Busca:     


Vlado, há 40 anos, foi um marco para a derrota da ditadura militar

Alberto Goldman - Outubro 2015
 



Vinte e cinco de outubro. Há 40 anos eu estava em um pequeno apartamento de um amigo, na "boca do lixo", pois não tinha segurança para dormir na minha própria casa, preocupado com a integridade da minha família, quando recebi a notícia da morte de Vladimir Herzog, o Vlado. Eu estivera com ele poucas semanas antes, quando me apresentou os seus planos de reformulação da área de jornalismo na TV Cultura. Tinha uma vida plenamente legal, aberta, exercia sua atividade profissional e acreditava que nela estaria ajudando a mudar o Brasil, assim derrotando a ditadura militar vigente.

Eu era então deputado estadual, líder da bancada do MDB na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que na ocasião era maioria na Assembleia, 2/3 dela, pois o MDB em São Paulo derrotara a ditadura nas eleições de 1974, elegendo o senador Orestes Quércia e fazendo oposição ao governo da Arena, sendo Paulo Egydio Martins o governador do Estado, eleito pelo voto indireto.

Na semana anterior à tortura e morte de Vlado, ou melhor, ao seu assassinato, eu já tinha tido sinais de que poderia ser preso, como haviam sido presos dezenas de militantes do PCB, que estavam sendo torturados no DOI-Codi da rua Tutoia, a poucas centenas de metros do local onde eu liderava a bancada e acusava os beleguins da ditadura, entre eles alguns deputados estaduais a seu serviço que faziam discursos contra o então diretor de jornalismo da TV Cultura, pedindo que o governador lhes fornecesse a sua cabeça, pois, segundo eles, era um perigoso subversivo.

Por precaução, eu dormia fora de casa. Ironicamente, comandava a maioria na Assembleia, tinha voz decisiva sobre todas as matérias que lá eram tratadas, mas, ao se encerrarem as sessões, levava uma pequena malinha para o referido apartamento e lá me asilava. Nada me aconteceu.

Foram dias, semanas de terror que culminaram com o assassinato. Era o projeto do setor mais duro do governo com o objetivo de aniquilar a oposição que agia na legalidade e contestar o projeto do governo Geisel de abertura, ainda que tímida, do regime autoritário.

Mesmo após o ato ecumênico na Igreja da Sé, o embate continuava na Assembleia Legislativa, o deputado Wadih Helou e outros aplaudindo a repressão policial e eu acusando de assassinos a ele e ao exército, colocado na função de polícia.

Poucos dias antes da morte do Vlado eu estivera, acompanhado do vice-líder da bancada do MDB, deputado Jihei Noda (levei-o junto por precaução), no comando do II Exército, logo ali vizinho da Assembleia e próximo ao local das torturas, para cobrar do general Ednardo DÂ’Ãvila Melo, explicações sobre as prisões, mas muito mais para mostrar que estávamos acompanhando os fatos, na tentativa de preservar a integridade dos presos. No entanto, as torturas continuaram e as mortes também. Depois do Vlado, veio o assassinato do metalúrgico Manoel Fiel Filho, que foi a gota d’água para que Geisel agisse, sob pena de perder o controle da situação e ser golpeado pela área mais radical do regime.

Era o início do fim da última etapa do regime militar, que começou, de fato, a ser destruído quando nas eleições de 1974 o MDB vencera as eleições para o Senado em vários Estados do país e fizera grandes bancadas na Câmara e no Senado, especialmente em São Paulo.

Muitos foram presos e torturados e alguns perderam a vida durante a ditadura. Mas foi a vontade majoritária do povo e a sua disposição de luta que, finalmente, prevaleceram. Infelizmente, nessa batalha muitos caíram, como Vlado e Manoel Fiel Filho, para servir ao futuro do país.

Depois desses episódios, o país não foi o mesmo. Os militares perceberam que não seria mais possível manter o regime autoritário e o processo de abertura foi se dando até que chegássemos à anistia e, posteriormente, às eleições, ainda indiretas, em que se elegeram Tancredo e Sarney. Este, na presidência, mandou a Emenda Constitucional de convocação da Constituinte que, a partir de 1986, construiu a transição para a democracia.

Como sempre, mais cedo ou mais tarde, os regimes que se constroem sem o respeito aos princípios democráticos são derrotados.




Fonte: Blog do Goldman & Gramsci e o Brasil.

  •