Todo cuidado é pouco
O mês de janeiro fez jus à fama de desastroso e desabrigou muita gente com as chuvas. Deslizamentos de terra, enxurradas e o negativo recorde de mortes na região serrana do Rio de Janeiro estão na contabilidade das enchentes deste início de ano. Em Minas Gerais, centenas de cidades decretaram estado de emergência e, em casos mais graves, o de calamidade. Com tanto caos instalado, acredito, humildemente, que o momento agora é de todo cuidado. E todo cuidado é pouco...
Não é momento de se caçar bruxas e de se credenciar toda a responsabilidade. Inferir a responsabilidade ao estado pela ocupação dos terrenos em áreas perigosas e sem condições de habitação? Inferir a responsabilidade a quem busca moradia nessas áreas por não ter onde morar? Inferir responsabilidade à mãe natureza? – Questões bastante complexas para se discutir em uma lauda, já que necessitam de cuidado, muito cuidado, e é nisso que vou me pautar por aqui...
Que o estado precisa de cuidado com a questão da habitação, isto é fato. Todo ano, temos notícias dos desastres de janeiro, que migram de local, mas que trazem resultados bastante similares. Já foi na Ilha Grande, em Niterói, no Sul e no Leste de Minas e, agora, atinge mais drasticamente, Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis. Não há que se esperar a mudança da rota das chuvas e os seus estragos, mas antecipar as medidas cabíveis, durante o período de estiagem. E olha que tivemos seca nessas regiões em boa parte de 2010. Dá até pra pensar que algumas tragédias pudessem ser evitadas, ainda que, parcialmente...
Como desapegar do que construímos durante uma vida? Como deixar de lado o mundo que levantamos, com seus bens materiais e sentimentais, pela promessa, se é que ela existe, de um lugar seguro para habitar? – "Mas, a casa está caindo..." – Não pensem que esta é uma fácil decisão. Pregar o desapego, morando em algum lugar seguro e tranquilo dá uma base racional bem mais razoável do que para quem não tem outra perspectiva, senão a moradia nas encostas e nas proximidades dos leitos do rio. Acaba se tornando, caso de vida e morte, literalmente, a decisão de partir, antes que a construção desabe com a chuva...
Lembra daqueles hidrocarbonetos liberados no ar por aquela indústria? Lembra daquele efeito estufa nosso de cada dia? E aquele papelzinho de picolé maroto que você jogou na boca de lobo? – Não foi isso e nem aquilo que provocou mais essa tragédia de janeiro, mas, provavelmente, tudo isso junto. É como se a mãe natureza fosse provocada durante o ano inteiro, por nossa falta de cuidado e, porque não dizer, petulância, perante a ela. Não vai ser simplesmente com a sacola ecológica que você leva ao supermercado, que tudo vai se resolver. É preciso mais. A começar pelos peixes grandes desse mar, ou seja, os grandes industriais, que tem que se mover em torno da redução dos índices de poluição. Lembre-se bem: todo cuidado é pouco.
As promessas por um mundo melhor, típicas do início do ano, vêm sendo ceifadas, anualmente, pelas chuvas de verão e seus estragos. Mais do que mero acaso, vejo nisso, um sinal. A mudança, que pretendemos dentro da gente a cada novo ciclo, deve encontrar sustentáculo firme no ambiente em que vivemos. E isso é responsabilidade de todos. O que nos resta, por ora, é ajudar aos sobreviventes da tragédia e cuidar para que toda colaboração chegue ao destino certo, isto é, para quem mais precisa. Até nisso, é necessário cuidado: tem muito charlatão por aí.
Juliano Nery pretende iniciar a separação do seu lixo doméstico ainda este mês, em prol de uma melhor relação com a mãe natureza.
Juliano Nery é jornalista, professor universitário e escritor. Graduado em Comunicação Social e Mestre na linha de pesquisa Sujeitos Sociais, é orgulhoso por ser pai do Gabriel e costuma colocar amor em tudo o que faz.
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