Sábado, 13 de fevereiro de 2016, atualizada às 13h08

Conheça a atriz e rainha da Lapa, Luana Muniz

Jorge Júnior
Editor

O Portal ACESSA.com entrevistou a Rainha da Lapa, a atriz Luana Muniz, que foi coroada na terça-feira de Carnaval, 9 de fevereiro, como rainha do tradicional The Gala Gay, que aconteceu no Centro Cultural Veneza, em Botafogo (assista ao vídeo).

Horas antes do seu reinado, Luana Muniz descia as escadarias do seu casarão rosa, localizado na rua Mém de Sá 100, no Centro da cidade carioca, para conceder entrevista e se deslocar para o baile. Era 22h30 e com o fervo da região boêmia, a rainha já premeditava o congestionamento até o local. Antes mesmo de chegar ao carro, que estava há metros da sua casa, era possível notar a popularidade de Luana, que posava para fotos do fãs e turistas que ali passavam.

Já dentro do carro da amiga Joice Taylor (foto abaixo), que nos levou para o baile, Luana se acertava no banco, para que a coroa não saísse da cabeça e nem seu vestido amassasse.

Com 47 anos de “calçada”, Luana Muniz revela que já trabalhou em vários cabarés do mundo. Com nacionalidade italiana ela fala e lê seis idiomas e atualmente preside a Associação dos Profissionais do Sexo do Gênero Travesti, Transexuais e Transformistas do Rio de Janeiro, que recebe verba até das atrizes da Rede Globo.

Entre tantos títulos, ela é considerada a versão contemporânea da Madame Satã. Líder das meninas da Lapa, foi uma das fundadoras do projeto Damas da Prefeitura do Rio de Janeiro - ação social que objetiva a capacitação para o mercado de trabalho de travestis e transexuais.

Luana Muniz é conhecida pelo bordão "travesti não é bagunça" e nos últimos meses pela foto ao lado do padre Fábio de Melo, durante o aniversário da cantora Alcione, na Estação Primeira de Mangueira. Seu último trabalho estreou nesta semana, no qual ela faz o clone da Pamela Anderson, no filme Um Surburbano Sortudo, com Rodrigo Santana.


ACESSA.com: Como você recebeu a notícia que seria eleita a rainha do tradicional The Gala Gay?

Luana Muniz: Eu não imaginava... Imagino arrumar outro marido rico. Eu já tive sete, tirei tudo que eles tinham. Eu percebo que a minha notoriedade cresceu muito há uns dez anos, principalmente em 2010, quando eu fiquei conhecida mundialmente por um vídeo que passou em 180 países, em que eu aparecia batendo em um cliente no Profissão Repórter (vídeo abaixo).

Além disso, eu tenho 47 anos de profissão, 36 anos de artista com registro profissional, fiz inúmeros trabalhos importantes, como peças teatrais, espetáculos e shows.

ACESSA.com: Você é uma pessoa muito respeitada e conhecida na Lapa. Como você explica esse sucesso?

LM: Eu sou como os baianos. Eu não nasci. Estreei! Sou estrela há mais de 40 anos e como Oscar Wilde (escritor) dizia, Deus dá o talento a cada um, o que você vai fazer com esse talento é o que é importante. Existem pessoas que são talentosas e geniais, eu acredito que atendo todos esses quesitos. O segredo do respeito é você se respeitar. Automaticamente, você se respeitando, vai respeitar as pessoas, pois você vai ser um bom cidadão, vai cumprir com os seus deveres para obter os seus direitos.

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ACESSA.com: Como é a sua relação com as outras travestis que atuam na Lapa?

LM: Nós temos uma associação com ata, documentação e publicações no Diário Oficial. Eu sou a presidente e prezamos pelo respeito e organização. Quando eu voltei a morar no Brasil, devido a globalização e a internet, percebi que para obter voz na sociedade é preciso se politizar. Eu sou da época da navalha, em que os profissionais do sexo eram espancados e isso não funciona mais.

ACESSA.com: Quais foram as principais mudanças que você percebe nesses 47 anos de profissão?

LM:  São várias. Antes éramos perseguidas e algemadas nos postes. Éramos presas na parte da manhã, tarde e noite. Hoje em dia não, somos respeitadas. No Rio de Janeiro, por exemplo, existem duas leis, uma municipal e outra estadual, que nos protege. Fora essas, graças ao deputado Jean Wyllys, teremos uma Lei Federal. Não falo em nome de partido, porque sou apartidária e gosto das políticas sociais. Hoje, a polícia nos respeita, mas o país está um caos, ainda bem que a maior parte das travestis é bem-sucedida, tem um plano de saúde e casa própria. Os outros 20% se entregam na desgraça, por conta da dependência química, mas assim mesmo tem a reabilitação.

Outro ponto que é importante destacar é que o mercado formal também se abriu. Atualmente temos travestis advogadas, enfermeiras e cientistas. Nos Estados Unidos, o Obama nominou uma senadora transexual. No Michigan (um dos 50 estados dos Estados Unidos), uma das médicas que mais faz cirurgia em trans é, também, transexual operada há dez anos.

Eu sou autônoma, empresária, artista e prostituta. Não quero trabalhar para ninguém, meu patrão sou eu mesma. Ninguém manda no meu trabalho. Eu já nasci para liderar.

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ACESSA.com: Fale um pouco do trabalho da associação.

LM: Em parceria com outras ONGS, realizamos trabalhos na área de cultura, saúde, prevenção, documentação e dependência química. Tentamos abranger um território bem grande, porque assim como qualquer outro ser humano, o travesti tem o direito de ser perder dentro da sua própria história e se reencontrar.

ACESSA.com: Quais os momentos mais marcantes da sua carreira?

LM: Já vi muita coisa ruim e muita coisa boa. Eu prefiro falar das coisas boas. Eu não sou uma pessimista chata e nem sou uma otimista sonhadora. Eu sou uma realista consciente. Eu pisei em 39 países, morei em 16, tenho dupla cidadania e pisei em lugares que reis e rainha e grandes estrelas fizeram compras. E também presenciei mortes de pessoas. Eu sou da Lapa de outrora. Sou da Lapa do grande glamour e que depois houve a decadência. Assisti grandes espetáculos na Broadway e grandes desastres no Brasil que as pessoas chamam de música.

ACESSA.com: Quais foram suas inspirações?

LM: As grandes artistas. Meu primeiro ídolo foi a minha mãe, mas eu não sabia. Aos 38 anos, após fazer análise, descobri isso. Sai de casa aos 9 anos e sou a cópia da minha mãe. Mas as estrelas como a Julie Newmar, que foi a primeira mulher-gato na década de 60 e Bárbara Streisand, além das grandes divas do passado e que fazem sucesso até hoje, como a Madona, que é uma grande business, não uma grande voz.

ACESSA.com: Como foi o seu processo de transformação?

LM: Travesti é de dentro para fora, não se descobre, mesmo porque não está coberta. Eu sou o reflexo do que já nasceu comigo e tudo custou muito caro e custa até hoje.

ACESSA.com: Quais são seus ídolos?

LM: Aretha Franklin, Billie Holiday, minha madrinha Alcione, que ajuda no meu projeto com as crianças no Natal, além de ter uma das maiores vozes do mundo; Maria Bethânia, Elis Regina, Gal Costa, Beyoncé, Anita Baker e tantas outras. Tudo é válido. Qualquer tipo de arte é válida, boa ou ruim, pois a beleza está nos olhos de quem vê.

ACESSA.com: O que a Luana Muniz gosta de fazer fora do trabalho?

LM: Comer, dormir e sexo, mas dentro da minha casa, não. Eu tenho um quarto em outro imóvel em que alugo vagas para outras travestis, em que eu guardo roupas de shows. Eu sou cinéfila, apesar de como atriz não gosto de fazer cinema, porque dá muito trabalho. Sou muito eclética, apesar de não gostar de ler, pago uma pessoa que lê pra mim, pois manda quem pode e obedece quem tem juízo. Eu sou um pouco Miranda (personagem do filme O Diabo Veste Prada) e preciso de alguém do meu lado lembrando o nome da pessoa. Não sou melhor e pior do que ninguém, mas sou estrela do céu, não sou do fundo do mar, que as pessoas só veem quando mergulham.

O importante é ser autentica. Nem sempre o que eu falo agrada as pessoas. O maior presente que Deus nos deu foi a vida, depois o cérebro, então você tem que saber usar da melhor forma possível. Agora, se o Brasil tivesse preocupado com a educação há 40 anos, talvez estaria melhor, mas ainda é tempo. Só a educação vai nos salvar. Vamos lutar pela educação, pois só assim virá a cultura, política e saúde.  

ACESSA.com: Qual sua opinião sobre preconceito?

LM: O preconceito nunca vai acabar. As pessoas vão morrer, outras vão nascer e ele vai continuar. O preconceito está enraizado e cada um tem o seu. Com 38 anos, eu já trabalhava na rua há anos e me considerava a pessoa menos preconceituosa possível e descobri que não era. O Brasil é muito novo, a Europa luta há cinco mil anos, mas o nosso país é muito bonito, muito rico, apesar de ser mal administrado. 

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