixeira de A a Z
Aguarico - Para garantir os limites da posse portuguesa, Pedro Teixeira fundou, à margem do Aguarico, denominado o rio-do-ouro, sobre o Napo, a povoação de Franciscano. Fincou um padrão, fixando as fronteiras brasileiras com as de domÃnio de Castela, do lado do PacÃfico. Dessa posse, lavrou um Auto, posteriormente transcrito na Provedoria e no Senado da Câmara do Grão Pará. Com essa providência, o Brasil ganharia mais de metade da sua superfÃcie geográfica atual.
Bandeirante - Pedro Teixeira não foi somente um soldado. Foi, sobretudo, um bandeirante continental, que deu ao Brasil a maior porção das suas terras e, também, as mais ricas. Sua personalidade é grandiosa. Como desbravador, nenhum outro se lhe compara na nossa história. Humilde, conformado, simples, não procurou riquezas pessoais nem pedras preciosas, nem prata ou ouro. Era o homem cumpridor de seus deveres, aventureiro por princÃpio, disciplinado como militar, e ordeiro, como civil. Não se encontra, em sua vida amazônica, nenhuma falta capaz de conedná-lo. Se lutou contra os Ãndios, o fez por ordem do reino ou em legÃtima defesa.
Companheiros - Foram seus principais companheiros na famosa jornada: coronel Bento Rodrigues de Oliveira, sargento mor Felipe Cotrin, capitães Pedro da Costa Favela e Pedro Baião de Abreu e frei Domingos de Brieba.
Doença - Nos primeiros anos do povoado, Belém foi vÃtima de um surto epidêmico e a população já reduzida do núcleo militar, colonos, Ãndios e missionários, teve no bravo capitão um ardoroso companheiro no combate à moléstia, que inspirava a todos com seus atos.
Estratégia - Alguns meses depois da partida de Belém, Pedro Teixeira sentiu pequena comoção na comitiva, misto de desconfiança e desespero entre soldados e Ãndios. Como fossem muitas as reclamações, para animar os membros da expedição e convencê-los do êxito da jornada, usou de inteligente medida: dividiu a comitiva em dois grupos, mandando Bento de Oliveira na frente, com oito canoas. Este, derrubando árvores à s margens de rios, marcava sua passagem.
Pedro Teixeira, no segundo grupo, sempre que percebia sinais de inquietação entre seus companheiros, indagava-lhes se pretendiam abandonar os que iam na frente. Com isso, conseguia acomodar os indÃgenas e dar novo alento à tropa, garantindo a boa marcha da expedição. Também com isso permitiu que Bento de Oliveira fosse o primeiro a chegar ao rio Napo e a Quito, no Peru.
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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).
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