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Contra Renato Janine Ribeiro

Renato Lessa - Fevereiro 2007
 

O filósofo político oficial da República - o sr. Renato Janine Ribeiro - falou à nação, através de artigo publicado no caderno Mais! da Folha de São Paulo (domingo, 18/02/06), a propósito do martírio do menino João Luís, arrastado por sete quilômetros pelas ruas da Zona Norte profunda carioca.

Ao lado de juízos lamentáveis e regressivos a respeito das práticas da tortura e da pena capital, o que se constitui como razão de perplexidade é o próprio modo de apresentação dos argumentos: o filósofo vai à cidade para dizer que tem dúvidas e que delas é incapaz de extrair qualquer implicação para o desenho de "políticas públicas". Segue, pois, inocente a respeito das implicações possíveis de suas dúvidas e relativizações. Quem sabe elas não irão ainda iluminar novas "políticas públicas"?

A egolatria do filósofo, para além dos aspectos que podem ser considerados sob luz terapêutica, indica total confusão entre responsabilidade pública do intelectual e puro exibicionismo. Sua dúvida mal encobre a relativização dos valores que condenam a tortura e a pena de morte.

E mais: abre caminho para uma terceira via: nem fascistas nem nefelibatas. Eis aqui um intelectual ilibado, humanista, apologista da correção política, a dizer que é normal que tenhamos dúvidas a respeito da atualidade de nossas restrições à barbárie de Estado.

No lugar de combatê-las abertamente, o filósofo absolve os que hesitam. Não submete suas dúvidas e inclinações ao imperativo de pensar o seu próprio pensamento.

E o que dizer da banalização de Auschwitz? O filósofo vê a imagem do horror por toda parte e a ele atribui um plural de péssimo gosto estilístico: "auschwitzes". No mínimo esquecido que o cenário original do campo de extermínio foi propiciado por um Estado que legalizou a tortura e a pena de morte.

Filosofar é viver a contrapelo. Fazer filosofia política, com freqüência, exige assumir a posição minoritária, sob as piores condições possíveis. O Sr. Janine, com seu artigo, tem a aprovação do esterco intelectual e reflexivo que toma conta do país. A matéria atende pela alcunha de "maioria".

A recusa da tortura é um imperativo categórico, assim como a repulsa à penalização desenfreada, à legalização da pena de morte e à "relativização" do Estado de direito. Que essas posições sejam, hoje, minoritárias, isso diz do estado do mundo em que nos atolamos. Que a filosofia política seja tomada como espaço para a egolatria, isso diz do estado miserável da reflexão pública no país.

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Renato Lessa é professor titular de Teoria Política do Iuperj e da Universidade Federal Fluminense. Este texto também foi publicado em La Insignia.



Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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