
Acabou-se o que era doce...
Era uma vez um Rio. Era uma vez uma cidade. Dois espaços cheios de vida, vida pulsante, apesar dos pesares. Havia no rio, peixes coloridos, grandes, pequenos, de todos os tipos. Havia plantas aquáticas das mais variadas. Larvas de insetos, bactérias, protozoários com cílios e flagelos, diatomáceas, algas castanhas e verdes. Rotíferos, copépodos e cladóceros. Sapos, borboletas, grilos, pássaros e rãs vivendo na margem. Índios, coroando este contexto, também usufruíam desta paz. Todos em uma harmonia invejável. Coisas da natureza... A cadeia alimentar, os ciclos biológicos, o fluxo de energia, as decomposições. Tudo seguia seu ritmo.
Ao mesmo tempo havia, próximo deste cenário, uma cidade com seus distritos. Um espaço mineiro, cheio de gente esforçada, trabalhadora, humilde por natureza. Muitos "uais" e pães de queijo. Aquela fala arrastada que só os mineiros têm. Acolhidas aos visitantes, artesanato, cachaça e rapadura, manifestações de fé por todos os lados. Capelas, sítios, plantações e animais. Viviam em uma harmonia ingênua, cheios de uma certa pureza, em geral, sem acreditar que pudessem ser vítimas de qualquer desgraça.
Era uma vez, também, uma grande empresa e uma sociedade capitalista. Gente movida a ganância, gente irresponsável e de olhar rápido sobre o que de fato importa. Uma empresa grande, privatizada em tempos anteriores, que terceirizou suas responsabilidades. Fruto de algo bem maior, uma noção distorcida dos valores. O que VALE os copepodos e algas verdes para essa gente? O que VALE o doce feito no tacho, a capela e os animais? Qual a importância de toda essa calmaria e harmonia para um mercado onde o que mais VALE é o lucro, passando veloz por cima de tudo isso?
E o rio, tão limpo e tão claro, com sua foz que desaguava em um mar igualmente rico em diversidade e belezas naturais, morreu. Na verdade, foi assassinado. Os peixes coloridos, hoje são cadáveres marrons impregnados de Mercúrio. As algas não são mais verdes e os ciliados hoje não nadam mais. As larvas de insetos, não mais se tornarão parte de um ciclo. Os índios perderam seu sustento, os pássaros seu alimento. As borboletas foram embora, com medo. Os ciclos, cadeias, fluxos, se destruíram.
Vai demorar até 100 anos, disse um biólogo, para tudo isso voltar ao normal. Os estragos são incalculáveis. Disse outro. Pessoas morreram, comunidades se foram. E tentamos, apesar de tudo ser otimistas: Salvaram seis mil peixes, criaram um site de apoio, estão fazendo uma pesquisa paralela! Descobriram um jeito de tratar a água... Doaram roupas, sapatos e água. A moradora achou, toda contente, em meio a lama e o caos, uma imagem de São Bento. "É um sinal!" - disse ela cheia de fé. E assim vamos caminhando...
Seremos aquela flor que nasce no asfalto, para irritar esse pessoal de olhar cinzento cheio de cifrões. Vamos saudar nosso biólogos, vamos saudar toda a população solidária. Os bombeiros, os voluntários. O padre que abriu as portas da capela para outras manifestações religiosas. A banda de rock americana que doou seu cachê. Vamos tentando, no meio dessa sujeira IRREPARÁVEL, encontrar a doçura roubada do nosso rio e do nosso país.
Juliana Machado é Bióloga, mestre em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal - UFJF/MG. Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - UFRJ/UFF/UERJ e Fiocruz.

Acabou-se o que era doce...
Era uma vez um Rio. Era uma vez uma cidade. Dois espaços cheios de vida, vida pulsante, apesar dos pesares. Havia no rio, peixes coloridos, grandes, pequenos, de todos os tipos. Havia plantas aquáticas das mais variadas. Larvas de insetos, bactérias, protozoários com cílios e flagelos, diatomáceas, algas castanhas e verdes. Rotíferos, copépodos e cladóceros. Sapos, borboletas, grilos, pássaros e rãs vivendo na margem. Índios, coroando este contexto, também usufruíam desta paz. Todos em uma harmonia invejável. Coisas da natureza... A cadeia alimentar, os ciclos biológicos, o fluxo de energia, as decomposições. Tudo seguia seu ritmo.
Ao mesmo tempo havia, próximo deste cenário, uma cidade com seus distritos. Um espaço mineiro, cheio de gente esforçada, trabalhadora, humilde por natureza. Muitos "uais" e pães de queijo. Aquela fala arrastada que só os mineiros têm. Acolhidas aos visitantes, artesanato, cachaça e rapadura, manifestações de fé por todos os lados. Capelas, sítios, plantações e animais. Viviam em uma harmonia ingênua, cheios de uma certa pureza, em geral, sem acreditar que pudessem ser vítimas de qualquer desgraça.
Era uma vez, também, uma grande empresa e uma sociedade capitalista. Gente movida a ganância, gente irresponsável e de olhar rápido sobre o que de fato importa. Uma empresa grande, privatizada em tempos anteriores, que terceirizou suas responsabilidades. Fruto de algo bem maior, uma noção distorcida dos valores. O que VALE os copepodos e algas verdes para essa gente? O que VALE o doce feito no tacho, a capela e os animais? Qual a importância de toda essa calmaria e harmonia para um mercado onde o que mais VALE é o lucro, passando veloz por cima de tudo isso?
E o rio, tão limpo e tão claro, com sua foz que desaguava em um mar igualmente rico em diversidade e belezas naturais, morreu. Na verdade, foi assassinado. Os peixes coloridos, hoje são cadáveres marrons impregnados de Mercúrio. As algas não são mais verdes e os ciliados hoje não nadam mais. As larvas de insetos, não mais se tornarão parte de um ciclo. Os índios perderam seu sustento, os pássaros seu alimento. As borboletas foram embora, com medo. Os ciclos, cadeias, fluxos, se destruíram.
Vai demorar até 100 anos, disse um biólogo, para tudo isso voltar ao normal. Os estragos são incalculáveis. Disse outro. Pessoas morreram, comunidades se foram. E tentamos, apesar de tudo ser otimistas: Salvaram seis mil peixes, criaram um site de apoio, estão fazendo uma pesquisa paralela! Descobriram um jeito de tratar a água... Doaram roupas, sapatos e água. A moradora achou, toda contente, em meio a lama e o caos, uma imagem de São Bento. "É um sinal!" - disse ela cheia de fé. E assim vamos caminhando...
Seremos aquela flor que nasce no asfalto, para irritar esse pessoal de olhar cinzento cheio de cifrões. Vamos saudar nosso biólogos, vamos saudar toda a população solidária. Os bombeiros, os voluntários. O padre que abriu as portas da capela para outras manifestações religiosas. A banda de rock americana que doou seu cachê. Vamos tentando, no meio dessa sujeira IRREPARÁVEL, encontrar a doçura roubada do nosso rio e do nosso país.
Juliana Machado é Bióloga, mestre em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal - UFJF/MG. Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - UFRJ/UFF/UERJ e Fiocruz.
-
Acabou-se o que era doce...
Era uma vez um Rio. Era uma vez uma cidade. Dois espaços cheios de vida, vida pulsante, apesar dos pesares. Havia no rio, peixes coloridos, grandes, pequenos, de todos os tipos. Havia plantas aquáticas das mais variadas. Larvas de insetos, bactérias, protozoários com cílios e flagelos, diatomáceas, algas castanhas e verdes. Rotíferos, copépodos e cladóceros. Sapos, borboletas, grilos, pássaros e rãs vivendo na margem. Índios, coroando este contexto, também usufruíam desta paz. Todos em uma harmonia invejável. Coisas da natureza... A cadeia alimentar, os ciclos biológicos, o fluxo de energia, as decomposições. Tudo seguia seu ritmo.
Ao mesmo tempo havia, próximo deste cenário, uma cidade com seus distritos. Um espaço mineiro, cheio de gente esforçada, trabalhadora, humilde por natureza. Muitos "uais" e pães de queijo. Aquela fala arrastada que só os mineiros têm. Acolhidas aos visitantes, artesanato, cachaça e rapadura, manifestações de fé por todos os lados. Capelas, sítios, plantações e animais. Viviam em uma harmonia ingênua, cheios de uma certa pureza, em geral, sem acreditar que pudessem ser vítimas de qualquer desgraça.
Era uma vez, também, uma grande empresa e uma sociedade capitalista. Gente movida a ganância, gente irresponsável e de olhar rápido sobre o que de fato importa. Uma empresa grande, privatizada em tempos anteriores, que terceirizou suas responsabilidades. Fruto de algo bem maior, uma noção distorcida dos valores. O que VALE os copepodos e algas verdes para essa gente? O que VALE o doce feito no tacho, a capela e os animais? Qual a importância de toda essa calmaria e harmonia para um mercado onde o que mais VALE é o lucro, passando veloz por cima de tudo isso?
E o rio, tão limpo e tão claro, com sua foz que desaguava em um mar igualmente rico em diversidade e belezas naturais, morreu. Na verdade, foi assassinado. Os peixes coloridos, hoje são cadáveres marrons impregnados de Mercúrio. As algas não são mais verdes e os ciliados hoje não nadam mais. As larvas de insetos, não mais se tornarão parte de um ciclo. Os índios perderam seu sustento, os pássaros seu alimento. As borboletas foram embora, com medo. Os ciclos, cadeias, fluxos, se destruíram.
Vai demorar até 100 anos, disse um biólogo, para tudo isso voltar ao normal. Os estragos são incalculáveis. Disse outro. Pessoas morreram, comunidades se foram. E tentamos, apesar de tudo ser otimistas: Salvaram seis mil peixes, criaram um site de apoio, estão fazendo uma pesquisa paralela! Descobriram um jeito de tratar a água... Doaram roupas, sapatos e água. A moradora achou, toda contente, em meio a lama e o caos, uma imagem de São Bento. "É um sinal!" - disse ela cheia de fé. E assim vamos caminhando...
Seremos aquela flor que nasce no asfalto, para irritar esse pessoal de olhar cinzento cheio de cifrões. Vamos saudar nosso biólogos, vamos saudar toda a população solidária. Os bombeiros, os voluntários. O padre que abriu as portas da capela para outras manifestações religiosas. A banda de rock americana que doou seu cachê. Vamos tentando, no meio dessa sujeira IRREPARÁVEL, encontrar a doçura roubada do nosso rio e do nosso país.
Juliana Machado é Bióloga, mestre em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal - UFJF/MG. Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - UFRJ/UFF/UERJ e Fiocruz.