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Jornalismo

Franco Ottolenghi
 

Ao longo de todos os Cadernos do cárcere, a partir das primeiras notas (que remontam a 1929), desenrola-se o fio da reflexão de Antonio Gramsci sobre o jornalismo. Não é um capítulo de sociologia das profissões, embora o relevo sociológico da análise gramsciana seja bastante evidente.

Gramsci vê-se diante de uma sociedade na qual começam a prevalecer, entre crises e mutações no decorrer dos cruciais anos 1930, fatores de coesão e, ainda que parcialmente, impulsos para a modernização. O objetivo da reforma intelectual e moral se desloca para um terreno mais avançado, numa perspectiva hegemônica que se torna progressivamente mais complexa por causa da intensificação dos processos de formação dos aparelhos industriais, de lenta expansão dos mercados, de sensível modificação demográfica, de codificação autoritária das instituições de uma sociedade de massas.

Este é o contexto no qual toma forma a reflexão sobre o jornalismo. O que, sobretudo, interessa a Antonio Gramsci? Não só definir os instrumentos (jornais e revistas) mais adequados à conquista de um consenso, à difusão de idéias entre as grandes massas, a uma espécie de educação da "nova Itália", mas trazer à consciência difusa (fazendo disso o evento gerador de uma nova opinião pública) a novidade de que está em curso uma grande transformação histórica e cultural, de que a história nacional está prestes a ter novos protagonistas.

O quesito fundamental a que é preciso responder diz respeito, então, à natureza, ao papel, às características e à eficácia dos processos de comunicação que devem ser mobilizados; em suma, a definição de uma estratégia de comunicação. Isto equivale, desde logo, ao reconhecimento e à aceitação de que o terreno da comunicação, em primeiro lugar na figura histórica do jornal, será um terreno nevrálgico do conflito moderno e também uma dimensão original da democracia, muito além da percepção própria da velha cultura socialista. Portanto, não se trata apenas de reconhecer a dimensão estratégica dos processos comunicativos (o jornalismo, na reflexão gramsciana), da sua organização, da sua interação com o conjunto dos poderes, mas de projetar as formas de uma nova cultura, de um novo espírito público, no quadro do grande processo histórico que anuncia, no Ocidente, a inversão da relação governantes-governados.

Eis por que Gramsci, quando reorganiza as notas sobre jornalismo disseminadas nos Cadernos e que, na edição temática preferida por Togliatti estão reunidas no volume Os intelectuais e a organização da cultura (veja-se, em particular, o caderno 24, de 1934, em CC, v. 2, p. 197-213; e vale a pena observar que do mesmo ano é a reelaboração das notas sobre Americanismo e fordismo contidas no caderno 22, em CC, v. 4, p. 241-82), o faz nos termos de um verdadeiro programa político-editorial. Este é o sentido da fórmula que adota, ou seja, a fórmula do "jornalismo integral".

Em síntese, o que quer dizer jornalismo integral? É um jornalismo - responde Gramsci - "que não somente pretende satisfazer todas as necessidades (de uma certa categoria) do seu público, mas pretende também criar e desenvolver estas necessidades e, conseqüentemente, em certo sentido, gerar seu público e ampliar progressivamente sua área".

Por um lado, pois, ele produz, organiza e difunde consciência e cultura, concorre para a formação de uma sociedade civil mais intensa e dinâmica, maleável à transformação; por outro lado, parte com realismo e rigor de um perfil do próprio público submetido ao escrutínio da experiência.

A Gramsci interessa o leitor em toda a sua concretude e densidade de determinações histórico-políticas e culturais, de motivações éticas, como indivíduo e como expoente de uma associação humana, como depositário de recursos intelectuais latentes e como "elemento econômico", ou seja, precisamente como adquirente de uma mercadoria, de um produto.

Mas vejamos o "jornalismo integral" em ação:

É dever da atividade jornalística (em suas várias manifestações) seguir e controlar todos os novos movimentos e centros intelectuais que existem e se formam no país. Todos.

É uma indicação peremptória e exemplar. Ela permite delinear ainda mais completamente as características do empreendimento gramsciano: um programa de pesquisa que visa a definir a dimensão específica e as forças motoras de uma reforma intelectual e moral, de uma passagem complexa, mas já entrevista, na direção da "sociedade regulada".

Modernidade e utopia se entrelaçam nesta formulação que tende a se propor como base ou premissa de uma autêntica constelação (ou sistema) de iniciativas editoriais. Daí nasce uma série de indicações sobre os tipos de revista, sobre as orientações das redações, sobre os "gêneros" jornalísticos, sobre as características do trabalho intelectual necessário para promover os diferentes modelos que, por um lado, constituem um exercício de rigoroso contraponto ao diletantismo e ao transformismo de grande parte das revistas, do jornalismo, do costume intelectual da primeira terça parte do século XX, inclusive uma boa dose da tradição socialista; e que, por outro, propõem um nexo - feito de contínuas remissões recíprocas - entre empreendimento político e empreendimento jornalístico, duas ordens distintas e entrelaçadas de organização do intelecto coletivo próprio das forças emancipadoras.

Na base desta proposta, existe uma extraordinária experiência que vai da estréia gramsciana no Grido del Popolo até aquele paradigma do grande jornalismo político, que é L’Ordine Nuovo, e a fundação de L’Unità. Como pano de fundo, há o objetivo da "elaboração nacional unitária de uma consciência coletiva", ou seja, a formação de uma consciência política nacional e moderna, tarefa que se propôs o movimento operário. Fora destes processos históricos - adverte Gramsci -, os grupos intelectuais "tendem ou a se tornarem igrejinhas de ‘profetas desarmados’, ou a se cindirem de acordo com os movimentos inorgânicos e caóticos que se verificam entre os diversos grupos e camadas de leitores".



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