SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Longe da volatilidade do mercado de capitais, os colecionadores são só sorrisos. Eles encontram na arte um investimento seguro em tempos de crise política. Ao que indica o número de feiras, todo o otimismo que falta a outros setores da economia se materializou em quadros, esculturas e instalações.
Segundo o site americano ArtNet, serão 70 feiras em todo o mundo até o fim deste ano, o que retrata a crença de um 2022 bastante auspicioso para a turma dos galeristas.
De acordo com um estudo da britânica ArtTactic, 47% dos especialistas do setor acreditam no crescimento das vendas até o fim do ano. Nesse contexto, a SP-Foto, feira dedicada à fotografia, se tornou uma segunda edição anual da SP-Arte, abrangendo outras linguagens artísticas.
Para o evento, que começa agora na Arca, espaço de 9.000 metros quadrados na Vila Leopoldina, na zona oeste paulistana, a organização escolheu o nome "Rotas Brasileiras".
Com isso, a SP-Arte garimpa a produção contemporânea que se organiza fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo, abarcando artistas periféricos, indígenas e projetos do norte do país, como o Arte Pará e o Bancos Indígenas do Xingu. Além disso, Eder Chiodetto organiza a mostra fotográfica "Uma Concertação da Amazônia", que retrata a região por diversos olhares.
Em seu conceito, "Rotas Brasileiras" imprime um tom político à feira, sugerindo certo apreço curatorial aos galeristas. Engajados pelo tema, eles esperam engajar também os colecionadores -a comprar.
A Gomide & Co, por exemplo, tem um trabalho de Luiz Zerbini de R$ 6 milhões. "Mamanguá do Recife", de 2011, é uma tela monumental, de quase três metros por quatro metros. Thiago Gomide, dono da galeria, concorda, porém, que o excesso de feiras não é proporcional ao aumento das vendas. Só neste ano São Paulo recebeu três eventos desse tipo -a própria SP-Arte, a ArtSampa e a ArPa.
"Quando havia apenas uma edição, se criava uma expectativa maior, às vezes você vendia muito bem, às vezes você se frustrava", ele conta. "Já fui em algumas edições e não vendi nada, me ferrei."
A angústia é comum a todos os galeristas do evento. Mas Gomide se entusiasmou com o tema proposto, tanto que procurou contemplar artistas vindos de todos os cantos do país.
Seu estande trará em destaque obras do pernambucano Francisco Brennand e dos mineiros Alberto da Veiga Guignard e Maria Lira Marques.
Já Paulo Kuczynski, da galeria que leva seu nome, resolveu desfilar o que vemos como sua artilharia pesada.
Ele chama seu espaço de "Geometria Sensível na Arte Brasileira" e, sem tempo a perder, enfileira trabalhos de Mira Schendel, Lygia Clark, Sérgio Camargo, Wyllis de Castro e Alfredo Volpi. Nesse retorno aos anos 1960, ele destaca em seu estande duas esculturas. Ali está o "Saveiro", de Amílcar de Castro, boiando em aço inoxidável. O material é cortado em três semicircunferências, de tamanhos distintos.
Uma lâmina circular liga as três faces -uma partindo para a diagonal, a outra no horizonte e a terceira sobreposta às demais, pendendo do centro, como se, minguante, estivesse em plena queda.
Não se sabe, portanto, aonde aponta a proa daquele saveiro, estimado em R$ 400 mil. Seu cálculo geométrico é consoante à leveza da cor -prata- e da forma -limpa. Ao lado, está uma escultura sem título de Franz Weissmann, de 1958. Nela, tanto mais importa o que não é construído. O ferro pintado de preto indica movimento e desenha um percurso, em que se insinuam ao menos um quadrado e um círculo.
Mas, na peça, avaliada em R$ 500 mil, toda forma acabada é falsa. Weissmann alicerça sua obra no vazio, que se torna bastante dramático com o ferro que se retorce em vários ângulos irregulares.
O galerista aposta, afinal, num público que já percebe a atemporalidade do neoconcretismo e na crescente demanda por obras do período.
Luisa Strina, uma das galeristas mais influentes do mercado, cria um diálogo entre gerações.
As telas da carioca Panmela Castro, artista em franca ascensão, encontram obras de Marepe, nome consagrado do Recôncavo Baiano. Segundo ele, a ideia de ready-made deve ser chamada de "nécessaire", porque no Brasil os materiais proveem a sobrevivência da população. Assim, radiadores de automóveis ou travessas de alumínio servem de material para as suas assemblages.
No mesmo espaço, as pinturas de Castro fazem parte da série "Vigília", criada durante a quarentena. Ela convidou alguns amigos a seu ateliê, onde pintou retratos de sua rede afetiva. De acordo com a curadora Kiki Mazzucchelli, Castro acaba por fazer um inventário da nova geração de artistas, muitos deles seus colegas documentados nas telas. A curadora diz que os valores das obras estão entre R$ 15 mil e R$ 200 mil.
A galeria Almeida & Dale, que tem um estande dedicado só para a fotografia, está empenhada em olhar para o interior do país. "A nossa ideia não é estar em todos os estados, mas ter braços nesses lugares, onde há muita gente para consumir arte", afirma o galerista Antonio Almeida.
Se a coleção ganha o interior do país com exposições itinerantes, a proposta curatorial do estande justapõe a figuração do amazonense Hélio Melo, que retratou a fauna e flora brasileira, ao construtivismo de Sérgio Camargo.
Os artistas não poderiam ser mais diferentes, o que não impediu uma amizade entre os dois. Os trabalhos de Camargo flutuam entre R$ 1,5 milhão até R$ 5 milhões. Já os de Melo, ficam entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão.
Fundada em junho por Conrado Mesquita, Tomás Toledo e Antonia Bergamin, a galeria Galatea estreia na SP-Arte, apostando em certa diversidade. A nova casa alia a mistura de artistas de diferentes estilos e períodos a um tratamento que entende como mais conceitual em suas mostras.
Para a SP-Arte, eles preparam uma provocação à tradição geométrica brasileira, comparando Jaider Esbell a Joaquim Tenreiro, aproximando manufaturas indígenas e arte concreta. No estande da galeria, os preços vão de R$ 5.000 a R$ 10 milhões.
Por fim, a italiana Continua, presente em oito cidades ao redor do mundo, desembarcou em 2020, em São Paulo, tentando aprofundar os laços com o país de alguns dos artistas que já representava.
"Estar aqui é importante, porque não adianta pegar um artista de determinada nacionalidade e jogar a obra dele em outro país", destaca Akio Aoki, diretor de operação da Continua no Brasil. "Muitas vezes a obra do artista pode não ser compreendida. Esse é o papel de uma galeria local."
De acordo com a SP-Arte, a Continua prepara um solo de Ana Maria Tavares, com a instalação "Pandanus", de 2013. Nela, cabos de espuma de polietileno expandido são cobertos por palha de bananeira.
A depender da quantidade de esculturas, os valores devem ficar entre R$ 127 mil e R$ 255 mil no estande da casa.
"Arte contemporânea é assim, precisa de bula. Caso contrário, seria arte popular. Mas na obra da Ana Maria tem um detalhe importante -é bonita, o que ajuda a pagar as contas", ele afirma, dando risada.
Sem bula -ou grana- ainda é possível ao menos olhar as obras. Não arranca pedaço.
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