Na
Guerra Civil espanhola, os fascistas, comandados pelo General Franco, invertiam o brado que dá tÃtulo a esse artigo. Gritavam: "Abaixo a inteligência, viva a morte!". Combatendo a República e dizimando seus defensores, eles identificavam a República como um regime de leis que regulava a convivência e a participação de todos na vida polÃtica. Para pôr fim à República, era preciso eliminar a inteligência e, para isso, era necessário, segundo os fascistas, que o sangue dos espanhóis corresse a céu aberto.
Mundo de violência, a guerra civil, pior do que todas as guerras, é uma guerra sem quartel. É uma guerra onde existe a ilusão de que não há guerra. As ações de violência explodem sem declaração prévia. O que se vivenciou desde o final de semana passado no Estado de São Paulo foi chamado por muitos veÃculos de comunicação de "guerra". Alguns chegaram a comparar a capital do Estado com Bagdá, a capital do Iraque, ocupada pelos norte-americanos e submetida a uma guerra sem fim.
A explosão de violência e morte que se seguiu à s rebeliões nos presÃdios paulistas, sob o comando do PCC – uma organização criminosa que já atinge os nÃveis organizativos das máfias –, deu, de fato, a impressão de uma guerra, uma guerra civil, com o elogio prático da morte. Contudo, não há efetivamente uma guerra em São Paulo; tampouco seria adequado falar de uma "guerra paulista". A explosão ultrapassou as fronteiras de São Paulo e as questões que aà estão envolvidas (especialmente as empresas do tráfico de drogas e de armas) não suportam os limites do Estado.
O que ocorreu em São Paulo talvez seja o conflito mais ameaçador à convivência democrática que os brasileiros conquistaram a duras penas nas últimas décadas. Uma ameaça serÃssima, pois demonstra a emergência de um poder para além do Estado de Direito, que se mostra capaz de influenciar drasticamente na vida do conjunto da sociedade.
Há um consenso generalizado na opinião pública e entre os especialistas de que aquela explosão de violência nada mais é do que a expressão da falência das polÃticas de segurança dos governos federal, estadual e municipal, com ênfase nos dois primeiros. Compartilho esse diagnóstico mas entendo que ele é insuficiente. Em relação à s estruturas e instituições à s quais estão reservadas a segurança da sociedade, penso que há a necessidade de algumas reformas urgentes que possam garantir mais eficácia aos resultados da ação do Estado e que gerem mais confiança por parte dos cidadãos. A sociedade e seus representantes precisam se envolver diretamente nesse debate e, como se sabe, há especialistas competentes no paÃs capazes de organizar essa discussão.
Quando vivemos em democracia, sob o Estado de Direito, todos os problemas que envolvem conflitos sociais, qualquer que seja a sua natureza, são problemas que somente podem ser resolvidos pela polÃtica. Assim, somente a polÃtica pode dar uma solução mais adequada e justa à s crises e aos conflitos agudos que emergem na vida social. A despeito de todo o desprestÃgio da atividade polÃtica nos dias que correm, não há saÃda fora dela. Não tenhamos ilusões: para o problema da insegurança pública, não há saÃda individual. Muitos entendem erroneamente que haverá uma saÃda real – e não momentânea – aplicando-se mais violência.
Vivemos uma crise polÃtica e moral derivada do descrédito a que, há um ano, vem sendo submetida a atividade polÃtica. Não é sem razão que isso provoque uma sensação de desorientação profunda que pode nos confundir na proposição de soluções para o problema da insegurança pública. Fugimos para dentro das nossas casas porque perdemos a confiança uns nos outros, porque não cultivamos mais espaços públicos e fomos perdendo a dimensão pública para a solução dos nossos problemas. Essa é a outra face da vitória do paradigma do mercado entre nós.
Entretanto, olhando o problema de perto, uma coisa é certa: a convulsão que invadiu o corpo social dos paulistas nos últimos dias é resultado de uma gestão da polÃtica pública de segurança que não responde mais à realidade. De nada adianta a crÃtica mútua entre os partidários dos atuais governantes do Estado de São Paulo e aqueles do governo federal. Ambos estão condenados pela incompetência que demonstraram nos últimos anos. De nada adiantarão também as demandas para colocar o Exército nas ruas ou, discursivamente, criar uma conexão imaginária e irreal – além de irresponsável – entre PCC, MST, PT e Lula, para condená-los, imaginando que isso resolveria o problema da segurança pública em nossa sociedade.
Apesar de tudo, podemos reagir. As eleições estão aà e o nosso cenário, felizmente, ainda não é o do domÃnio da guerra civil e do fascismo. Não se trata mais de a esperança vencer o medo. É a inteligência que deve e pode vencer a morte. Mas isso somente será possÃvel se a "polÃtica da cidadania" forçar a "polÃtica dos polÃticos" a entender que a democracia somente pode subsistir se for capaz de, com diálogo, comunicação e participação, construir um consenso ativo e eficaz que entenda a segurança como um bem público. A saÃda está em nós, na polÃtica, na democracia. Abaixo a morte!
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Alberto Aggio é professor livre-docente da Unesp/Franca, autor e organizador de Gramsci: a vitalidade de um pensamento. São Paulo: Unesp, 1998, e Pensar o século XX: problemas polÃticos e história nacional na América Latina. São Paulo: Unesp, 2003 (com Milton Lahuerta). Este texto também foi publicado em La Insignia.