Não tem cabimento demonizar o populismo, ainda que ele contenha inevitavelmente contradições que podem levá-lo ao impasse. É inegável, porém, que ele parte da constatação de que a sociedade é, sem dúvida alguma, desigual.
Há uma minoria rica, uma classe média de alguns recursos e - particularmente em paÃses com o nosso - uma maioria que vive ao nÃvel da necessidade, mal tendo como sustentar e educar os filhos.
Eleger como objetivo de governo a melhoria das condições de vida dos mais pobres é indiscutivelmente um propósito louvável. Mas não basta ter razão para estar certo.
O problema é que esse populismo é ideológico e, por isso, faz do propósito de ajuda aos mais pobres um projeto de governo. Ao contar com o apoio dessa maioria carente, transforma-se em um modo de permanecer indefinidamente no poder.
Hugo Chávez, por exemplo, chegou a fazer aprovar uma lei que permitiria que ele fosse reeleito indefinidamente pelo resto da vida. Para enganar o povo, inventou um outro que daria à maioria o direito de depor o governante se ele traÃsse o interesse popular.
Se digo que o populismo latino-americano é ideológico, é que ele surgiu em decorrência da revolução cubana - que provocou um surto de guerrilhas no continente - como alternativa, após o fim dos regimes comunistas em quase todo o mundo.
De qualquer modo, o sonho da revolução proletária se desfez. O populismo troca a luta de operários contra a burguesia pela luta de pobres contra ricos. Assim, se o populismo não se assume comunista, procura em compensação se apresentar como anticapitalista.
Como não nasce de uma revolução que elimina da sociedade a classe capitalista, vale-se do governo para usar os recursos públicos na tarefa de dar casa, comida, escola e outros confortos até então fora de seu alcance, para assim, ao mesmo tempo, conquistar os votos dessa maioria da população.
Mas, para fazer isso, tem que contar com o apoio do capitalismo, como ocorreu na Argentina, na Venezuela e no Brasil.
Essa aliança inevitável compromete, de certo modo, o caráter anticapitalista que o populismo necessita ostentar. Para superar a contradição, é levado a adotar medidas e atitudes que aparentem sua hostilidade ao capitalismo, como dificultar as relações polÃticas com os norte-americanos e adotar exigências nos contratos com grandes empresas. Isso termina por reduzir - como no caso do Brasil - o comércio exterior e, internamente, leva ao fracasso projetos econômicos que necessitam de capital privado.
Somado isso à s despesas com os programas sociais que beneficiam milhões de pessoas, é inevitável que a crise econômica termine por se instalar no paÃs.
Para que se veja com clareza a diferença entre um governo não populista e um governo populista, tomo como exemplo os programas sociais do governo Fernando Henrique Cardoso e o do governo Lula.
FHC criou os programas Bolsa Escola, Bolsa Alimentação e Luz no Campo, que Lula criticou, acusando o presidente do PSDB de estar dando esmola aos trabalhadores e a suas famÃlias.
Quando assumiu o governo, porém, adotou os mesmos programas, trocando os nomes para Bolsa FamÃlia e Luz para Todos, aumentando em vários milhões o número dos beneficiados.
O resultado foi que a fusão dos programas e esse aumento de milhões de pessoas tornaram quase impossÃvel a sua fiscalização, o que induziu muita gente a largar seu emprego para viver da ajuda do governo. Há mesmo exemplo de pequenos municÃpios em que quase todos vivem do Bolsa FamÃlia.
É que o populismo, na melhor das intenções, parte de que o problema da desigualdade social se resolve com o dispêndio do dinheiro público. Trata-se de uma ilusão. Não há mágica capaz de resolver problema tão complexo, do dia para a noite, às custas do Tesouro Nacional.
A solução efetiva desse problema exige que os mais pobres tenham condições efetivas de criarem seus filhos, educá-los e dar-lhes qualificação profissional. E temos que tomar isso a peito, sem demagogia.
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Ferreira Gullar é poeta.
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