NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) - O escritor Salman Rushdie acompanhava da cama do hospital na Pensilvânia, na manhã desta sexta-feira, enquanto um a um, seus amigos nas artes e literatura iam ao microfone homenagear o escritor gravemente ferido num ataque no estado de Nova York, na sexta anterior (12).

O tributo Stand With Salman, na escadaria da sede da Biblioteca Pública de Nova York, teve a presença de centenas de pessoas --muitas que, provavelmente, não souberam com antecedência do evento organizado nesta semana.

Entre os participantes das leituras estiveram autores como Paul Auster, Siri Hustvedt, Colum McCann, Gay Talese, Hari Kunzru, Tina Brown e o ator e comediante Aasif Mandvi. Os escritores e artistas leram passagens da obra literária de Rushdie, depois de mandar uma mensagem de afeto e encorajamento para o amigo.

Rushdie vai enfrentar um longo período de tratamento e pode perder um olho, como resultado das dez facadas que levou de Hadi Matar, um americano muçulmano de família libanesa que parece ter sido motivado pela fatwa do governo do Irã contra o escritor, por causa do livro "Os Versos Satânicos", publicado em 1988.

Havia forte presença policial na calçada da Quinta Avenida, no centro de Manhattan, com cães farejadores e viaturas ao longo do quarteirão. Além de destacar a coragem e independência de Rushdie, que passou quase dez anos sob proteção da polícia britânica, alguns escritores chamaram atenção para o momento do ataque quando os EUA enfrentam uma onda de intolerância após o governo Trump.

Salman Rushdie mora em Nova York há 22 anos, período em que circulou sem segurança e era presença obrigatória em festas, não só literárias, como da alta sociedade local.

"Ele nunca mencionou temor por ameaças, nas décadas em que nos tornamos amigos," diz à Folha o romancista irlandês Colum McCann, autor de "Deixe o Grande Mundo Girar", que se confessa em estado de choque pelo ataque. "Se alguém deve falar sobre este episódio é o próprio Salman."

Paul Auster, autor de "A Trilogia de Nova York", não sabe quando poderá se reunir com o amigo. "Ele não é jovem, tem 75 anos, e o caminho da recuperação vai ser árduo."

Andrew Solomon, de "O Demônio do Meio-Dia", conhece Rushdie há 30 anos e não se surpreende com o ataque no contexto americano. "Assaltos à liberdade de expressão só aumentam e vivemos num país com intolerância crescente, da direita e da esquerda."

Solomon comentou sobre o dilema da segurança em torno de artistas. Ele acha que o aparato policial, como nos aeroportos, é "teatro de segurança". E lembra que os festivais de artes, como o que estava em curso na Pensilvânia, quando Rushdie foi atacado, são preciosos por oferecer contato entre artistas e seu público.

O ator e comediante Aasif Mandvi, cidadão britânico nascido em Mumbai, como Rushdie, diz que sentiu horror ao ler a notícia do ataque e começou a questionar se não teria havido complacência sobre os riscos que o amigo corria. Mandvi não tem mais uma rotina de shows ao vivo de stand-up, mas acredita que seus colegas vivem sob o temor da reação de quem não gosta do que vão dizer. Ao mesmo tempo, diz, sobre a preocupação com segurança, "é preciso não deixar os lunáticos no controle do asilo."

Em 2017, quando Trump já morava na Casa Branca, um episódio da série "Segura a Onda" teve como trama uma fatwa contra o protagonista Larry David. Apavorado, ele procura Rushdie, e é tranquilizado pelo escritor.

Não se pode parar de viver, aconselha Rushdie, que leva David a um restaurante, sem disfarce ou segurança. Ele quer provar que um escritor sob ameaça de morte consegue namorar mais mulheres jovens e bonitas porque a aura de perigo é um estímulo sexual. David logo atrai atenção de uma loura estonteante e Rushdie se retira discretamente.

O humor é bálsamo e resistência contra a arbitrariedade de tiranos e fanáticos. Mas, assistindo de novo às cenas de Rushdie com David, é difícil não fazer uma pausa para perguntar, os americanos estavam rindo de qual tirania?


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