Paula Faria Paula Faria 25/05/2015

Sobre os primeiros capítulos de "I Love Paraisópolis"

A inesquecível Soraya Montenegro, interpretada por Itatí Cantoral em "Maria do Bairro", é uma das minhas vilãs favoritas, mas Soraia Brenner, vivida por Letícia Spiller em "I Love Paraisópolis", apesar de também ser caricata e maquiavélica, não me convenceu, pelo menos até o momento. A nova novela das 19h da Rede Globo, ao que tudo indica, vai investir na figura da vilã-megera, o que pode não dar tão certo.

Por que a famosa vilã mexicana fez e faz tanto sucesso? Porque, mesmo recorrendo a todos os clichês do melodrama, ela se destacou, tornou-se única por sua psicopatia e pela prática do mal pelo mal tão exageradamente que se tornou inesquecível. Qualquer pessoa que goste um pouco de telenovelas sabe muito bem quem é Soraya Montenegro. E é claro que a "trilogia das Marias" não seria reprisada tantas vezes se não tivesse bons resultados.

Então, não mais que de repente, os autores Alcides Nogueira e Mário Teixeira, acompanhados pelo badalado diretor Wolf Maya, aparecem às 19h, com uma heroína sofrida e uma vilã-bruxa, numa proposta bem perigosa para o horário já tão conhecido por novelas com temáticas ligadas ao humor. Bruna Marquezine já vem treinando, desde a infância, a arte de ser uma mocinha chorona. Portanto, se sairá muito bem nesta missão, apesar de sua primeira aventura como protagonista, em "Em Família", de Manoel Carlos, não ter dado certo em termos de audiência e de crítica. Já a personagem de Letícia Spiller, entre as antagonistas a que mais chamou atenção na primeira semana da trama, precisa urgentemente encontrar uma forma de "fazer mais graça", pois Tatá Werneck não vai segurar sozinha a responsabilidade pela comicidade de uma novela inteira.

Pelo que tenho lido, esta seria, a princípio, uma novela das 18h, mas a direção artística da Rede Globo teria remanejado seu horário por considerar o enredo cômico. Mas como pode ser cômica a história de uma mocinha órfã e desempregada que vive numa favela e sonha em ter uma oportunidade indo para os Estados Unidos, mas acaba sendo deportada e é vítima do preconceito da classe mais abastada? Certamente o contraponto se dá com a participação da humorista Tatá Werneck, que vive a personagem Danda, irmã de criação da protagonista Marizete. Tatá é um elemento movimentador do núcleo protagonista e, certamente, cumprirá o papel de acrescentar uma boa dose de humor à trágica rotina de Marizete. Mas, como foi dito, uma novela cômica não se faz com uma só atriz.

Acredito que, nos próximos capítulos, Letícia Spiller, que tem uma certa experiência com personagens cômicas, conseguirá encontrar o tom certo para compor Soraya e vai acabar se distanciando do estereótipo de Soraya Montenegro. Isto, diga-se de passagem, foi o que aconteceu com Cláudia Raia, na recém-terminada "Alto Astral": sua personagem Samantha Paranormal começou muito caricata, bastante sem graça e, é claro, malvada. Porém, ela conseguiu ajustar a caricatura e se tornou uma daquelas vilãs queridinhas do público, chegando a comprar o Parque do Ibirapuera e construir nele seu palácio de rainha brasileira, no capítulo final da trama. Cláudia Raia começou cômica demais. Letícia Spiller, cômica de menos.

Por outro lado, "Alto Astral" também tinha um vilão maquiavélico despropositado. Thiago Lacerda foi a prova de que os vilões ao estilo mexicano não estão ultrapassados. Depois de muitas críticas à sua interpretação em telenovelas anteriores, o ator fez por merecer e se saiu um belo antagonista. E, por falar em rostinhos bonitos, seu "correspondente" em "I Love Paraisópolis", o personagem Grego, vivido por Caio Castro, também tem se saído bem. Ele tem tudo para ser um grande anti-herói e é um dos poucos personagens que conseguiu, já nos primeiros capítulos, incorporar o sotaque paulistano sem parecer tão artificial.

A propósito, merece aplausos a preocupação com o sotaque dos personagens. Esta é uma das características mais perceptíveis para o telespectador já tão acostumado ao sotaque e às gírias cariocas, já que há, desde sempre, a predominância da chamada "Cultura Zona Sul" nas telenovelas da Rede Globo. Contudo, o ensaiado jeito de falar paulistano não soa tão natural na maioria dos personagens de "I Love Paraisópolis". Talvez seja só uma questão de tempo.

É claro que não se pode avaliar uma novela com base apenas nos primeiros capítulos exibidos. Mas, ao que tudo indica, "I Love Paraisópolis" tem os ingredientes para ser bem sucedida. Segue minha lista de apostas:

  1. A atuação de Caio Castro, que, finalmente, está sendo convincente e deve conquistar o público, que comprará sua história de amor não correspondido pela protagonista Marizete;
  2. O mordomo-capacho Júnior, vivido por Frank Menezes. Apesar de ser mais um entre tantos mordomos caricatos de telenovelas, ele é uma figura interessante por idolatrar a patroa Soraya na presença dela, mas fazer caretas e se vingar das humilhações a que é submetido desviando o dinheiro que recebe para as despesas da casa. Este personagem traduz a velha polaridade entre ricos e pobres, já que vive no bairro do Morumbi e nega suas origens humildes;
  3. Também deve ganhar destaque ao longo da trama o incorruptível Cícero (Danton Melo), com diversas situações engraçadas devido à sua paixão por Pandora (Tatá Werneck);
  4. E, para finalizar, é claro que as brigas do casal Eva (Soraya Ravenle) e Juju (Alexandre Borges) devem dar o que falar.

Enfim, não existe receita fechada para produzir uma trama de sucesso, porém, nada nos impede de criar expectativas. Como bons noveleiros que somos, vamos acompanhar o desenrolar do enredo e verificar se nossas apostas se cumprirão.


Paula Faria é jornalista e mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, além de especialista em TV, Cinema e Mídias Digitais, pela mesma instituição. Também é publicitária pela Faculdade Estácio de Sá e desenvolve pesquisas relacionadas à comunicação, cultura e identidades, mais especificamente sobre ficção seriada televisiva e música popular brasileira

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