Fernando Perlatto 7/8/2012

Representação e participação nas eleições municipais

ConstituiçãoFruto da pressão dos movimentos democráticos que eclodiram nas décadas de 1970 e 1980 contra a ditadura militar, a Constituição de 1988 se configura como um ponto de apoio para aqueles que desejam o aprofundamento da democracia política e social do país. Apesar das transformações pelas quais esse texto passou no decorrer das duas últimas décadas, a nossa Carta não foi alterada em um aspecto essencial: a ideia segundo a qual a soberania popular se exerce tanto pela democracia representativa, quanto pela participativa. Enquanto a primeira se identifica com a dimensão do voto nos representantes durante as eleições, a segunda se relaciona à participação direta dos cidadãos nas decisões políticas no período entre os processos eleitorais.

Se é possível afirmarmos com convicção que a democracia representativa no país tem se consolidado substancialmente nos últimos anos – a despeito dos problemas que ainda a afligem relacionados principalmente à corrupção e ao número excessivo de partidos –, é mais arriscado falarmos o mesmo quando pensamos em termos da democracia participativa. Embora a Constituição assegure que a participação possa se dar mediante referendos, plebiscitos e leis de iniciativa popular, poucos foram os governos que se valeram destes instrumentos para consultar diretamente a população acerca de temas específicos. A própria população tem dificuldade de mobilizar os instrumentos participativos que a Carta de 1988 lhe facultou, não obstante tenha tido sucesso em elaborar um dos mais criativos e importantes projetos de lei da nossa história – a Lei da Ficha Limpa – via iniciativa popular.

Além de ter assegurado a possibilidade da participação mediante os mecanismos acima mencionados, a descentralização promovida pela Constituição de 1988, conferindo maior poder aos municípios, abriu caminhos para que surgissem no decorrer das últimas décadas novas iniciativas no sentido de incrementar a participação popular, com destaque para os orçamentos participativos e os conselhos municipais de políticas públicas. Enquanto os primeiros possibilitam que os cidadãos deliberem acerca das prioridades do orçamento de um determinado município, decidindo coletivamente como e onde o dinheiro público deve ser investido, os segundos permitem uma democratização no processo de formulação das políticas públicas ao assegurarem a participação de segmentos da sociedade civil no debate e fiscalização das mesmas junto aos representantes dos governos municipais.

A eleição municipal que ora se aproxima aparece como cenário propício para que os eleitores procurem saber dos candidatos a prefeito se há real interesse por parte dos mesmos por uma participação mais ativa dos cidadãos na vida política do município nos próximos quatro anos e não apenas durante o processo eleitoral. Caso a resposta seja positiva, é fundamental que os candidatos se comprometam com a efetivação de experiências participativas na cidade, como o orçamento participativo e o funcionamento democrático dos conselhos de formulação de políticas públicas.

A democracia participativa não deve ser tomada como uma substituta à democracia representativa. Instituições de representação como os legislativos municipais têm uma importância fundamental nas democracias, pois permitem que a pluralidade da sociedade seja representada e possa ser ouvida, inclusive com respeito às minorias. Em decorrência disso, a democracia representativa tem que ser fortalecida e valorizada, cabendo, nesse sentido, um papel essencial aos cidadãos que elegerão seus representantes para o legislativo municipal.

Mas uma democracia viva requer participação. Instrumentos participativos contribuem não apenas para tornar público e democrático o processo de formulação e deliberação das decisões administrativas que geralmente são tomadas "de cima para baixo", mas também como exercícios de aprendizado político para o cidadão comum. Uma cidade que se quer democrática não pode se furtar de convocar seus membros para pensá-la e discuti-la coletivamente. Afinal democracia não é apenas voto, mas também participação.

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Fernando Perlatto é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFJF, doutorando no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ) e pesquisador visitante no Institute for Public Knowledge da New York University (NYU).

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