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México: os efeitos perversos do Nafta

Marcos Costa Lima - Agosto 2006
 

Introdução

O México, desde os princípios dos anos 80, viveu uma crise econômica que freou o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) resultante das políticas anteriores de Importação via Substituição de Importações (ISI), como de resto em toda a América Latina. Os colapsos de 1982 e o de 1994 têm natureza diversa, mas o elemento comum foi a excessiva dependência do financiamento externo. Na primeira crise, alguma infra-estrutura foi realizada e certa modernização ocorreu no setor industrial, apesar do descompasso entre a envergadura de muitos projetos e a capacidade de gerar divisas para pagar os empréstimos contraídos. Já na segunda crise, a entrada de capital especulativo, do centro para periferia, buscando o diferencial de juros que então se praticava, fez ampliar, no decorrer do processo, o déficit em conta corrente e o estoque da dívida em moeda estrangeira, estreitando-se a estrutura produtiva com desestímulo às atividades exportadoras [1].

Para reativar a economia do país, com a crise cambial de 1994 adotou-se então uma política de corte neoliberal, baseada em políticas de ajuste estrutural recomendadas pelos organismos de Bretton Woods: ajuste fiscal drástico, geração de superávits nas contas públicas, ampla abertura comercial, descompressão financeira e livre movimento de capitais, intensa privatização das empresas estatais, desregulamentação, eliminação dos subsídios e incentivos. Em 1994, em plena crise e com a assinatura do Tratado de Livre Comércio – Nafta, o país passa a viver uma forte vinculação comercial e, em última instância, econômico-política, com os Estados Unidos da América.

Como é de praxe na América Latina, o ajuste estrutural se faz a partir de programas de estabilização que incluem desvalorização da moeda, liberação de preços e austeridade fiscal. Por outro lado, adotam-se práticas estruturais de redução do gasto público, eliminando subsídios e privatizando ou eliminando programas sociais e ativos públicos.

Para Lurdes Beneria (1992: 94), entre as estratégias principais que os setores sociais de baixa renda implementaram para enfrentar a crise, estavam: incorporação às atividades remuneradas de mulheres, crianças e idosos; mudanças radicais no orçamento doméstico; modificação dos hábitos de consumo e intensificação do trabalho doméstico. Em estudo que realizou para a Cidade do México, 70% das habitações compravam menos comida, roupa e sapatos do que antes das políticas de ajuste. Os gastos diários com transportes e refeições breves se reduziram ao mínimo. Aumentaram sensivelmente as atividades do setor informal; foram intensificadas as migrações para o Norte do país. Não obstante a queda no nível de bem-estar, a mortalidade infantil cai no México desde os anos 40, tendência esta que se acelerou a partir dos anos 80 e, particularmente, entre 1990-94, com programas para evitar a morte por diarréia.

Em 2004, dez anos após a crise, a economia mexicana passou a apresentar o seu pior desempenho, considerando os últimos 50 anos. Nos três primeiros anos do governo do presidente Vicente Fox, que em 2000 pôs fim a 71 anos de "reinado" do Partido Revolucionário Institucional, o crescimento do Produto Interno Bruto não passou de 1,9%, o que corresponde a 0,63% ao ano. Os resultados de suas políticas econômicas monetaristas fizeram aumentar o desemprego e o setor informal. O governo se debateu com casos de corrupção e, em termos políticos, sofreu com a ausência de maioria no Congresso.

Impactos do Nafta sobre o México

Com o advento do Nafta, falava-se que as migrações freqüentes e constantes para os Estados Unidos se reduziriam [2]. O contrário tem ocorrido, apesar de uma vigilância cada vez maior na fronteira. Segundo cálculos estatísticos, a população de imigrantes mexicanos não autorizada no território dos EUA duplicou entre 1900 e 2000, e o maior crescimento deu-se justamente a partir de 1994, quando se formaliza o Acordo. Na verdade, este processo deve-se não só à crise financeira do país no período e à reestruturação industrial que precedera e seguira a aprovação do Tratado, mas também à permanente instabilidade e impossibilidade de o México criar postos de trabalho para mais de um milhão de novos participantes do mercado de trabalho a cada ano. Outro elemento que deu força a este processo de imigração foi o auge da economia dos EUA a partir de meados dos anos 90, quando se passou a falar do estabelecimento de uma "Nova Economia", bem como as redes de imigração que vinculam os dois países.

O México está vivendo um processo contínuo de migração rural e de urbanização. Em 1970, 41,3% da população viviam em zonas rurais e já em 1990 este número cai para 28,7% e atinge 25,4% em 2000. O emprego agrícola vem despencando [3]. Calcula-se que em 2000 havia 4,7 milhões de imigrantes mexicanos não autorizados nos EUA, vivendo em estados americanos, como Carolina do Norte, Kentucky, Minnesota e Arkansas, estados que tiveram um incremento de mais de 1.000%, entre 1990 e 2000, de população originária do México. Estima-se que 30% dos migrantes das zonas rurais do México estavam vivendo nos EUA em 2000, quando em 1994 representavam não mais que 19%.

A crise da moeda mexicana em 1994 coincidiu com o início do Nafta, e os resultados desta crise foram, segundos dados oficiais, uma desvalorização cambial de mais de 50%, uma queda do PIB em 6,2% em relação ao ano anterior e o aumento do desemprego urbano total de 3,6% em 1994 para 6,3% em 1995. Além disso, ocorreu um grande movimento de trabalhadores para o setor informal. Os salários reais caíram substantivamente e os empregos formais apresentaram queda acentuada.

Em termos de agricultura, o Nafta não impediu, muito ao contrário, a migração rural no México. Havia a esperança de que os investimentos realizados em frutas para exportação e vegetais de alto valor trariam mais emprego às zonas rurais, o que chegou a ocorrer apenas parcialmente, pois o emprego do setor agropecuário como um todo teve uma queda sistemática. O México ampliou suas importações de grãos dos EUA, sobretudo o milho, cultura tradicional que absorve mão-de-obra intensiva e tem baixa produtividade vis-à-vis os EUA.

O México registrou um déficit comercial líquido em produtos agrícolas com os EUA desde que o TLCAN entrou em vigor, à exceção de 1995, quando a enorme desvalorização do peso tornou a maioria dos produtos orçados em dólar muito caros para os mexicanos. Este déficit se traduziu em perdas de postos de trabalho na agricultura. Em 1993 o México empregava 8,1 milhões de mexicanos na agricultura. Em fins de 2002 este número já alcançava a casa dos 6,8 milhões, o que representou uma perda de 1,3 milhão de postos de trabalho. Hoje, grande parte das famílias rurais depende da remessa de familiares enviadas desde os EUA. Em 2002, estas chegaram a US$9,8 bilhões e, em 2003, a US$ 12 bilhões [4].

Com relação ao emprego urbano, as crises de 1982 e de 1994 acentuaram a redução do trabalho assalariado, com aumento de postos no setor informal. As plantas das montadoras – ou maquilas – agregaram em torno de 800 mil postos de trabalho entre 1994 e 2001. Em 2003, já sofrendo nova crise, 250 mil postos foram perdidos. Atualmente (2004) as maquiadoras empregam 550 mil pessoas, produzindo praticamente para a exportação ao grande vizinho do Norte; em função disso, o México passou a ser o segundo exportador para os EUA, depois do Japão. O setor informal da economia representou, em 2004, 46% dos postos de trabalho no México, fenômeno de base estrutural que se espalha pela América Latina.

Os salários reais de hoje são inferiores aos que eram pagos anteriormente ao Tratado e se encontram abaixo do nível de 1980. Esta queda está associada em grande medida ao abandono pelo Estado de políticas sociais estruturadoras e às crises e desvalorizações bruscas, tanto em 1982 quanto em 1994. Este padrão atinge também os trabalhos mais qualificados, conforme Sandra Polaski, pois quer os trabalhadores com título universitário, quer aqueles com pós-graduação tiveram seus salários em 2000 com valores inferiores àqueles de 1993 [5]. Tudo isto apesar do aumento de produtividade do trabalho desde que o TLCAN entrou em vigor.

A entrada da China na Organização Mundial do Comércio veio aumentar a oferta de mão-de-obra barata em termos mundiais e a competição pela atração das indústrias maquiadoras, visto que as empresas transnacionais podem recorrer e fazer exigências adicionais, ampliando ainda mais o problema do emprego e dos baixos salários no México.

Todo este processo só poderia acarretar desigualdade de renda, que aumentou no México após o Nafta, pois, comparando com o período anterior, os 10% das famílias de mais alta renda ampliaram a sua fatia da renda nacional, ao passo que os 90% perderam participação ou não experimentaram nenhuma mudança. A desigualdade regional no interior do país acentuou-se, revertendo uma tendência de longa data no sentido da convergência das rendas regionais.

Quanto aos impactos ambientais acarretados após 1994, o estudo de Scott Vaughan analisa as alterações provocadas pelo incremento do valor do comércio agrícola entre o México e os EUA e seus efeitos em termos ambientais [6]. Por exemplo, as exportações de trigo dos EUA para o México aumentaram em 182% desde 1992, o que contribuiu por sua vez para reduzir em 80% a variedade do trigo produzido no México. Durante o último decênio foram registrados aumentos do nitrogênio e outros produtos agroquímicos nas águas subterrâneas da região de Sonora, bem como de outras regiões agrícolas comerciais.

As exportações de milho dos EUA para o México aumentaram em 240% desde 1992, o que pode trazer risco ambiental para as variedades tradicionais do milho mexicano. O milho transgênico foi introduzido na região de Oaxaca, entre outras, apesar da proibição imposta no México em 1998, já que o país conta com mais de 40 tipos de milho, que correm o risco ampliado de contaminação genética.

Também tem sido ampliada a importação de carne bovina e suína dos EUA para o México, quando a pecuária mexicana pode satisfazer a demanda doméstica. Ora, as vantagens norte-americanas na agricultura são muitas: a legislação protecionista (Bill Farm), a maior capacidade tecnológica, os índices superiores de produtividade, sem falar das taxas de juros, sem comparação com aquelas vigentes no México.

Do México para os EUA aumentaram substantivamente as exportações de vegetais e frutas frescas, como já vimos anteriormente, ampliando no país o consumo de nitrogênio e antipragas. O problema maior é que o México é um dos países mais afetados pela falta de água do hemisfério ocidental e a expansão da exportação de vegetais e frutas frescas é a principal causa antropogênica da falta de água. Segundo Vaughan, calcula-se que a exportação de tomates do México aos EUA representa uma transferência equivalente a 162 milhões de galões de água doce aos EUA a cada ano, desde 1993 [7]. Até o presente, não foi adotada nenhuma medida preventiva ambiental, entre aquelas incorporadas ao TLCAN ou mediante acordos paralelos para o meio ambiente.

Este é um fenômeno que na literatura econômica é conhecido como greenfield, ou seja, o México funciona para os EUA como uma região de baixo nível de sindicalização e de rarefeita legislação ambiental, ampliando o nível de acumulação das grandes transnacionais que se beneficiam do status quo.

Para concluir esta seção, fica evidente que o TLCAN acelerou e aprofundou significativamente as transformações estruturais no México, sem que o processo viesse a acarretar incorporação dos trabalhadores e melhores condições de vida e trabalho, reduzindo os salários e degradando o meio ambiente.

A dinâmica do espaço mexicano

A Cidade do México, capital dos Estados Unidos Mexicanos, é o principal centro industrial, demográfico, administrativo e cultural. Possui uma vasta rede de vias de comunicação. Sua indústria é altamente diversificada e desenvolvida. Entre as indústrias, destacam-se as metalúrgicas, montadoras de automóveis, químicas, alimentícias, têxteis, petrolíferas e eletroeletrônicas. Hoje considerada uma das maiores cidades mundiais do ponto de vista populacional, com uma população total de mais de 13 milhões de habitantes, ocupa cerca de 13% da população total mexicana, mas sua influência e sua dinâmica econômica extrapolam em muito esta sua superioridade populacional.

Entre os anos de 1930 e 1950, a produção manufatureira da Cidade do México correspondia a 30% do total nacional. Seguiam-se os estados de Veracruz e Nuevo León, com 10% e 8 % respectivamente. A região fronteiriça com os Estados Unidos, sobretudo o Texas, passou a ter importância desde os fins dos anos 30. Entre 1945 e 1950, os estados de Nuevo León, Coahuilia, Chihuahua e Tamaulipas perfaziam 20% da produção manufatureira do país. Outros estados, além dos assinalados, como os de México, Puebla e Jalisco, também ganharam importância industrial nos anos 1950. Até o início da década de 70, portanto, o eixo econômico industrializado teve como pólo a Zona Metropolitana do Vale do México. Esta concentração industrial entre 1945 e 1970 se ampliou, passando de 32,8% para 48,6% do total nacional. A partir da Cidade do México, então, estendia-se uma rede de cidades que seguia em direção ao norte do país, com eixos secundários em Guadalajara [8] e Monterrey [9] e com eixos terciários em Puebla (região central), León (região nordeste), bem como nas cidades portuárias de Veracruz (golfo oriental) e Tampico (golfo norte-oriental).

Como afirma Martinez Yllescas (2000: 83), esta conformação histórica e geográfica criou um "padrão" piramidal de crescimento industrial que se justapõe à configuração da rede nacional de transportes:

Desde la consolidación de la red ferroviaria nacional em 1910, pasando por el impulso de las carreteras y autopistas de los años treinta, hasta el início de la década de los setenta, la composición de las principales 25 ciudades más importantes del país se mantuvo sorprendentemente inalterada.

A dinâmica da concentração regional mexicana resulta ainda dos investimentos públicos em infra-estrutura urbana, que acompanharam a lógica acima apontada. Durante a etapa da política de substituição de importações, a alta concentração da atividade econômica nas três principais cidades era resultado das economias internas de escala, aproveitando-se das vantagens de redução dos custos de transporte e economias de aglomeração. Com o processo de abertura, as diferenças foram ampliadas, porque as regiões com infra-estrutura deficiente e mão-de-obra de baixa qualificação não foram capazes de se engatar ao novo modelo.

A Zona Metropolitana da Cidade do México (ZMCM) apresenta indicadores de bem-estar superiores à média nacional, não obstante estes dados muitas vezes esconderem a situação de concentração de renda e, na base da pirâmide social, se encontrarem significativos setores que vivem na pobreza, em condições de insalubridade e sem acesso aos cuidados médicos. Nestes "bolsões", tão característicos e numerosos em toda a América latina, há forte incidência de enfermidades graves, que se somam aos efeitos da violência do sistema, que atinge, sobremaneira, os grupos de menor renda. Não é por acaso que, em certos países da região, a violência por causas externas passou a ser tida como o segundo fator de causa mortis entre a população, logo em seguida às doenças coronarianas (Saint Martín, 1997).

Segundo Blanco e López (1995), que analisaram a heterogeneidade urbana e o desenvolvimento das desigualdades de condições de vida na Cidade do México, a transição de uma política social de bem-estar para uma política social de mercantilização e de neoprevidência, as áreas rentáveis das instituições de bem-estar foram privatizadas, redefinindo-se a relação público-privada nos sistemas de proteção social, e se descentralizaram os problemas da federação aos estados, sem fortalecer as capacidades técnicas, financeiras e organizacionais para enfrentá-los, gerando iniqüidades e acelerando a exclusão de amplos setores da população. A política social passa a assumir um papel residual, e as políticas de saúde, por sua vez, restringem a ação pública a modelos assistencialistas e seletivos, que são instrumentalizados a partir de "pacotes" básicos de serviços de saúde, justificados a partir de uma perspectiva tecnocrática de custo-benefício, em que novos atores, como as agências financeiras internacionais (Banco Mundial, BID), assumem papel protagônico.

No estudo que realizaram sobre a Cidade do México, estabeleceram uma tipologia de condições de vida e classificaram esta cidade, territorialmente divida em 16 distritos, em 6 categorias: precária (3 distritos); ruim (3 distritos); regular (4 distritos); suficiente (3 distritos); e satisfatória (3 distritos). Nesta classificação, o quadro de saúde também se conforma segundo esta distribuição e apresenta diferenças tremendas nos índices de mortalidade infantil, que atinge diapasão entre 16 e 31 por mil nascidos vivos, indicadores tão fortes quanto aqueles encontrados nas regiões mais pobres do Nordeste do Brasil. Nestas zonas periféricas da grande Cidade do México, portanto, verificam-se processos de segregação socioterritorial e identificam-se zonas cuja população vive, majoritariamente, em condições muito precárias.

A densidade populacional no país, em 2000, era de 50 habitantes por km2. Sem dúvida, no interior se observavam números bem aquém desta média. Enquanto em entidades como o Distrito Federal, encontram-se 5.643 habitantes por km2, no Estado do México são 611 habitantes por km2 e, em Morelos, 313 habitantes por km2; embora com índices distintos, estas regiões são bem mais povoadas. Em situação oposta, encontram-se Chihuahua, Sonora, Campeche e Durango, que têm aproximadamente 12 habitantes por km2, sendo um caso extremo a Baja California Sur, onde este indicador alcança apenas 6 pessoas por km2.

Em 2000, o Produto Interno Bruto do México era de aproximadamente 574 bilhões de dólares, distribuídos da seguinte maneira: setor agropecuário, 4,3%; setor industrial, 28% (as maquiladoras constituem 73% de seu valor); e setor de serviços, 67,7% . Em termos regionais, o Distrito Federal, mais os Estados do México, Nuevo León, Jalisco e Vera Cruz, juntos, perfaziam 54,2 % do PIB. De todo modo, a economia das maquiladoras, ao norte do país, embora em regiões pouco populosas, como Baja California, Chihuahua, Sonora e Sinaloa, têm posição relativamente boa no PIB.

A economia das maquilas

Um dos aspectos polêmicos da economia mexicana, as maquiladoras, situadas no passado apenas no Norte e hoje também no Yucatán, têm merecido um substantivo número de estudos, quer mais gerais e macroeconômicos, quer pontuais, tratando da questão de gênero e, mesmo, de cunho fortemente antropológico. A polêmica que se trava em torno das plataformas de exportação é quanto ao seu baixo efeito na cadeia industrial do país, sua pequena contribuição com respeito ao aporte tecnológico e à qualificação da mão-de-obra. Leslie Sklair, por exemplo, afirmava categoricamente que as maquilas, na maioria dos casos, não contribuíam para um genuíno desenvolvimento do país (Sklair, 1989). Esta indústrias exportavam quase toda a sua produção para os Estados Unidos e não buscavam mais que 2% de seus insumos no interior do México. Do total da produção do país, os insumos para as maquilas, em 1996 e 1997, não ultrapassaram 1,2 % (Kopinak, 1997: 2).

Manuel Perlo Cohen (1987), ao se perguntar sobre os efeitos da internacionalização da economia mundial numa economia periférica como a mexicana, ressalta a explosiva urbanização durante os anos 70, que tomou conta de estados como Veracruz e Tabasco (petróleo) e Cancún e Acapulco (turismo); e, finalmente, ressalta as montadoras na fronteira com os Estados Unidos. O seu objetivo foi o de descobrir que tipo de impacto regional e urbano estas transformações tiveram para o conjunto do país. Estabeleceu-se um padrão ou houve variantes? Estas regiões desenvolveram elos mais fortes com a economia internacional? O rápido crescimento urbano ficou concentrado em algumas poucas cidades, enfraquecendo as pequenas e médias?

Cohen estabeleceu algumas conclusões sobretudo a partir de estudos em Sonora e Sinaloa. Em primeiro lugar, estabeleceu que o significado econômico das plantas montadoras variava, ao longo dos anos 80, entre as cidades ao longo da fronteira. Algumas delas, como Nogales, tornaram-se altamente dependentes destas operações, que incorporavam mais de 20% da população economicamente ativa. A dependência esteve relacionada ao seu tamanho. Cidades como Matamoros e Ciudad Juarez tinham economias fortemente apoiadas nas montadoras, com a maioria de suas manufaturas a elas relacionadas. Um outro grupo de cidades, como Nuevo Laredo, Tijuana e Mexicali, era menos dependente. Além da relação com o tamanho, a diversificação econômica parecia ser um importante determinante do grau de importância que as maquilas poderiam ter. Cidades com variada e forte tradição no setor de serviços ou com base agrícola ou industrial eram menos dependentes das montadoras.

Com relação às migrações internas, as plantas maquiladoras contribuíam apenas marginalmente. As mulheres compunham quase dois terços da mão-de-obra empregada nestas maquilas. Já em termos de integração das maquilas com o restante da economia mexicana, é importante sublinhar que até 1985 não era permitido a estas firmas vender no mercado mexicano, caracterizando-se apenas como zonas de exportação, o que foi alterado posteriormente. É justamente neste ano que é criado o programa Pitex, que tinha como objetivo oferecer às empresas mexicanas muitas das vantagens que eram exclusivas das maquiladoras.

Kopinak, que estudou as maquilas de Tijuana (que tem mais destas plantas que qualquer outra cidade do México), chamou a atenção para a sua especificidade como centro exportador, porque também possui indústria não maquiladora [10]. São empresas pequenas, médias e especialmente micro, com não mais que três a quatro empregados nos setores de medicina, farmácia, vestuário, autopeças e reparos, que produzem sobretudo para o mercado local. Estas empresas não maquiladoras demandam insumos que são responsáveis por grande parte das importações de Tijuana, não obstante as exportações serem, em geral, produzidas pelas maquilas. Quase dois terços dos produtos importados pelo México estão relacionados com as maquiladoras.

Com relação à origem e ao destino dos bens comercializáveis, quase 98% das exportações mexicanas são destinadas aos Estados Unidos e quase 83% de todas as importações mexicanas vêm dos EUA. A Ásia e Borda do Pacífico se responsabilizam por 12,6% das importações (Kopinak, 1997: 11).

Estudando o fenômeno das maquilas no estado de Chihuahua, Blancas e Díaz (1997) as enquadram como caso particular por não serem empresas instaladas nas cidades fronteiriças. Nos anos 80, estas indústrias tiveram um crescimento espetacular e, em 1990, o estado de Chihuahua contava com 56 maquilas dos mais diversos ramos industriais, sobretudo autopeças, componentes eletroeletrônicos, vestuário e manufaturas diversas. Aí trabalhavam 17.879 mulheres e 6.760 homens, respectivamente 72,6% e 27,4% do total.

Estas empresas podem ser classificadas como modernas, apresentando novas formas flexíveis de organização do trabalho. O capital pode dispor livremente da força de trabalho, tanto em termos de postos quanto de turnos. Também pode fechar ou abrir plantas temporária ou definitivamente, dependendo dos vaivéns do mercado internacional. A força de trabalho é oriunda da cidade, de povoações próximas e de comunidades rurais. É clara a tendência à flexibilização de salário. Existe um amplo leque de "bônus" ou pontuação, que premia com transporte e assistência os casos de pontualidade, regularidade e, ainda, produtividade. Há, inclusive, bônus contra a indigência. Estes bônus são alcançados pelos trabalhadores, dependendo do cumprimento de certas normas e padrões considerados desejáveis.

Os salários em geral são baixos – 51 % do total não ultrapassam o salário mínimo. Os trabalhadores se queixam, em geral, da repetição e monotonia do trabalho, do esforço visual, da permanência do corpo na mesma posição por muitas horas. Esta precariedade está relacionada a uma rotatividade da mão-de-obra que oscila entre 11 e 14%.

Um trabalho excelente sobre um outro ângulo do problema é o da associação de grandes companhias mexicanas com o capital internacional. Pozas (1997) analisa a emergência de novas formas de relação estratégica entre o Grupo Monterrey e empresas internacionais [11]. O trabalho tenta responder a algumas perguntas fundamentais: qual o modelo de globalização que contribui, de forma mais efetiva, para o desenvolvimento econômico do país? Qual modelo tende a integrar um maior número de fornecedores e subcontratados nacionais? Quais benefícios trazem para o país, em termos de transferência tecnológica e de capital, investimentos no território nacional e criação de empregos? Qual é o custo social de associar-se com empresas estrangeiras em termos de emprego, salários e saída de capital?

Observando quatro tipos de estratégias distintas adotadas por estas empresas mexicanas – investimentos centrados no território nacional, investimentos no exterior, investimentos mistos e transnacionalização –, Pozas entende que estas alianças estratégicas são, para o país, a porta de entrada de capital internacional em suas três formas: créditos de longo prazo, investimentos diretos externos e investimentos em bolsa. Ao mesmo tempo, são canais de exportação e subcontratação que vinculam o país ao mercado internacional.

As conclusões a que chega são: é importante conservar mecanismos de proteção à indústria nacional; a longo prazo, parece muito mais inteligente fortalecer as redes de associação com a América Latina, dada a maior complementaridade entre as empresas e dada, também, a comunidade de interesses frente aos Estados Unidos, que têm escalas muito assimétricas às mexicanas; o desenvolvimento de um sistema de subcontratação latino-americano melhoraria sensivelmente a capacidade de negociação da região na economia mundial.

Para Pozas (op. cit.: 40), a única forma de a grande empresa mexicana aproveitar cabalmente os benefícios da globalização é garantir da maneira mais ampla possível sua vinculação com empresas de menor tamanho, sob a forma de fornecedores e subcontratações. Os programas de desenvolvimento de pequenos e médios fornecedores para a grande empresa poderiam ser uma alternativa às dificuldades de exportar experimentadas por este tipo de empresa. Pode-se apontar ainda a internalização dos processos tecnológicos e a produção endógena que redundem em patentes locais, com efeitos substantivos para a indústria e o país (Costa Lima, 2001a).

O professor da Unicamp Wilson Cano, no seu Soberania e política econômica na América Latina, apresenta todo um consistente capítulo sobre o México, cujas projeções para o país não são nada animadoras, a continuar o modelo econômico vigente e a aprofundar-se o TLCAN. Diz o economista:

[...] o  país estará cada vez mais atrelado à dinâmica de crescimento da economia norte-americana, como um ‘departamento de produção no exterior’, em incessante busca do trabalho barato. Isso não só condiciona os determinantes macroeconômicos principais, mas também os da distribuição da renda e do emprego [12].

De forma semelhante, mas poética, nos fala o escritor uruguaio Eduardo Galeano:"Nestas terras, o que assistimos não é a infância selvagem do capitalismo, mas a sua cruenta decrepitude" [13].

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Marcos Costa Lima é professor e atual coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE. Pós-Doutorado na Université Paris XIII – Villetaneuse; Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp. Este artigo é dedicado a Maria da Conceição Tavares.

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Notas

[1] Cf. Belluzzo, 1995.

[2] Também se utilizará o homônimo em espanhol TLCAN.

[3] Papademetriou, p. 49. Todas as informações sobre imigração para os EUA foram extraídas deste trabalho.

[4] Cf. Sandra Polaski, p. 22.

[5] Op. cit., p. 25.

[6] Scott Vaughan et al. (2004).

[7] Id., ib., p. 67.

[8] Guadalajara, cidade do Centro-Oeste, é capital do estado de Jalisco. Tem 2,8 milhões de habitantes e está situada próxima ao rio Grande de Santiago. O lago de Chapala, o maior do México, encontra-se a 38 km ao sul. Guadalajara se estende sobre uma fértil região agrícola e é também um importante centro comercial. Entre os principais produtos manufaturados, encontram-se têxteis e artigos de couro.

[9] Monterrey, cidade do Nordeste, é capital do Estado de Nuevo León e tem 2,5 milhões de habitantes. Possui indústria processadora de prata e indústria pesada de ferro e aço, além de cobre, chumbo e zinco. Fabrica produtos químicos, vidro, materiais de construção, papel, cerveja, alimentos industrializados e têxteis.

[10] As mais modernas maquilas foram instaladas em Jalisco e Yucatán.

[11] Este grupo engloba as maiores empresas mexicanas: o grupo Cemex, que detém 46 plantas de cimento, 499 de concreto e 35 terminais marítimos em todo o mundo; o grupo Alfa, de aço, petroquímica e alimentos, que se associa sobretudo internamente; o grupo Vitro, de vidro plano, vidro para veículos, fibra de vidro, cristal, vasos de plástico e utensílios domésticos, com mais de 40 plantas em todo o mundo; Fensa e Imsa, todos com perfis de multinacionais associadas a empresas de diversas nacionalidades.

[12] Cf. Cano, p. 453.

[13] Cf. Galeano, p. 307.

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Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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