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O novo Carajás: invisível

Lúcio Flávio Pinto - Janeiro 2017
 

O maior projeto do PAC (o Programa de Aceleração do Crescimento, principal e onerosa marca da administração Dilma Rousseff) é a hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. Seu custo já passou de 33 bilhões de reais. Ela é um candente tema nacional por seus efeitos sociais, ambientais - e por ter entrado nas obras suspeitas de corrupção investigadas pela Operação Lava-Jato.

O principal líder político do Pará, o senador (ex-deputado, ex-governador e ex-ministro) Jader Barbalho, do PMDB, é um dos suspeitos de receber propina. Até o ex-todo-poderoso ministro da ditadura, Delfim Netto, foi colocado na ciranda do pagamento "por fora" para influir sobre o contrato de concessão da usina.

Belo Monte foi concebida para ser a quarta maior hidrelétrica do mundo, deslocando dessa posição outra usina de energia, a de Tucuruí, instalada num rio do Pará, o Tocantins. Por sua grandeza e complexidade, Belo Monte já motivou quase três dezenas de ações propostas na justiça pelo Ministério Público Federal para interromper sua construção. Nenhuma dessas ações chegou ao fim até agora, nem mesmo com a pressão de várias ocupações do canteiro de obras, e de outras manifestações de protestos de índios e demais nativos, que se consideram prejudicados pelo represamento do rio, um dos maiores do Brasil.

Nada disso acontece com uma obra ainda maior. É o projeto S11D, da antiga estatal Companhia Vale do Rio Doce, privatizada quase 20 anos atrás e agora com o nome de fantasia de Vale. Sob essa denominação desinteressante está um novo Carajás, a mais importante província mineral do planeta, que fica bem no centro do Pará, com seu imenso território, o segundo maior do país (de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, do tamanho da Colômbia, só inferior ao do Amazonas).

O primeiro trem saiu da mina de Carajás em 1985, transportando uma carga simbólica. O volume de minério de ferro transportado cresceu tanto que o tem, com 330 vagões e quatro quilômetros de comprimento, se tornou o maior trem de carga do mundo. Todos os dias, seis deles vão e outros seis voltam ao porto de São Luís do Maranhão, a quase 900 quilômetros de distância. Carregam 30 milhões de dólares na forma do mais rico minério que há na face da Terra. O principal cliente está a 20 mil quilômetros: é a China, que compra 60% da produção, de 130 milhões de toneladas. Outra parte, menor, fica no Japão.

Neste mês, deverão ser concluídos os testes para que tudo funcione e, até 2020, Carajás coloque mais 90 milhões de toneladas na Ponta da Madeira, que se tornou o maior porto de carga oceânica do Brasil, apesar de estar na frágil ilha onde está a capital do Maranhão. É um volume superior ao que consumia os Estados Unidos quando se tornou potência mundial, depois da Segunda Guerra Mundial.

O investimento para colocar o S11D em funcionamento chega a 50 bilhões de reais (o equivalente a dois anos de orçamento do Estado do Pará e a mais de meio século de investimento do governo local), superando o próprio custo original da primeira mina.

Mais do que esse número impressionante sobre a quantidade de dinheiro que o projeto requereu, tornando-se o maior da história da Vale, que é também a maior vendedora de minério de ferro no mundo, se destaca o dado qualitativo. Em 40 anos a jazida de Serra Sul, ainda mais rica do que a da Serra Norte, sem igual em qualquer outra parte, estará esgotada, deixando um bilhão de toneladas de rejeito em buracos despidos de 2,4 bilhões de toneladas de minério com o mais alto teor de hematita pura que existe – 60% dele em uso ou ainda estocados na China.

Apesar de incertezas no mercado internacional, é um bom negócio para a Vale, uma das raras multinacionais brasileiras. É bom também para a nação? O Pará exporta matéria prima há mais de três décadas. O beneficiamento do minério se restringe a uma pequena produção de semiacabados de aço, de baixo valor agregado. O benefício por apenas produzir commodities é menor e sujeito a incertezas constantes.

Por se destinar quase totalmente à exportação, a mineração não paga ICMS, a principal fonte de receita do Estado, que é o 9º em população, o 17º em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), o 19º em PIB e o 21º em PIB per capita, além de ser um dos mais violentos do Brasil.

Em janeiro do próximo ano, quando os novos trens saírem de Canaã dos Carajás, a partir de um ramal de 110 quilômetros que se conecta com a ferrovia de Carajás, será uma questão ameaçada de virar retórica diante do fato consumado.

Talvez seja por isso, para não dar tempo para os brasileiros pensarem no que está acontecendo quase silenciosamente em S11D, que o volume de minério é gigantesco e a velocidade intensa. Daí a nova usina ser a primeira a não utilizar mais os paquidérmicos caminhões "fora da estrada" de até 300 toneladas cada, que movimentam o ferro da rocha até as pilhas para carregamento no trem. Agora a função será desempenhada através de correias transportadoras, pela primeira vez na mais antiga e volumosa mineração humana. A extração se tornará muito mais rápida.

Quando os brasileiros se aperceberem, da magnífica Serra dos Carajás restará o apito do trem. Como tem sido a regra nas regiões colonizadas do mundo, antes e sempre.

Ainda é desconhecida a origem de um grande vazamento de óleo, de dimensão ainda não definida, que poluiu as águas do rio Teles Pires, afluente do Tapajós, que deságua em Santarém. A área contaminada fica próxima ao local onde está sendo construída a hidrelétrica de São Manoel, na divisa de Mato Grosso com o Pará.

A mancha de óleo foi identificada no domingo. Avançando rio abaixo, ela comprometeu o abastecimento de 320 pessoas que moram em aldeias indígenas às proximidades da barragem. O acidente começou a ser investigado pelo Ibama, para saber se o vazamento foi causado por problema na estrutura da barragem de São Manoel ou pelo naufrágio de alguma balsa de um garimpo ilegal, dos vários que operam no Teles Pires.

A Empresa de Energia São Manoel, dona da hidrelétrica, enviou garrafas de água para atender a população indígena

Juliana de Paula Batista, advogada do Instituto Socioambiental que viveu na região, alertou - em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo - para o risco de o problema se agravar. "Pelo menos outros 900 indígenas vivem em aldeias a cerca de 60 quilômetros da usina. Mais abaixo ainda está a terra indígena mundurucu, onde vivem 8 mil pessoas. Nenhuma dessas aldeias tem água tratada, os indígenas bebem água in natura do rio. Por isso, qualquer coisa que acontece nessa área é uma tragédia", disse ela.

A empresa de Energia São Manoel declarou, em nota, que detectou a mancha de óleo no dia 13 de novembro, mas que situação da bacia do Teles Pires "já está normalizada". A empresa informou que "está analisando as causas do ocorrido" e que segue com o monitoramento periódico da região.

O jornal paulista lembra que São Manoel "é uma das últimas grandes hidrelétricas que o governo conseguiu implantar na Amazônia, em meio a uma série de polêmicas envolvendo o impacto do projeto em terras indígenas e a inundação de regiões históricas e sagradas para os índios, como a chamada Sete Quedas do Teles Pires, que ficou debaixo d’água".

Além de São Manoel, o rio que dá origem ao Tapajós já foi barrado pela hidrelétrica de Teles Pires, Sinop e Colíder, em Mato Grosso. Esses empreendimentos acumulam pelo menos 24 processos movidos pelo Ministério Público Federal, a maior parte deles apontando desrespeito aos direitos indígenas e impactos ao meio ambiente, como ocorrências de grande mortandade de peixes.

A Empresa de Energia São Manoel pertence à EDP Brasil, à estatal Furnas e à China Three Gorges (que construiu a maior hidrelétrica do mundo, de Três Gargantas, no rio Amarelo, na China). Elas que preveem investimento de 2,2 bilhões de reais na usina, com capacidade para 700 megawatts. As obras foram iniciadas em setembro de 2014 e a previsão é que as operações comecem em janeiro de 2018.

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Lúcio Flávio Pinto é o editor do Jornal Pessoal, de Belém, e do blog Amazônia hoje – a nova colônia mundial. Entre outros, é autor de O jornalismo na linha de tiro (2006), Contra o poder. 20 anos de Jornal Pessoal: uma paixão amazônica (2007), Memória do cotidiano (2008) e A agressão (imprensa e violência na Amazônia) (2008).

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Fonte: Jornal Pessoal & Gramsci e o Brasil.

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