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De volta à Revolução Cubana

Caetano Veloso - Julho 2008
 

Eu disse que voltava ao assunto:

Na Europa todos os jornalistas me perguntam sobre o caso Fidel. Eles sabem apenas que Fidel ralhou comigo por causa de uma canção sobre Guantánamo. Fico um tanto triste. Na verdade acho que Fidel não foi político ao me acusar de pedir perdão ao imperialismo americano e ao chamar a atenção para um trecho de entrevista onde aparece crítica a Cuba (e reconhecimento dos conseguimentos civilizatórios dos Estados Unidos), em detrimento da canção em si, que é o que devia contar mais. Afinal uma canção é imediatamente ouvida e assimilada por muitos; uma entrevista, mal e mal por poucos. No nosso caso, a canção mostrou-se forte, arrancando aplausos entusiasmados em todos os shows do Obra em Progresso e repercussão na imprensa e um forte boca-a-boca. Com o evidente potencial de, uma vez gravada, tornar-se enormemente conhecida e mesmo amada. Já a entrevista nem era boa. Tive pequenos problemas com o modo como ela foi editada (sobretudo no que diz respeito à sucessão presidencial e à ausência de crédito a uma frase de Mangabeira), mas não especialmente no que se refere ao caso Fidel/"Base de Guantánamo". Quanto a isso, sei que fui eu a me expressar de modo afobado e daí obscuro. Eu não queria receber aplausos fáceis da esquerda e ser tomado por um antiamericanista recém saído do armário. Não sou Neil Young. Nem quero ser o Mick Jagger de "Sweet Neo Con" or something: um inteligente neo-liberal (no sentido nobre do termo) como Jagger jogando para a galera num tom que, a despeito do acerto básico na apreciação da questão, soa demagógico. Minha "Guantánamo" não tem nada disso. O próprio estilo despido e enxuto (diferente aliás, quanto a isso, embora não quanto à sinceridade, do de "Haiti", com que alguém aí, erradamente, a identificou) atesta uma atitude direta nascida de observação simples que levou a um estado de espanto indignado. Pareço um poeta concreto, fazendo boa crítica positiva do próprio trabalho? Ótimo. Adoro parecer um poeta concreto. Se o risco de a crítica estar muito aquém da que os pobres produtores das obras podem apresentar, para que falsa modéstia? Fidel poderia ter sido aconselhado por aqueles que, perto dele, ouvem música e pensam em cultura a calar o bico e deixar a canção fazer sua parte, com a entrevista relegada ao esquecimento. O resultado seria um renascimento da força afetivo-simbólica que a revolução cubana tem na mente da minha geração de latino-americanos. E até da imorredoura simpatia que a própria figura de Fidel arranca do nosso cerebelo. (Ou hipotálamo?) Mas não. Ele transformou o episódio numa manifestação anti-Cuba. Os europeus não conhecem a canção, só a fofoca de celebridades velhas do folclore político da América Latina: o Comandante contra o "ex-revolucionário" tropicalista. A ignorância! Mas insisto em que um país onde as pessoas precisam de permissão especial para viajar ao exterior não é o melhor exemplo de respeito aos direitos humanos. Ir e vir é simplesmente o mais básico destes. Deixa os frankfurtianos dizerem que a "busca da felicidade" é mais cruel do que o nazismo. Tou fora. Só espero que com essas declarações sinceras de amor (mesmo meio morto) pela revolução cubana, não venha agora ser a CIA a anotar que pedi perdão ao ditador. Mas acho que a CIA é menos grossa do que isso.

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Texto originalmente publicado no blog de Caetano Veloso, Obra em progresso.



Fonte: Obra em progresso & Gramsci e o Brasil.

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