Juliana Machado Juliana Machado 10/09/2013

Um olhar sobre os "Ecochatos"

bagUma rede de supermercados conhecida andou divulgando uma proposta interessante, por meio de um jingle grudento. A cantora tem uma voz persuasiva e uma imagem que tem tudo a ver com o assunto: sustentabilidade. Clarice Falcão já havia protagonizado outra propaganda da mesma rede, em que convida as pessoas a refletir sobre o que as faz feliz, um assunto que por si só já dá muito pano para a manga. Nesta segunda propaganda, o supermercado convoca seus consumidores a devolver as embalagens dos produtos que lá compram, já que muito provavelmente não vão fazer nada com elas. A empresa se encarrega de dar um destino adequado às embalagens, em geral a reciclagem, o que é algo muito nobre, caso de fato aconteça.

Mas o que me chama a atenção na propaganda - e que é o centro da minha reflexão aqui - é a desafortunada expressão "ecochato". O jingle faz um trocadilho com essa palavra bastante conhecida e inventada por algum piadista por aí, dizendo: "Nem todo eco é chato, chato é o eco que repete. Só que a gente não é ecochato". Achei graça. E fiquei meio triste ao mesmo tempo. Porque, venhamos e convenhamos, se você é biólogo, veterinário, gestor ambiental, ecólogo e cia., você sabe: É só abrir a boca para falar do seu tema de trabalho que a cara dos seus amigos será de "lá vem o ecochato". Mas talvez você seja um cidadão que desempenha alguma outra atividade profissional, embora ainda assim seja vegetariano ou defenda a preservação da natureza, separe o lixo ou apague a luz, feche a torneira, use sacolas de compra sustentáveis ou devolva as embalagens descartáveis para alguma rede de supermercados. Não importa. Se além de realizar qualquer uma destas ações, você também inventar de promover a importância moral que elas têm, você igualmente será vítima da cara de "lá vem o ecochato". É inevitável. Vai acontecer. Se ainda não aconteceu, esteja avisado.

Mas eu fico aqui me perguntando o porque dessa reação, o porque dessa expressão. De fato acho que existem momentos adequados para tocar em certos assuntos eco ou chatos. Há quem exagere, perca o senso ou essa noção de momento ideal para falar sobre as coisas. Uma abordagem precisa, na hora certa, faz milagres, mas o contrário também pode acontecer. Você pode perder uma grande chance de motivar um "não-eco" a vir a ser um, por simples falta de sensibilidade, de paciência, de entender a visão do outro, de ouvir e argumentar em paz, sem querer matar o companheiro. Mas somos humanos e logo esse erro é um risco que você corre, acontece com todo eco, não se culpe. Ajuda se a gente lembrar, aceitar e compreender que as pessoas são heterogêneas e reagem diferentemente à escolha que o outro faz. Esta reação distinta se deve a diferenças culturais, psicológicas, sociais, religiosas e a uma série de outras influências que se interconectam. Assim, penso que não vai adiantar muito sair agredindo todo mundo por aí com o argumento da preservação da natureza. Obviamente, esta é a minha mais que humilde opinião e há quem discorde bravamente, o que eu respeito.

Porém, também não acho que o silêncio é a melhor saída. É preciso falar sobre essas questões, refletir sobre nossa vergonhosa atuação no mundo, pensar e agir para mudar o rumo desta nossa sociedade consumista enlouquecida. É grave pensar que milhares de seres humanos não entendem que os nossos recursos têm um fim, que a grande maioria dos animais sente dor, frio, fome e medo, e que a natureza já não tolera mais o nosso irritante parasitismo: vai nos aniquilar logo, logo. E é o tal ecochato, caros leitores, que está tentando fazer alguma coisa para melhorar o planeta no qual VOCÊ também vive. O mar que ele protege, a água que ele economiza e a árvore que ele abraça, são de interesse comum e não só do pobre e infeliz ecochatíssimo. E não adianta achar que o tema ecologia e meio ambiente é coisa de biólogo alienado, ou que isso é um gosto exótico. Há quem pense que gostar de ecologia é como gostar de rock, de samba ou de futebol: uma simples opção de gosto, nada mais. Isso é triste porque enquanto a preocupação com o meio ambiente for vista apenas como uma escolha ou uma excentricidade, nada tende a mudar de fato. E acho que é hora de dar mais valor aos ecochatos, porque eco, da palavra ecologia, vem do grego e significa casa. E no fim das contas esse eco tão, tão chato, está sendo o cão de guarda da SUA casa também...


Juliana Machado é Bióloga, mestre em Ciências Biológicas - Comportamento e Biologia Animal - UFJF/MG. Doutoranda em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - UFRJ/UFF/UERJ e Fiocruz.

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