A Praça Antônio Carlos recebe neste sábado (29) uma série de apresentações artísticas, que celebram o encerramento da programação do Julho das Pretas. Além dos shows, a atividade conta com a feira de empreendedoras, que conta com 43 expositoras de vários segmentos e coroa todas as discussões, encontros, atividades e trocas que ocorreram ao longo do Mês da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.
Entre as atrações, a roda de samba da cantora Camila Pinheiro e amigos, discotecagem com os DJs Amanda Fie, DJ FaustoZ, Batuque Nelson Silva e Charmosas do Tamborim. Além de todos esses artistas, as irmãs e musicistas Alessandra Crispim e Aline Crispim apresentam o show inédito “Duafe”, às 18h. O encontro celebra o Brasil e a sua origem, que também veio da África. O espetáculo nasceu do desejo do reconhecimento da riqueza, da beleza, da cultura e das histórias do povo preto, por meio da exaltação do talento e a contribuição das vozes e composições de artistas pretos. Esse aspecto, inclusive, justifica o nome escolhido para o espetáculo. "Duafe" é um símbolo africano, Adinkra, que significa "pente de madeira". Ele significa a beleza feminina, ressalta a importância de qualidades como paciência e nos convida a voltar o olhar para a beleza interior.
Participar da programação ao lado da irmã, segundo Aline, remete à palavra acolhimento. “De ocorrer uma identificação e principalmente uma vivência de experiências que se une. E a representatividade que apresentada pelo projeto 8M que nos apresentou tantos trabalhos do povo negro da nossa cidade.”
Alessandra pontua a importância de exaltar a vivência negra na cidade. “Eu quis trazer o símbolo africano para a minha trajetória, que acredito ter sido a fé de tantas mulheres pretas. Assumir o meu cabelo natural foi e ainda é uma caminhada de redescoberta das minhas verdadeiras raízes. Hoje muitas coisas, inclusive as opressões e racismo diariamente sofridos, são assuntos muito nítidos pra mim. E eu só comecei a enxergar a partir desse resgate da África que há em mim. Hoje tem referência preta em tudo que faço, que sinto, que escrevo, que falo. Ser uma mulher preta é lindo demais. E os meus ancestrais deixaram uma história rica e tão linda, que nações passaram eras e mais eras tentando apagar... não conseguiram. É momento de fazer o caminho de volta”, afirma.
Alessandra lançou o álbum “O Peso da Pele” no início de junho e, para ela, o convite de Lucimara e de Camila Pimenta para participar do encerramento do "Julho das Pretas", além de muito especial, trouxe um presente a mais. “A oportunidade de dividir o palco com a Aline, que lá em casa foi a primeira dos irmãos a cantar e a compor. Vê-la retornando, cada vez mais, para o caminho da música é motivo de muita comemoração. E esse show é uma celebração sobre a luta, a história, a importância da mulher negra, para outras mulheres negras e na história do Brasil também.”
As irmãs cresceram na Zona Norte, no Bairro Nova Era. Para Alessandra, a arte de ambas traz muito da cultura que experienciamos e que valorizamos desde sempre nesse território. “Eu comecei no pagode e hoje faço parte de um projeto de pagode feminino. Cresci ouvindo funk e o meu álbum "O Peso da Pele" traz uma diversidade de ritmos afrobrasileiros e beats. O encontro em "Duafe" com a Aline traz essa festa do recordar e como a música preta, que sempre esteve em nossa formação, se apresenta hoje em nosso trabalho. O show tá muito bonito”, adianta.
Aline completa: “A voz da periferia tem vez!!! E a importância de se trabalhar isso nas periferias é a valorização dos nossos artistas. Nos faz lembrar dos nossos inícios nas escolas e igrejas da comunidade. E não desistir da sua arte, pois ela consegue influenciar crianças, jovens, mulheres e adultos para um caminho melhor e do bem.”
Sobre o repertório, Sandra de Sá, Dona Ivone Lara, Elza Soares, Jorge Aragão e Gilberto Gil são algumas das referências essenciais que serão homenageadas pelas irmãs, além das composições de ambas as cantoras juiz-foranas.”São canções que retratam a desigualdade social existente, o preconceito, mas canções que empoderam a mulher e geram força”, conta Alessandra, que reitera a importância da união contra todo tipo de preconceito. “A mulher é dona de seu espaço conquistado e deve ser respeitada.
E que a Mulher Negra busque cada vez mais esse empoderamento, e que seja tratado desde de infância a sua aceitação com a sua beleza, sua cor e sua ancestralidade”, mensagens que elas fazem questão de levar para o público.
Balanço positivo
Segundo a professora de História, Lucimara Reis, militante do Coletivo Pretxs em Movimento e do Fórum 8M/Juiz de Fora e doutoranda em Serviço Social pela UFJF, o balanço da programação é muito positivo. “Desde o ano passado, que foi a primeira edição, a gente tem conseguido ampliar a participação de mulheres na construção do Julho como um todo e ampliando essa participação, isso é refletido diretamente nas atividades, que vão se diversificando, vão ganhando mais público e a gente vai podendo, a partir da nossa própria fala e da nossa escuta ativa, pensar em soluções também, pensar em produzir e elaborar também, ajudar a elaborar políticas públicas.” Ela ressalta que não basta apenas
entender ou apontar as questões que nos afligem o tempo inteiro com relação às questões de raça e gênero e classe que a sociedade vive, principalmente nós mulheres negras, por isso, é preciso que as atividades possam gerar organização e produzir mudança.
Lucimara conta que o evento, desde a primeira reunião de organização, de um total de cinco, contou com mais de 50 mulheres. Em cada encontro, conforme a militante, sempre tiveram um assunto, um debate, uma proposição ou mesmo uma experiência de vida que levou a refletir sobre as ações. “No próprio acontecer do Julho, os debates foram muito ricos sobre a questão da saúde preta, que discutiu a questão da saúde da mulher, da mãe, da rede de apoio, das ações de saúde que às vezes não levam em conta as nossas particularidades enquanto mulheres negras. A questão da tributação, que é um debate da conjuntura nacional que hoje está pegando muito. Acabou de ser aprovada uma reforma, uma reforma possível, mas quais são as questões que nos afligem enquanto base da pirâmide? enquanto consumidoras, quais são os recortes possíveis? quais são os avanços que a gente ainda pode pleitear na regulamentação da reforma tributária, que pode nos ajudar nesse processo de reparação e também de transferência de renda?”
Ela pontua a importância de pensar essa conjuntura, por que é preciso pensar em formas de combater as desigualdades, como a isenção de produtos que a classe consumidora compra e utiliza como um todo e a taxação das grandes fortunas, taxar produtos de alto valor. “Isso também é um processo que garante que o fundo público tenha dinheiro para poder fazer as políticas públicas. Não tem essa conversa de que quando você isenta produtos que são essenciais para a população, você retira do Estado a possibilidade de reinvestir na sociedade como um todo. Existe de onde tirar através inclusive da própria tributação essas possibilidades”. Esses foram alguns dos temas trabalhados, além do reconhecimento da própria história. Como a conversa com a escritora Conceição Evaristo sobre a ‘escrevivência’, incluindo, também o debate da nossa identidade através da ancestralidade, das manifestações artístico-culturais. “A gente tem um balanço bem positivo, mas esse balanço ainda vai acontecer de forma coletiva após o término do julho. Foram debates muito ricos.”
De acordo com a presidente do Conselho Municipal de para a Promoção de Igualdade Racial (Compir), Marilda Simeão, que também é militante do Movimento Negro Unificado (MNU), pedagoga, especialista em História da África e mãe de Olívia, avalia que, a partir dos debates levantados, foi possível entender que a sociedade juiz-forana ainda tem uma longa caminhada para se tornar uma cidade mais igualitária.
“Pois os temas como saúde da população negra, maternidade, mobilidade urbana, moradia, sistema tributário e cultura são todos atravessados pelo racismo e o machismo. Para pensar em Estado Democrático de Direito temos que ter como linha de frente o combate ao racismo”, destaca Marilda. Ainda conforme a presidente do Compir, as ações do Julho das Pretas permitiu o movimento estar na agenda cultural da cidade, com a garantia de plenários que serão realizadas ao longo do ano. “O primeiro passa será uma reunião ampliada, com todos e todas que participaram, da construção do julho das Pretas, para que possamos ,juntos refletir e construímos propostas de políticas públicas para todos e todas”.
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