Nome do Colunista Juliana Machado 28/06/2016

O jogo do bicho

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Onças-pintadas, jacarés, botos-cinzas, gorilas, botos-cor-de-rosa. Façam suas apostas ilegais nos números que representam estes animais. Estes e tantos outros. Quanto valem essas vidas? São números, moedas, apostas, fotos no Instagram e frases feitas. Aposte! Você pode ganhar um passeio em um zoológico nos Estados Unidos ou quem sabe um passeio na Disney? Pode desfilar com a tocha olímpica, pode nadar com o boto, pode fazer pesca imoral. Pode fazer o que você quiser na verdade, afinal, você é da espécie humana! Parabéns! Tem gente que se atreve a dizer que também somos animais. Como pode tamanha ofensa? São os tais biólogos, ecólogos, ambientalistas. Não sabem de nada, não entendem a hierarquia. Somos os de cérebro evoluído, os cheios de cognição e raciocínio. Temos moralidade, sentimentos e emoções. Bilhões de neurônios, fala e cultura. Somos demais, somos os melhores...

Uma pena que tenham atirado no gorila, mas ele mereceu. Quem mandou arrastar o pobre filhote de humano pela sua jaula estéril e artificial? Mereceu. Isso não se faz. Na hora de escolher, é claro, mata-se o primata (mas qual?). Vamos salvar o humano! Castigo merecido. Muito triste o que o jacaré fez com aquela criança na Disney. Fiquem longe dos jacarés! São maus, devem ser mortos e virar bolsa, isto é bem melhor. E o boto-cor-de-rosa? Que gracinha! Vamos adestrá-lo, vamos nadar com ele? Tirem fotos! Vamos ganhar muitas curtidas no Facebook! O boto-cinza, coitadinho, foi achado morto na Baia De Guanabara. Tinha marcas de rede de pesca. Um absurdo esses pescadores, mas e a carne, será que é gostosa? A onça estava tão feliz no cativeiro e foi morta. Desnecessário... Mas também em meio ao barulho e alvoroço da passagem da tocha olímpica, ela se descontrolou e ia atacar o soldado. Morreu porque não soube se comportar. Se tivesse ficado quietinha isso não tinha acontecido... Estes animais não humanos ainda vão aprender conosco a se comportar, a pensar, a se submeter, a deixar de serem maus...

Cédulas, horários, fotos, vidas rápidas e vazias, onde não há espaço para ética, para reflexão, para compaixão, para empatia. Há que ser veloz, empreender, vender, crescer, otimizar o tempo e o espaço. Otimizar o lazer, se cansar e buscar nova diversão. Novo tesão, nova emoção. Os não humanos estão aí com esta finalidade. Entretenimento, alegria, submissão. Vamos jogar, faça suas apostas! Qual o próximo bicho da vez? Quem é que vai ganhar? Vamos celebrar...

Observação: A quem interessar, este texto foi escrito utilizando o artifício da ironia.


Juliana Machado é Bióloga, mestre em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal - UFJF/MG. Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - UFRJ/UFF/UERJ e Fiocruz.

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