SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Dragões cortam o céu azulado e voam ameaçadoramente em direção a torres altas e acastanhadas, como se estivessem prontos para atacar. Já vimos essa cena antes, quando Daenerys botou fogo em toda Porto Real, na violenta e traumática despedida da série "Game of Thrones" --que chegou ao fim em maio de 2019 deixando o público órfão.

Agora, no entanto, as criaturas aladas só passeiam de forma amigável sobre a capital dos Sete Reinos, já que são os seus donos, os Targaryen, que estão no comando do universo de fantasia que recebe a trama de "A Casa do Dragão", derivado que chega nesta semana à tela da HBO Max.

Isso não quer dizer que são tempos de paz e harmonia nos Sete Reinos --pelo contrário. Sentar no Trono de Ferro por tanto tempo só alimentou a ganância da família que tem como marca os cabelos platinados. Em "A Casa do Dragão", seus membros brigam entre si quando o rei Viserys precisa determinar quem assumirá a coroa quando ele morrer.

A trama se passa dois séculos antes dos eventos de "Game of Thrones" e opõe dois lados --o primeiro é o do irmão do rei, um sujeito narcisista e inconsequente, e o segundo é o de sua filha, justa e bondosa. Vale lembrar que Daenerys também começou sua jornada assim, mas lá para a última temporada estava completamente embriagada por sua sede de vingança.

"Eu acho que elas são parecidas por causa das circunstâncias em que estão, por causa da maneira como veem o mundo e como são frequentemente questionadas por isso. Mas a Rhaenyra encontra menos resistência", diz uma de suas intérpretes, a atriz Milly Alcock, numa entrevista feita por videoconferência.

Como nas novelas da TV Globo, "A Casa do Dragão" é dividida em duas fases. Na primeira, a protagonista é adolescente e ainda vive na sombra da possibilidade de o pai ter um herdeiro homem.

Na segunda parte da trama, a atriz Emma D'Arcy, mais velha, assume a personagem já como favorita ao trono. Se tudo correr como esperado, ela se tornará a primeira rainha dos Sete Reinos --mas nem todos os machões ao redor estão dispostos a ser comandados por uma mulher.

O tio da personagem, Daemon Targaryen, se aproveita da situação, criando a faísca que impulsiona esta que deve ser uma nova "guerra dos tronos" --nome brasileiro, mas nunca adotado de fato, de "Game of Thrones", o que pode voltar a acontecer com "House of the Dragon".

"Tudo na história sempre foi movido por poder, desde o princípio. É algo intrínseco aos humanos. Nós sempre precisamos de alguém no comando", diz Paddy Considine, intérprete do rei Viserys. "Então nós olhamos para trás, olhamos para o hoje e nos perguntamos o quanto o mundo realmente evoluiu."

Se a ideia de Considine é que "A Casa do Dragão", em sua ambientação de fantasia medieval, seja como um espelho da nossa sociedade, então a resposta para a sua provocação é que o mundo vai mal. Isso porque a nova série segue a cartilha de violência, machismo e corrupção que ajudou a fazer de "Game of Thrones" não só uma das séries mais vistas da história da televisão, como também uma das mais polêmicas.

Espere por palavrões, nudez, sexo, agressão, tortura e sangue --muito sangue-- já no primeiro episódio da nova série. O único elemento controverso e onipresente na antecessora que não deve reaparecer são as cenas de estupro --produtores, diretores e atores estão se contradizendo em eventos de divulgação, mas a palavra da HBO é a de que esse tipo de violência vai ser abordado, mas não mostrado.

São temas importantes para se discutir em cena, acredita o elenco, já que "coisas terríveis acontecem na vida real", segundo diz Considine. "Só porque não acontece na sua vida, não quer dizer que não esteja acontecendo na esquina. Pensar assim é errado. É importante mostrar conteúdo explícito, desde que seja bem executado, porque esse tipo de situação impacta a trajetória dos personagens."

Numa amostra de sua personalidade atroz, por exemplo, Daemon comanda uma cruzada por Porto Real, em que soldados caçam gente pobre, rotulada de criminosa. Ele enterra sua espada na barriga de um sem-número de homens, corta mãos e, por fim, abaixa as calças de um rapaz para arrancar seu pênis. A câmera observa tudo por trás de suas nádegas, até se voltar ao membro decepado e ensanguentado no chão.

Virilidade, e não monstruosidade, é a palavra que o personagem, anfitrião de festinhas em bordéis, cola a si próprio. Mas, numa outra cena, vemos essa potência se dissipar. Daemon está transando com uma mulher, até que ela se cansa de suas tentativas de ficar ereto e ele mergulha numa melancolia profunda, assombrado ainda pela possibilidade de não se tornar rei.

A cena pode até ser importante para entender a complexidade do personagem, segundo o ator Matt Smith, embora não tenha sido agradável de filmar. Ele vem dizendo a jornalistas que "A Casa do Dragão" tem cenas de sexo demais, mas já rolam nos bastidores notícias de que a produção da série teria dado um puxão de orelha nele por causa das reclamações.

Se deu, foi antes de sua conversa com este jornal, em que o ator afirmou que não sabe dizer se a série é explícita demais, mas que "aquele é o mundo que ela representa, uma sociedade violenta e brutal". Ele, no entanto, foge das rédeas da HBO para comentar especificamente sua transa frustrada sob a luz de velas.

"Para ser sincero, eu não amo aquela cena. Eu não gosto da maneira como ela foi filmada, mas era daquele jeito que queriam. Eu sinto que havia uma forma mais profunda, interessante de contar aquela história física entre os dois personagens", afirma o ator britânico, que faz um complicado malabarismo com o lençol para não deixar seu pênis à mostra --vale dizer que "Game of Thrones" já foi criticada por mostrar seios e vaginas de mais e genitais masculinos de menos.

"A Casa do Dragão" promete trazer várias discussões para o espectador e, a julgar pela expectativa que a aguarda, deve ainda se tornar um dos grandes fenômenos televisivos do ano --fruto de uma cuidadosa ampliação do universo literário criado pelo escritor George R. R. Martin, depois que a HBO chegou a descartar uma série derivada que já tinha um episódio gravado por cerca de US$ 30 milhões.

O elenco parece estar ciente de seu potencial --tanto para o sucesso, quanto para o fracasso, ainda é cedo para saber-- e lembra, repetidamente, outra série, "Succession", e sua suja politicagem familiar como uma inspiração para a nova trama fantástica.

Esse drama é hoje o queridinho das premiações e a menina dos olhos da HBO, títulos que "A Casa do Dragão" pode tentar usurpar, num paralelo com esses universos em que irmão puxa o tapete de irmão.


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