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O desafio do desenvolvimento sustentável

Ignacy Sachs - Janeiro 2006
 

José Eli da Veiga. Desenvolvimento sustentável. Desafio para o século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005. 200p.

Na segunda metade do século passado, impulsionado pelos processos de descolonização e de emancipação do Terceiro Mundo e pela emergência do sistema das Nações Unidas, o desenvolvimento, um avatar do progresso iluminista, firmou-se como uma das idées-force das ciências sociais, configurando uma problemática ampla de caráter pluri e transdisciplinar, atravessada por polêmicas vivas de caráter ideológico e teórico.

Idéia, visão, conceito, utopia ? Não creio que devamos nos envolver neste debate semântico. O que importa é deixar bem claro que o desenvolvimento não se confunde com crescimento econômico, que constitui apenas a sua condição necessária porém não suficiente. Como bem disse Celso Furtado num dos seus derradeiros pronunciamentos, «só haverá verdadeiro desenvolvimento, que não se deve confundir com crescimento econômico, no mais das vezes resultado de mera modernização das elites – ali onde existir um projeto social subjacente».

Por isso, em última instância, o desenvolvimento depende da cultura, na medida em que ele implica a invenção de um projeto. Este não pode se limitar unicamente aos aspectos sociais e sua base econômica, ignorando as relações complexas entre o porvir das sociedades humanas e a evolução da biosfera ; na realidade, estamos na presença de uma co-evolução entre dois sistemas que se regem por escalas de tempo e escalas espaciais distintas. A sustentabilidade no tempo das civilizações humanas vai depender da sua capacidade de se submeter aos preceitos de prudência ecológica e de fazer um bom uso da natureza. É por isso que falamos em desenvolvimento sustentável. A rigor, a adjetivação deveria ser desdobrada em socialmente includente, ambientalmente sustentável e economicamente sustentado no tempo.

Tudo indica que a idéia do desenvolvimento não perderá a sua centralidade nas ciências sociais do século que se inicia. Mais do que nunca precisamos enfrentar as abismais desigualdades sociais entre nações e dentro das nações e fazê-lo de maneira a não comprometer o futuro da humanidade por mudanças climáticas irreversíveis e deletérias.

No entanto, a problemática do desenvolvimento passou de moda e o seu status acadêmico é cada vez mais marginal. As razões são múltiplas.

A teologia do mercado, que faz hoje a cabeça de muitos economistas,  torna redundante o conceito de desenvolvimento.

Por sua vez, os adeptos da ecologia profunda teimam em considerar o crescimento econômico como um mal absoluto, quaisquer que sejam as suas modalidades e os usos sociais do seu produto.

Por fim existem os desencantados do desenvolvimento, que apontam o fracasso bastante geral das políticas que se reclamavam do desenvolvimentismo para justificar o abandono puro e simples do conceito do desenvolvimento, visto por alguns como uma mera armadilha ideológica inventada por políticos do primeiro mundo para perpetuar seu domínio sobre os países periféricos.

Este fracasso é indiscutível, porém como avaliá-lo sem lançar mão do conceito normativo de desenvolvimento ou, ainda melhor, sem recorrer ao par desenvolvimento/mau-desenvolvimento que configura um contínuo de situações possíveis? Sobretudo, como definir políticas de saída do mau-desenvolvimento reinante na ausência de um projeto de desenvolvimento visionário e exequível?

Convém apreciar o livro de José Eli da Veiga neste contexto difícil e confuso. Em quatro capítulos densos e eruditos, fruto de leituras bem escolhidas e de reflexão original, o autor discute os conceitos de desenvolvimento e de sustentabilidade e as diferentes maneiras de sua mensuração. Conclui, como era de se esperar, pela defesa do conceito de desenvolvimento sustentável como utopia para o século XXI, postulando a necessidade de buscar um novo paradigma científico, capaz de se substituir ao industrialismo.

Concordo com o autor de que necessitamos de novos paradigmas, já que estamos sentados sobre as ruínas do socialismo real, do Consenso de Washington, do crescimento econômico socialmente perverso por se alimentar de desigualdades crescentes, da socialdemocracia, que foi longe demais na aceitação da economia de mercado, um conceito que J. K. Galbraith considera com razãao como totalmente inócuo e por isso tão difundido (em Les mensonges de l'économie. Vérités pour notre temps. Paris: Grasset, 2004). Em paralelo, devemos superar as barreiras que hoje separam as diferentes disciplinas do saber, caminhando para a eco-socio-economia proposta por William Kapp.

Mas estes já são temas para um novo livro, que os leitores deste têm o direito de esperar de José Eli da Veiga.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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