Diogo Tourino de Sousa 24/07/2012

Risco e arrisco

XadrezEleições costumam contar histórias muito particulares. Não por acaso, predizer seus resultados ou mesmo cenários aparentemente mais simples, como quais serão os candidatos e quem serão seus aliados, constitui uma tarefa quase impossível com a antecedência esperada. Isso se aquele que tentar prever não quiser, é claro, incorrer em erros vexatórios que podem, dependendo da gravidade, enterrar definitivamente a credibilidade de quem se arrisca. Ainda assim, quem se ocupa da política – em ato ou reflexivamente, como é o meu caso, aliás – tem que lidar com a cobrança, oriunda da sociedade, dos jornalistas, dos amigos, da família, que seja, por predições exclusivas e adiantadas. Afinal, dizer quanto será o placar depois de findo o jogo é fácil.

Um colega de profissão me disse, certa vez, que cientista político que se preze não pode conceder entrevistas pela manhã, pois corre um sério risco de já de tarde ser desmentido por acontecimentos inesperados, e aparecer equivocadamente estampado nas páginas do jornal no dia seguinte. Brincadeiras à parte, há um fundo de verdade no conselho profissional em questão: a política realmente é uma "caixinha de surpresas" – lançando mão de um adágio esclarecedor – sempre ávida por pregar peças em seus "adivinhões". Seus atores se movem cotidianamente num tabuleiro confuso, lançando mão de estratégias nem tão claras aos que se aferram ao passado, ou a projetos de futuro, talvez, crendo na possibilidade de uma mecânica compreensão dos fatos. Malgrado a empiria adversa, perguntas precisam de respostas. E ao passo em que as primeiras pululam, as segundas mostram-se de rarefeita qualidade nos dias em que vivemos.

Curiosamente, foi a antropologia, uma disciplina bem próxima da ciência política, que nos legou uma acertada descrição desse momento: o "tempo da política". Este não se confunde com o calendário eleitoral, nem com as eleições. Vai além, sem, contudo, abranger o tempo dos políticos. Trata-se daquela época bem marcada na qual todos vão, aos poucos, se envolvendo com a política, discutindo candidatos, candidaturas e questões cotidianas que podem, espera-se, ser alteradas por meio das eleições que se aproximam. É precisamente nesse momento que um repertório de complicadas questões emerge de onde menos se espera, e para o qual cobra-se dos analistas respostas satisfatórias. Tarefa seguramente arriscada.

Ainda assim, correrei o risco. Definidos os candidatos à Prefeitura de Juiz de Fora, ou os principais candidatos – perdoem-me os demais, mas trata-se de uma aproximação que torna a conversa mais "razoável" e menos arriscada –, creio que já podemos supor algo. Há um elemento novo na disputa. Sim, trata-se de Bruno Siqueira (PMDB). Jovem deputado e vereador mais votado na última eleição no município, Bruno foi eleito com 6.483 votos para o Legislativo juiz-forano e ainda recebeu, dois anos depois, mais de 43 mil votos para deputado estadual na cidade. Isso não significa, é claro, que os votos obtidos em 2008 e 2010 permaneçam à espera dele. Conforme comecei essa conversa, eleições contam histórias particulares e é um erro supor que as votações são cumulativas (salvo casos especiais de capital eleitoral acumulado em outras disputas e aproveitado para cargos "menores", como foi o caso do finado Enéas – do antigo PRONA –, que depois de muitas tentativas para presidente acabou sendo o deputado federal mais votado da história brasileira; e como é o caso de José Serra – PSDB –, que com duas disputas para presidência parece ter se gabaritado a vencer eternamente na capital de São Paulo).

Mas, para todos os efeitos, Bruno é aquilo que costumam chamar de "renovação", quase um mantra nas eleições na cidade, que até então não decidiu, mas embalou outras disputas. Basta lembrarmos que desde 1983 – ou seja, há quase 30 anos – a cidade é governada pelo trio Tarcísio Delgado, Alberto Bejani e Custódio Mattos, entrecortado pela rápida passagem de José Eduardo Araújo em 2008, após a renúncia de Bejani. Cenário que convida, com efeito, os postulantes a assumir o rótulo da "novidade", sem sucesso até aqui.

Contudo, Bruno tornará a disputa para o Executivo municipal menos plebiscitária, reivindicando, ainda, o legado político de Itamar Franco. Mesmo que muitos dissessem que Itamar já era "carta fora do baralho", sempre achei curioso o modo como os políticos da cidade aguardavam seu posicionamento em qualquer disputa para, só então, se pronunciarem. Fato que não parece estranho se considerarmos que ele foi o único político juiz-forano a assumir, mesmo que por uma peça do destino, o posto mais alto da República. É bom lembrar que Itamar, antes de morrer, apoiou abertamente o jovem deputado e ainda o elegeu a tão propalada "renovação" que a cidade aguarda (ou necessita?).

Apoio "póstumo" que Bruno não mobilizará isoladamente, aproveitando-se, ainda, da rarefação ideológica dos partidos nos municípios. Isso porque, ao mesmo tempo em que não contará com o apoio do peemedebista Tarcísio Delgado – que vem manifestando "solidariedade" à candidatura petista –, ele reivindicará, a despeito da presença tucana no pleito, o aval do senador Aécio Neves (PSDB). Tais elementos, no entanto, não asseguram a Bruno sequer uma vantagem. Isso porque ele enfrentará dois candidatos em princípio favoritos. Por um lado, a professora Margarida Salomão (PT), que já bateu na trave na última disputa. E por outro, o tarimbado Custódio Mattos (PSDB) tentará a reeleição.

Margarida tem ao seu lado aquilo que melhor define o Partido dos Trabalhadores: a militância. Desde sua derrota nas eleições de 2008, quando parecia que levaria a prefeitura ainda no primeiro turno, ela se retirou das discussões públicas e, ainda assim, obteve uma quantidade expressiva de votos para deputada federal em 2010. Mesmo sem rastrearmos voto a voto, o dado inquestionável é que com ela o PT juiz-forano teve, pela primeira vez, uma candidatura forte e conseguiu, por essas e por outras, estruturar localmente o partido. Como disse certa vez o colega Rubem Barboza, trata-se de uma legenda rara, que consegue crescer na derrota.

Concomitante a isso, ela conta com a predileção de Tarcísio, de quem foi secretária de governo na década de 1980, podendo, dessa forma, herdar parte do tarcisismo que radica na cidade. Sem falar, é claro, do fator nacional que invadirá, para o bem ou para o mal, as eleições municipais. A coalizão governista que parece abdicar o monopólio das disputas pelo Brasil, elegeu – suponho, sem provas – focos de disputa onde se concentrará. E Juiz de Fora está entre eles. Entretanto, o tiro sairá pela culatra se os efeitos do julgamento do mensalão no STF e da greve no ensino, por exemplo, começarem a causar transtornos suficientes para o diretório nacional do PT a ponto de transformar o apoio em prejuízo eleitoral.

Custódio, por sua vez, é um político experiente e tem a seu favor a máquina nas mãos. Não que ele precise mobilizá-la ilegalmente, mas é inquestionável que a situação sempre tem a seu favor a possibilidade de organizar as ações de governo no sentido de enaltecer o que lhe favorece e, é obvio, enevoar o que lhe prejudica. Com a oposição "rachada", mas perdendo elementos de sua própria base, Custódio precisa superar promessas pontuais feitas na sua eleição em 2008 para conseguir ir para o segundo turno. Contra Margarida, ele pode nacionalizar a disputa, mas perde com a ameaça de reforço da coalizão nacional PT-PMDB, que pode obrigar Bruno a apoiá-la. Já contra Bruno, o veneno é o mesmo, acrescido da disputa pelo apoio de Aécio Neves que, creio, estará bem ocupado tentando eleger seu candidato em Belo Horizonte.

Se me permitem um palpite ainda pela "manhã", e assumindo todos os riscos que isso comporta, teremos uma eleição no mínimo animada, com dois favoritos e uma terceira opção. O debate será nacionalizado, em parte, polarizando, mais uma vez, PT e PSDB, só que agora com a indesejável presença do PMDB, que roubará votos de ambos num primeiro momento, ficando em aberto para quem os devolverá. Qual será o resultado? Aí já seria se arriscar demais.

Viçosa, 22 de julho de 2012.



Diogo Tourino de Sousa é cientista político, professor na Universidade Federal de Viçosa (UFV).

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