SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Discos voadores já cruzaram os céus do cinema incontáveis vezes, em formatos, cores e rotas diferentes, sempre brincando com uma questão igualmente fascinante e aterrorizante -há vida fora da Terra?

Do encontro fofo de "E.T.: O Extraterrestre" ao cabeçudo "Contatos Imediatos de Terceiro Grau" ou ao sanguinário "Sinais", a dúvida sobre o desconhecido sempre mexeu com a mente dos humanos. Um deles, Jordan Peele, decidiu então fazer sua própria leitura de como seria esse choque interplanetário, no novo "Não! Não Olhe!".

Título um tanto verborrágico para o simples "Nope!" do original -uma gíria para "não"-, o filme mistura um pouco dos elementos dessas três produções, dirigidas por cineastas que Peele já admitiu terem influenciado sua obra -Steven Spielberg, nos dois primeiros casos, e M. Night Shyamalan.

E é também a eles dois que o diretor de "Não! Não Olhe!" vem sendo comparado à exaustão, desde que inaugurou sua ainda pequena, mas já celebrada filmografia, com "Corra!" e "Nós". Não é difícil encontrar manchetes que o rotulem como "o novo Spielberg".

Fato é que, no longa que estreia agora, com atraso, no Brasil, Peele mais uma vez usa o espetáculo do cinema de gênero para abordar ideias com pretensão de ir além de uma leitura superficial do roteiro. Por isso, é difícil concordar numa sinopse, como tentou fazer seu elenco em conversa por vídeo.

"Eu descreveria como um suspense de terror e ficção científica centrado na relação de um irmão e uma irmã, depois da morte de seu pai. Certo dia, eles veem algo no céu e, enquanto tentam descobrir o que é, também tentam gravar aquilo", resume Keke Palmer. "Essa foi a melhor até agora", diz Daniel Kaluuya, aos risos, entregando que eles estão sempre mudando sua versão para a história.

"Não! Não Olhe!", de fato, é difícil de ser descrito -até porque, o espectador vai notar, seu clímax está num inesperado "plot twist", uma mudança súbita de rumo, como as que consagraram Shyamalan.

O importante é saber que o longa acompanha dois irmãos negros, vividos por Palmer e Kaluuya, que administram um rancho com cavalos treinados para aparecer em filmes de Hollywood. Na vizinhança, há um caubói asiático, papel de Steven Yeun, que já foi ator-mirim e, após ser o único sobrevivente de um massacre no set de filmagem, decidiu abrir um parque de diversões inspirado no velho oeste.

A presença dos três pode ser vista como uma denúncia de uma indústria que lhes dá pouca atenção, e fica mais potente quando o latino-americano Angel Torres se junta ao grupo, também interessado em captar um enorme disco que flutua, sem dar aviso prévio, sobre a casa da dupla protagonista.

"É um filme que joga com a nossa natureza exploratória, nossa obsessão, enquanto sociedade, em fazer de tudo um espetáculo", finaliza Palmer, que nas telas também é lésbica.

Peele promove novamente uma reunião dos oprimidos e, como em "Nós", não bate de frente com sua marginalidade, deixando nas entrelinhas -e à escolha do espectador- uma eventual leitura mais politizada.

Essa é uma faceta do cinema de Peele que Palmer admira. Para a atriz, o diretor mostra que esses grupos, em especial os negros, não têm como única história aquela amarrada à opressão. Seus personagens são pessoas comuns, que deveriam ganhar protagonismo não só ao falar do passado escravocrata do Ocidente ou da luta por direitos civis nos anos 1960.

"Não! Não Olhe!" ainda se preocupa em recuperar a diversidade atrelada a fatos históricos importantes. O clima de western, por exemplo, remete ao fato de que os primeiros caubóis americanos eram justamente negros. Logo no começo da trama, ainda lembramos que a primeira imagem em movimento, criada pelo fotógrafo Eadweard Muybridge, trazia um jóquei negro sobre um cavalo.

"O Jordan está sendo honesto com sua própria experiência. O cinema dura para sempre, então é como se ele agora eternizasse uma narrativa que havia sido apagada", diz Kaluuya. "Ele não precisa fazer isso, mas é algo que faz parte dele. E é parte do por que de ele estar aqui, fazendo cinema."

O ator retoma a parceria com Peele cinco anos depois de "Corra!" o projetar em Hollywood. Seu personagem em "Não! Não Olhe!", aliás, foi concebido especialmente para ele. De 2017 para cá, Kaluuya venceu um Oscar por "Judas e o Messias Negro" e conta que a nova fase premiada não mudou a relação de trabalho dos dois -o cineasta também venceu uma estatueta pelo roteiro de "Corra!".

Há muita coisa acontecendo em cena nesta nova parceria. Discos voadores, macacos assassinos, caubóis extravagantes, cavalos amedrontados e uma tenra relação familiar. Na internet, esses elementos todos abrem um amplo leque de interpretações para a trama -lá fora, o filme já estreou faz tempo.

Uma crítica ao capitalismo e à nossa tendência de monetizar tudo o que vemos, um registro da cultura negra americana, uma denúncia da sociedade de vigilância na qual vivemos, uma homenagem ao cinema ou um simples filme de monstro. São várias as leituras que têm pipocado, assim como "Corra!" e "Nós" fizeram nos últimos anos.

"Não! Não Olhe" pode apresentar respostas para isso tudo, mas nem um filme com pretensões aparentemente tão grandes é capaz de responder àquilo que movimenta todo o seu roteiro -se há ou não vida lá fora.

Kaluuya, no entanto, tem sua teoria. "É claro que há vida lá fora. Eu só não acho que é como nesse filme, como num filme de terror. Provavelmente estamos falando de um monte de gente como nós, relaxando, comendo e fazendo sexo, algo assim."

NÃO! NÃO OLHE!

Quando Estreia nesta quinta (25), nos cinemas

Classificação 14 anos

Elenco Daniel Kaluuya, Keke Palmer e Steven Yeun

Produção EUA, Japão, 2022

Direção Jordan Peele


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