O conceito de "práxis", como agir individual e social, está no centro de toda a filosofia inaugurada por Karl Marx e pelo seu modo de abordar os problemas da produção e da ciência. Nos chamados
Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, que Gramsci não teve a possibilidade de conhecer, Marx escrevia: "Assim como a sociedade produz o homem enquanto homem, ela é produzida por ele". Essa idéia de que a "produção" ou "práxis humana" engloba não apenas o trabalho, mas também todas as atividades que se objetivam em relações sociais, instituições, carecimentos, ciência, arte, etc., atravessa todo o pensamento de Marx e constitui o seu princÃpio fundamental.
Antonio Labriola desenvolveu este aspecto, afirmando - num de seus ensaios sobre A concepção materialista da história - que o materialismo histórico "parte da práxis, ou seja, do desenvolvimento da operosidade; e, como é teoria do homem que trabalha, considera a própria ciência como um trabalho". Para Labriola, "todo ato de pensamento é um esforço, ou seja, um novo trabalho", ao passo que "o trabalho realizado, ou seja, o pensamento produzido, facilita os novos esforços voltados para a produção de um novo pensamento".
Esta premissa serve para demonstrar que o termo "filosofia da práxis", do qual fala Gramsci, não é um expediente lingüÃstico, mas uma concepção que ele assimila como unidade entre teoria e prática. Discutindo sobre a undécima tese de Marx, que propõe mudar o mundo e não mais interpretá-lo, Gramsci escreve nos Cadernos que essa tese "não pode ser interpretada como um gesto de repúdio a qualquer espécie de filosofia", mas como "enérgica afirmação de uma unidade entre teoria e prática. [...] Deduz-se daÃ, também, que o caráter da filosofia da práxis é sobretudo o de ser uma concepção de massa". E, em outro local, repete: "Para a filosofia da práxis, o ser não pode ser separado do pensamento, o homem da natureza, a atividade da matéria, o sujeito do objeto; se essa separação for feita, cai-se numa das muitas formas de religião ou na abstração sem sentido".
A unidade de teoria e de prática serve a Gramsci para delinear uma série de conceitos cientÃficos capazes de interpretar o mundo que lhe era contemporâneo (hegemonia, bloco histórico, novo senso comum, conformismo de massa em sua ligação com novas formas de liberdade individuais e coletivas, revolução passiva, etc.).
Aqui, numa formulação geral, iremos nos limitar às seguintes considerações sobre a filosofia da práxis:
1) Nem a filosofia da práxis nem nenhuma ciência a ela ligada nos permitem fazer previsões que tenham caráter determinista. Há um único modo possÃvel de prever: aquele que vê a previsão como um ato prático que implica a formação e a organização de uma vontade coletiva. Desta tese, Gramsci deduz sua crÃtica a Croce, na medida em que a religião crociana da liberdade não contribui para a criação de resultados previsÃveis, já que evita formular um projeto de transformação e uma vontade polÃtica correspondente a tal projeto. Essa mesma teoria da "previsão" põe em crise as concepções deterministas tÃpicas do cientificismo da Segunda Internacional, que são também fonte de passividade.
2) A vontade de que fala Gramsci (e, portanto, a práxis) não é algo em estado puro, mas contém os elementos materiais que o próprio homem objetivou. Isso significa, em primeiro lugar, que a filosofia da práxis é, para Gramsci, a consciência plena das contradições da sociedade que lhe era contemporânea, de modo que - como ele diz nos Cadernos - "o próprio filósofo, entendido individualmente ou como todo um grupo social, não só compreende as contradições, mas põe a si mesmo como elemento da contradição, eleva este elemento a princÃpio de conhecimento e, portanto, de ação".
Ciências do homem (distintas entre si) e também ciências da natureza, para além da sua independência recÃproca, encontram um momento de unidade, ao se tornarem polÃtica. Gramsci sintetiza isso nos seguintes termos: "A filosofia da práxis é o ´historicismo absoluto`, a mundanização e terrenalidade absoluta do pensamento, um humanismo absoluto da história". Para entender esta última afirmação, o leitor deverá recordar a tese acima mencionada sobre a verdade como correspondência a uma realidade objetivada pelo próprio homem.
3) Gramsci define "o homem como uma série de relações ativas (um processo)", de modo que ele "não entra em relação com a natureza simplesmente pelo fato de ser ele mesmo natureza, mas ativamente, por meio do trabalho e da técnica". Em outras palavras, todo indivÃduo "não só é a sÃntese das relações existentes, mas também da história dessas relações, ou seja, é o resumo de todo o passado". Como é possÃvel mudar o mundo se o indivÃduo depende de tal modo do seu passado? A resposta de Gramsci é que "o indivÃduo pode se associar com todos os que querem a mesma mudança; e, se essa mudança for racional, o indivÃduo [...] pode obter uma mudança bem mais radical do que aquela que, à primeira vista, pode parecer possÃvel".
Concluindo, a filosofia da práxis é, para Gramsci, construção de vontades coletivas correspondentes à s necessidades que emergem das forças produtivas objetivadas ou em processo de objetivação, bem como da contradição entre estas forças e o grau de cultura e de civilização expresso pelas relações sociais. Está implÃcita nela, que aparece como uma concepção filosófica, uma série de ciências da natureza e do homem. Tomadas isoladamente, tais ciências podem ser consideradas como independentes; consideradas como expressão da possÃvel contradição entre atividades criativas e relações comunicativas de tipo social, passam a fazer parte da filosofia da práxis e, desse modo, podem influir sobre a polÃtica, isto é, sobre aquelas mudanças que nos fazem entrever um novo modo de viver e nÃveis superiores de civilização.