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Pedro, o bandeirante continental

Lúcio Flávio Pinto - Setembro 2015
 

No dia 6 de outubro de 1966, A Província do Pará circulou com um tabloide de 16 páginas encartado à sua edição dominical. Era o primeiro suplemento especial que eu fazia, cinco meses depois de admitido no jornal, a propósito da inauguração da estátua de Pedro Teixeira, instalada com toda pompa e honra à entrada do porto de Belém, como ponto alto das comemorações pelos 350 anos de Belém. A estátua parece ter perdido seu brilho e interesse com o esvaziamento do porto da capital paraense, ainda em plena atividade meio século atrás.

Quem for consultar o trabalho na coleção de jornais do Centur talvez concorde que se trata de uma edição agradável de ver e ler, bem diagramada e com boas ilustrações. Fui buscar alguns textos com especialistas, aos quais encomendei artigos, como Augusto Meira Filho, Alaúdio de Oliveira Mello e Bruno de Menezes. Eu mesmo escrevi a maioria. O primeiro é uma introdução ao tema e sua motivação. O segundo, escolhi por sua relativa originalidade. É um "Pequeno ABC de Pedro Teixeira", tentativa - algo ingênua - de facilitar o acesso à intensa vida do grande navegador português, que merecia muito mais atenção do que a que tem.

As festas comemorativas do 350º aniversário da fundação de Belém chegam hoje ao seu clímax com a inauguração da estátua de Pedro Teixeira à entrada do porto da cidade.

Mas quem era realmente essa figura que a comunidade portuguesa do Pará, numa homenagem à nossa terra e à nossa gente, elevou à imortalidade do bronze?

Responda o historiador Arthur Ramos: "É o mais impressionante tipo de sertanista da Amazônia. Durante três décadas a fio, não há um episódio de vulto, seja de guerra, seja de que natureza for, a que seu nome não esteja ligado e coberto de ilustrações".

Numa perspectiva de três séculos, o vulto de Pedro Teixeira assume proporções de legenda, tal o arrojo de seus feitos, como bandeirante, comandante de tropas, fundador de comunidades, batedor de sertões, cidadão e soldado, homem de paz no governo ou homem de guerra em ação.

Português da cepa de Vasco da Gama e de Pero de Covilhã, nasceu no vale do Douro, na vila de Cantanhede, em 1570 e, quarenta e seis anos depois, já na maturidade, era o braço forte de Caldeira Castelo Branco na fundação de Belém, partindo, em seguida, por terra, para o Maranhão, a fim de levar a notícia da construção do forte do Presépio, cortando a floresta bravia e vencendo os tupinambás em fúria.

Durante dois meses, com uma escolta composta apenas de um alferes, dois soldados e trinta índios "mansos", Pedro Teixeira abriu esse caminho pioneiro, cujo batismo de fogo foi um entrevero com os silvícolas das margens do rio Caeté, à altura de Bragança.

Bastaria essa viagem, tão cheia de perigos e peripécias, para imortalizar-lhe o nome glorioso e valioso, digno das estrofes de uma epopeia.

Pois bem, vinte e poucos anos depois, já velho, perto dos 70, Pedro Teixeira, à frente de uma grande expedição fluvial, parte de Cametá, com a mesma intrepidez e o mesmo denodo das priscas eras, e a mando de Jácome Noronha, governador do Maranhão, sobe o Amazonas até Quito, fixando na confluência do Napo com o Aguarico os limites das coroas de Portugal e da Espanha.

Jornada penosa, a mais audaz realizada na época, sob os céus e sobre as águas das Américas, em que, ao mesmo tempo, se rasgou geograficamente o caminho do Atlântico aos Andes e se estendeu politicamente o domínio do Brasil português nessa faixa continental.

A viagem Belém-Maranhão levava dois meses; a expedição Belém-Quito, com o regresso, consumira dois anos, consumindo essa nova expedição de argonautas uma frota de 47 canoas de 20 remos cada uma, com um total - equipagem e passageiros - de cerca de 2.500 pessoas: oficialidade, soldados, mulheres, crianças e índios flecheiros.

Outros muitos serviços deve o Brasil, deve o Pará ao intrépido português: venceu várias vezes os tupinambás em guerras nas cercanias de Belém; expulsou holandeses e ingleses fortificados em Gurupá e no Xingu; governou o Pará no triunvirato de 1619; foi novamente capitão-mor em 1640 e, quase um ano depois, a 4 de junho de 1641, com a saúde abalada por duras penas, faleceu em Belém - que tudo lhe deve e mais alguma coisa.

Herói homérico, celebrado em prosa e verso, merecia há muito um monumento nesta capital, um monumento digno de seu nome, como esse que o arquiteto Davi Lopes concebeu e dirigiu a execução com o talento e o bom gosto de um artista nato.

E melhor ocasião não teria a comunidade portuguesa para fazê-la inaugurar que nos 350 anos de fundação de Belém, cujo primeiro capítulo de história Pedro Teixeira ajudou a escrever com a ponta de sua espada.

Pedro Teixeira de A a Z

Aguarico - Para garantir os limites da posse portuguesa, Pedro Teixeira fundou, à margem do Aguarico, denominado o rio-do-ouro, sobre o Napo, a povoação de Franciscano. Fincou um padrão, fixando as fronteiras brasileiras com as de domínio de Castela, do lado do Pacífico. Dessa posse, lavrou um Auto, posteriormente transcrito na Provedoria e no Senado da Câmara do Grão Pará. Com essa providência, o Brasil ganharia mais de metade da sua superfície geográfica atual.

Bandeirante - Pedro Teixeira não foi somente um soldado. Foi, sobretudo, um bandeirante continental, que deu ao Brasil a maior porção das suas terras e, também, as mais ricas. Sua personalidade é grandiosa. Como desbravador, nenhum outro se lhe compara na nossa história. Humilde, conformado, simples, não procurou riquezas pessoais nem pedras preciosas, nem prata ou ouro. Era o homem cumpridor de seus deveres, aventureiro por princípio, disciplinado como militar, e ordeiro, como civil. Não se encontra, em sua vida amazônica, nenhuma falta capaz de conedná-lo. Se lutou contra os índios, o fez por ordem do reino ou em legítima defesa.

Companheiros - Foram seus principais companheiros na famosa jornada: coronel Bento Rodrigues de Oliveira, sargento mor Felipe Cotrin, capitães Pedro da Costa Favela e Pedro Baião de Abreu e frei Domingos de Brieba.

Doença - Nos primeiros anos do povoado, Belém foi vítima de um surto epidêmico e a população já reduzida do núcleo militar, colonos, índios e missionários, teve no bravo capitão um ardoroso companheiro no combate à moléstia, que inspirava a todos com seus atos.

Estratégia - Alguns meses depois da partida de Belém, Pedro Teixeira sentiu pequena comoção na comitiva, misto de desconfiança e desespero entre soldados e índios. Como fossem muitas as reclamações, para animar os membros da expedição e convencê-los do êxito da jornada, usou de inteligente medida: dividiu a comitiva em dois grupos, mandando Bento de Oliveira na frente, com oito canoas. Este, derrubando árvores às margens de rios, marcava sua passagem.

Pedro Teixeira, no segundo grupo, sempre que percebia sinais de inquietação entre seus companheiros, indagava-lhes se pretendiam abandonar os que iam na frente. Com isso, conseguia acomodar os indígenas e dar novo alento à tropa, garantindo a boa marcha da expedição. Também com isso permitiu que Bento de Oliveira fosse o primeiro a chegar ao rio Napo e a Quito, no Peru.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e autor, entre outros, de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).

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Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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