Argumenta-se que uma possÃvel vitória do impeachment não mudaria em nada a situação do paÃs. Que não aplacaria a crise econômica, que não retomaria o crescimento. Que não sustaria a crise social que bate à s portas dos lares brasileiros, que não bloquearia o desemprego. Que tampouco não colocaria fim à corrupção. No entanto, espera-se tudo do impeachment e dele cobra-se tudo no sentido de restabelecer um paÃs novamente republicano e verdadeiramente democrático.
Tudo se passa como se o movimento do impeachment apresentasse uma narrativa unÃvoca e tivesse controle integral de sua dinâmica. Pensa-se o movimento e o processo politico-parlamentar do impeachment como uma espécie de revolução ou de contrarrevolução previamente programada e dirigida. Nesta lógica, seu sentido é visto de maneira abstrata e ideológica e o seu resultado é previamente tomado como "frustração coletiva" já que, dizem, não soluciona as profundas crises que assolam o paÃs.
Nessa crÃtica manca, o movimento do impeachment não se conecta com os impactos crescentes das operações da Lava Jato no conjunto da sociedade, que alimentam e adensam os protestos nas ruas e praças do paÃs. Não se considera também as fortes suspeitas a respeito dos vÃcios introduzidos pelo PT nas últimas eleições presidenciais, que podem levar à conclusão de que as eleições para presidente enfim não foram limpas. Todas as investigações até agora se encaminham para isso.
O mais grave (e até mesmo incrÃvel) é que, de alguma maneira, quer se eximir o governo Dilma de toda e qualquer responsabilidade. Nessa narrativa, o tema do impeachment tem sua origem no pedido de recontagem de votos pela oposição, fato normal em disputas acirradas como foi a última campanha presidencial. Segue-se com a cândida ideia de que a oposição deveria dar uma trégua à presidente reeleita, algo sem o menor sentido nos quadros de um regime democrático e de cidadania ativa, ocultando o entendimento de que o PT não deveria sofrer oposição já que, supostamente, seria o único portador de uma polÃtica social digna do nome, o que flagrantemente é contestado pela realidade recente do paÃs, desde a redemocratização.
O fato é que o governo Dilma jogou o paÃs numa crise inaudita e de grande profundidade. Violou a Constituição por meio de mecanismos fraudulentos para esconder, no perÃodo eleitoral e depois dele, que não tinha sustentação financeira para realizar suas promessas eleitorais. Nestas circunstâncias, propôs um ajuste fiscal que nunca conseguiu cumprir, mergulhando o paÃs na crise.
Em termos estritamente legais, o impeachment está justificado. Sabemos porém que mesmo que ele seja aprovado, a crise irá persistir e talvez ainda se agrave. E se isso de fato ocorrer, não se poderá atribuir tal resultado ao impedimento da presidente. Os verdadeiros culpados são mais do que evidentes. Se reina hoje uma grande desorientação em alguns setores a respeito das alternativas que se apresentam, a questão não se circunscreve ao mecanismo do impeachment e à s suas consequências imediatas, determinadas constitucionalmente. A assunção do vice-presidente ao cargo de presidente da República é legÃtima, estando este sujeito aos mesmos mecanismos constitucionais.
O vice-presidente e os membros do Congresso Nacional configuram representações legÃtimas derivadas da soberania popular. Não fosse em outros momentos, há que se enfatizar que a Constituição é o nosso guia maior nessa hora. Se o impeachment passar, primeiro na Câmara, enquanto admissibilidade, e, depois no Senado, como julgamento em última instância, é a um governo legÃtimo de transição que caberá enfrentar os desafios colocados ao paÃs pelo descalabro que tem sido o governo Dilma.
----------Â
Alberto Aggio, historiador, é professor titular da Unesp.
----------
Cálculo, dissimulação e marketing
Outra vez, as ruas
Sob o espectro da crise institucional
Cicatrizes ou feridas?