Cativeiro l?quido: Somos contra

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Cativeiro l?quido: Somos contra
 Juliana Clemente 24/01/2014

Cativeiro líquido: Somos contra

"[...] Não há como justificar a manutenção de zoos, aquários, parques de diversão e similares, nos quais os animais são violados em sua liberdade, em seu éthos, para que humanos entediados tenham alguns minutos de contemplação de algo que sequer é expressão da natureza. Esses animais são uma mostra do quanto o humano pode atrofiar o espírito dos indivíduos de todas as espécies ao confiná-los para servirem de distração ao nada respeitoso público[...]." (Sônia T. Felipe, 22 de julho de 2013, Texto "Animalismo Libertário". Fonte: Anda – Agência de notícias de direitos dos animais).

No primeiro texto deste ano, gostaria de falar sobre uma proposta que está em andamento no nosso país e que versa sobre a construção de um aquário de visitação pública na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Para isto vou usar este espaço para divulgar uma carta aberta escrita pelo grupo de estudos em ética animal do qual faço parte. O objetivo desta carta é expor o projeto em questão e manifestar nossa contrariedade quanto a esta proposta. Aqueles internautas que se sentirem motivados estejam à vontade para divulgá-la. Espero causar uma reflexão em todos os leitores, sobre um assunto que não é e dificilmente será divulgado na mídia...

CARTA ABERTA DE PESQUISADORES EM ÉTICA ANIMAL SOBRE A CONSTRUÇÃO DO AQUARIO MARINHO DO RIO DE JANEIRO (AquaRio)

O Aquario marinho do Rio de Janeiro (AquaRio) é um projeto privado que visa a construção de um aquário de visitação pública. A localização do empreendimento será na área do Porto do Rio de Janeiro (RJ), no prédio da ex-CIBRAZEM (Companhia Brasileira de Armazenamento). Segundo o site oficial, a inauguração do aquário está prevista para Julho de 2014, embora outras fontes informem que tal inauguração será em abril de 2015 (Reportagem do Jornal O Globo, 26/12/2013). O projeto foi aprovado por meio do DECRETO nº. 27.770, de 30 de março de 2007, ainda no governo do prefeito César Maia. Em setembro de 2009, o prefeito Eduardo Paes assinou o acordo de patrocínio autorizando a construção do aquário.

O objetivo deste projeto é desenvolver atividades de lazer, pesquisa, conservação e educação ambiental, contando ainda com um espaço para recuperação da fauna marinha. O aquário será composto de 12 mil animais e 400 espécies expostas para os visitantes que poderão mergulhar e interagir com alguns dos animais (arraias, tubarões e outros peixes). Entre as espécies que farão parte do aquário há lobos-marinhos e pinguins, além de peixes, répteis e anfíbios do Pantanal e da Amazônia. A reportagem supracitada do Jornal O Globo, informa que parte dos animais do aquário será pescada ou comprada no comércio internacional. Há também espécies que serão trocadas com outros aquários de outros países.

Tendo exposto as informações relativas ao projeto, o objetivo desta carta aberta é tornar pública a nossa discordância frente à condução deste projeto. Apesar de oficialmente ser apresentado como uma proposta que visa, além de turismo e lazer, também a conservação e a educação ambiental, algumas lacunas significativas impedem, sob nosso ponto de vista, que o projeto alcance o objetivo ético a que se propõe.

Em primeiro lugar, não existe informação oficial sobre a fonte de cada um dos animais que farão parte do aquário. Isto é preocupante, pois, se estes animais serão pescados, comprados ou trocados com outros aquários, como ressalta a reportagem do Jornal O Globo aqui citada, então há um erro moral significativo já no início da construção do aquário. A retirada de animais de vida livre e o aprisionamento dos mesmos em cativeiro para a formação de um espaço de lazer e entretenimento é contra os preceitos da ética animal, uma área de estudo da bioética que se desenvolve fortemente desde a década de 70. Entende-se que estes animais têm interesses em continuar vivendo no hábitat natural a que pertencem e que qualquer outra condição contradiz tais interesses, afetando seu bem-estar e infringindo o seu direito de liberdade. Como agentes morais que nós humanos somos, é nosso dever agir de tal modo que os animais tenham esses interesses garantidos. Portanto, somos contra a retirada de quaisquer animais de vida livre para o cativeiro. Igualmente, a compra e troca de animais faz com que retiremos dos mesmos o status de seres que merecem consideração moral, para os colocarmos na condição exclusiva de objeto, mercadoria. Esta percepção também é contrária ao que é preconizado pelos fundamentos da bioética e da ética animal, já que entende-se que animais não são coisas e portanto não devem ser trocados ou comprados. Por último, estas ações banalizam o cativeiro como sendo aceitável e até mesmo desejável. Como falar de educação ambiental frente a este cenário? A princípio nos parece incoerente a defesa de que o aquário promoverá a conservação e a educação se ao mesmo tempo desconsidera os seus princípios básicos e as noções mínimas de bioética e ética animal.

No que diz respeito à questão ambiental, também existe no projeto uma incoerência, pois os princípios de conservação se opõem à retirada de animais de vida livre já que tal ação pode gerar um impacto no ecossistema do qual fazem parte. A proposta de recuperação de fauna marinha, por outro lado, é bem vista, mas novamente, deve ser coerente com os demais preceitos de conservação ambiental.

A construção deste empreendimento vai na contramão do que acontece ao redor do mundo. A população de vários países, como Japão e Ucrânia, já se manifestou contra a existência de aquários similares aos que se pretende construir no Rio de Janeiro, criticando o cativeiro e a noção deturpada de entretenimento. Outros aquários brasileiros, já existentes ou em fase de construção, também são criticados. As críticas destacam o estresse que os mergulhos com os animais causam nos mesmos, a cruel redução de espaço quando se compara a vida livre com o cativeiro e a possibilidade de direcionar o dinheiro de tais obras para outras necessidades mais urgentes para as cidades na perspectiva de seus habitantes.

Assim, sob o ponto de vista da ética animal e da ética ambiental, reforçamos que somos contra o projeto do AquaRio em seu estado atual. Desejamos que as obras sejam paralisadas e o projeto rediscutido. Discordamos da captura de animais do seu hábitat, da compra e troca de indivíduos e do aprisionamento dos mesmos em cativeiro.

Abaixo segue o nome dos pesquisadores que elaboraram esta carta e que estão de acordo com a mesma. Todos são vinculados ao Programa de Pós-Graduação em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva (Associação ampla UFRJ, UERJ, UFF, Fiocruz) – Rio de Janeiro (RJ):

Juliana Clemente Machado; Frank Alarcón; Izabel Christina Pitta Pinheiro de Souza Melgaço; Rita Leal Paixão e Maria Clara Marques Dias


Juliana Machado é Bióloga, mestre em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal - UFJF/MG. Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - UFRJ/UFF/UERJ e Fiocruz.