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Capitalismo e população mundial

Alfredo Maciel da Silveira - Setembro 2016
 

Moraes, Sergio Augusto de. Capitalismo e população mundial. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira; Rio de Janeiro: Contraponto, 2016.

Diante de uma das questões que mais preocupam os estudiosos do futuro da humanidade, qual seja o crescimento da população mundial, cujas tendências, somadas aos padrões de consumo difundidos pelo capitalismo, pressionam os recursos naturais, a produção de alimentos e o equilíbrio ecológico, Sergio A. Moraes no presente ensaio abre a perspectiva do tratamento analítico daquela problemática mediante a tese de K. Marx da subordinação no longo prazo do crescimento populacional às leis de reprodução do capital.

Inicialmente o autor apresenta a evolução histórica da população até os dias atuais em consonância à gênese e evolução do capitalismo desde seu núcleo inicial europeu e sua fronteira de expansão norte-americana, de modo a constituírem tais regiões, ainda que não exclusivamente, o campo de observação primordial das interações do capitalismo e população até os dias atuais do capitalismo avançado e globalizado. Apoiando-se em minuciosa base de estudos populacionais, o autor faz a critica do caráter exclusivamente quantitativo dos mesmos no panorama atual das pesquisas.

Então, seguindo o método esboçado por K. Marx em O capital, tomado como referência ao longo de todo o ensaio, é construída passo a passo a conexão da dinâmica populacional com o processo de acumulação do capital até a escala planetária atual desses dois polos da relação. Ou seja, a problemática da tendência populacional, que ameaça a vida humana no planeta, deveria ser pensada nas contradições engendradas pelo desenvolvimento capitalista, seja pela necessidade da expansão da força de trabalho e do mercado de consumo para a valorização do capital, seja pelas condições e oportunidades que historicamente o próprio capitalismo tem induzido para a contenção do crescimento da população em benefício da humanidade.

Conforme o autor, a variação da população mundial no capitalismo apresentaria um fato intrigante: ao mesmo tempo que ela cresce em termos absolutos sua taxa de crescimento, vai declinando na medida em que esse modo de produção se intensifica e se amplia. No segundo pós-guerra, em 1963, também em função do fenômeno chamado de baby boom, tal taxa chega a 2,2% ao ano. Depois ela entra em queda, conduzindo a uma taxa anual de 2,04% para a década; daí para diante ela cai continuamente para 1,31% ao ano, entre 1995 e 2000, e atualmente está em 1,15% ao ano. De imediato tal fato levaria a uma contradição: se ao capital interessa o aumento da população, pois numa ponta teria à sua disposição mais braços e mentes para explorar e na outra mais consumidores, como e por que acontece, nos quadros do capitalismo, a desaceleração do crescimento populacional, apontada primeiro nos países desenvolvidos e, a partir da década de 1970, em todo o mundo?

A questão é tratada pela análise da composição orgânica do capital, baseada na relação entre capital constante e capital variável, em que o primeiro - valor dos prédios, instalações, máquinas, insumos de produção - cresceria mais rápido historicamente que o segundo, o valor da força de trabalho necessária para movimentar aquele, assim caracterizando a substituição do trabalho vivo, desde a simples força muscular até funções cerebrais de certa complexidade, pelas máquinas, computadores, enfim, pelo capital constante. Em resultado elevar-se-ia a composição orgânica, o que por sua vez implicaria na queda tendencial da taxa de lucro média do sistema, conforme os dados e demonstrações expostos no trabalho.

Uma complexa conjugação de fatores - tais como, entre outros, a concorrência intercapitalista, os ganhos de produtividade e as inovações na produção, as lutas de classe, as técnicas poupadoras de força de trabalho, a revolução científico-técnica contemporânea e, ainda, como destacado no trabalho, o peso crescente do trabalho imaterial, incorporado num primeiro momento ao capital variável através das atividades criativas de engenharia de projetos, design, pesquisa, desenvolvimento - determinaria finalmente aquele quadro tendencial do capitalismo expresso na taxa de lucro decrescente. Daí que, em movimento para contraditar aquela tendência, o capital precisa de um exército de reserva, de milhões fazendo fila às portas das fábricas, dos bancos, etc. De nativos ou de emigrantes que arriscam a vida na travessia do Mediterrâneo ou na fuga das guerras. Como assinalava K. Marx:

[...] se a existência de uma superpopulação operária é produto necessário da acumulação ou do incremento da riqueza dentro do regime capitalista, esta superpopulação se converte por sua vez em alavanca da acumulação do capital, mais ainda em uma das condições de vida do regime capitalista de produção (O capital, Havana, Ciencias Sociales,1973, t. I, cap. XXIII, p. 576).

Contemporaneamente tal se aplicaria não apenas a operários em sentido estrito, mas a uma ampla gama de trabalhadores. E quando tal superpopulação escasseia num país o capital vai buscá-la em outros ou, na contramão, leva suas fábricas para os países onde o preço da mão de obra é muito mais barato, como se pode observar no caso do Brasil e, mais recentemente, na China e no Vietnã. É bem expressivo o fato de a queda da taxa de lucro entre 1960 e 2002 (de 7,15% para 1,32%, mostrada no trabalho) corresponder à amostra das 500 maiores corporações, portanto aquelas certamente representativas do grande capital de maior mobilidade mundial.

Com tais medidas o capital tenta compensar a escassez relativa ou o envelhecimento das populações nos países de capitalismo avançado, visando aumentar sua taxa de lucro ou mesmo frear sua queda. A curto prazo tais metas são realizadas mas aos poucos as dificuldades aumentam. Conforme ilustrado pelo caso francês, segundo o Insee (Instituto Nacional de Estatística e de Estudos Econômicos, da França), a partir da segunda geração os imigrantes tendem a ter um comportamento semelhante aos franceses. Desta ou de maneira semelhante isto se repete em todos os países que precisam da imigração.

O trabalho prossegue mostrando as pressões do avanço do capitalismo e do crescimento populacional sobre o meio natural e a produção de alimentos. O crescimento absoluto da população deverá levar a uma população de 10 bilhões em 2200. Ora, observada a produção de alimentos de hoje, algo excepcional precisaria acontecer até lá para evitar a barbárie. Isto porque as áreas atuais potencialmente produtivas no mundo, regeneráveis, chegam a 13,4 bilhões de gha (giga hectares globais). O trabalho apresenta cálculos dos estudiosos do assunto, apontando em 2007 um consumo de 2,7 gha por habitante, para uma população de 6,7 bilhões de pessoas. Isto significa já ter sido ultrapassada a capacidade de regeneração do planeta. A observar que tais números médios anuais levam em conta os povos dos EUA e da África, estes últimos muitas vezes com um consumo inferior àquele mínimo para sobrevivência.

Em escala planetária, com as fronteiras abertas à integração dos mercados e ao acesso do capital aos imensos reservatórios de trabalhadores de baixo custo de reprodução, não estaria à vista nenhum interesse do capital em fazer valer as conquistas culturais e de conhecimentos das sociedades, engendradas sob este mesmo capitalismo, em prol de uma evolução mais equilibrada da população mundial.

É para onde em sequência caminham a sumarização e as conclusões do trabalho.

Apesar de as guerras, as epidemias ou as catástrofes naturais atuarem incidentalmente e influírem sobre a reprodução da população, são fatores que não a regulam no longo prazo. O avanço da ciência, da técnica, da consciência e dos meios dos seres humanos para decidirem do tamanho de suas famílias também vem ganhando força no sentido de permitir uma reprodução consciente da população. Isto permitiria, nos dias de hoje, um controle consciente e democrático da população mundial. Sob o capitalismo, isto poderia abrir alguns espaços de oportunidade durante algum tempo, mas estes acabariam, no longo prazo, subordinando-se às leis de reprodução do capital, o que vem conduzindo a humanidade a ameaças insuspeitadas, só evitáveis pela ação política de todos os povos.

Num balanço sumário, um dos méritos a destacar neste ensaio está em desbravar fronteira ainda pouco explorada da pesquisa, em meio a estruturas da economia mundial e de relações internacionais reconhecidamente em mutação. A destacar também sua contribuição para o método, porquanto busca evidenciar, nas pegadas de K. Marx, o nexo entre as dinâmicas atuais da população e da acumulação do capital. O autor deixa transparecer a tensão de um pensamento militante que olha o futuro. Neste sentido faz lembrar Antonio, o sardo, para o qual "[...] só quem deseja fortemente é capaz de identificar na realidade os elementos necessários à realização da sua vontade [...]".

Para finalizar, uma sugestão do que poderia ser um desdobramento da pesquisa, portanto avançando além dos propósitos do ensaio, mas inspirando-se na visão global e sistêmica ali presente. Seria o caso, por exemplo, de uma possível reinterpretação dos efeitos da expansão dos circuitos mundiais de valorização do capital nos países de desenvolvimento capitalista tardio e dependente (PDCTD na denominação dada por Sergio Moraes), como explicação de fenômenos de heterogeneidade estrutural já há muito identificados em clássica literatura sobre regiões periféricas.

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Alfredo Maciel da Silveira é MSc. Eng. de Produção e Doutor em Economia. Este livro pode ser encontrado, entre outros lugares, na Livraria Blooks, Praia de Botafogo, 316 (Espaço Itaú de Cinema), na Fundação Astrojildo Pereira e na Editora Contraponto.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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