SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O Brasil entrou na mira daquele que pode ser chamado de um dos mais peculiares nomes em atividade do cinema americano, Darren Aronofsky -do tenso "Cisne Negro", o angustiante "Réquiem para um Sonho" e o barulhento "Mãe!". Ele está por trás de "Pacificado", longa de essência brasileira que chega agora aos cinemas carregando seu nome na ficha de produtores.
Um "favela movie" -apesar de o cineasta rejeitar o termo, por acreditar que o cenário da trama não é suficiente para encaixá-la no subgênero dos filmes ambientados em favelas-, o longa acompanha uma adolescente que tenta se reaproximar do pai, o antigo chefão de um morro no Rio de Janeiro que acaba de sair da prisão.
A estreia acontece com um pouco de atraso, já que "Pacificado" venceu o principal prêmio do Festival de San Sebastián no já distante ano de 2019. Desde então, rodou outras mostras, mas ficou longe do público geral pelos entraves que a pandemia impôs às salas de cinema.
"Nosso filme é um filme humano, uma história sobre pessoas que, por acaso, vivem numa favela. Por isso eu não acho que ele deva ser enquadrado no gênero", diz Aronofsky em conversa por telefone. "Não é uma história de crime, mas de pessoas atravessando dificuldades e alegrias, que acordam todos os dias e tentam sobreviver. Não há glamorização da violência, como acontece com frequência no cinema americano ou nos 'favela movies'".
Mas "Pacificado" é brutal de formas mais sutis e nem por isso menos chocantes que "Cidade de Deus" ou "Tropa de Elite", representantes máximos do "favela movie". O cenário de guerra social está lá, bem como a ameaça que força policial e traficantes de drogas impõem.
No elenco estão Bukassa Kabengele, José Loreto e Débora Nascimento, que foram dirigidos por Paxton Winters -um americano quase brasileiro, que aprendeu português e morou por anos no Morro dos Prazeres, atraindo moradores para integrarem o projeto. Aronofsky visitou sua casa por alguns dias, para se inteirar da realidade que "Pacificado" mostra.
O mesmo, ele conta, infelizmente não pôde fazer para outro filme com sangue brasileiro que produz. "The Territory", documentário sobre a disputa entre povos originários e fazendeiros por uma área de preservação na Amazônia, deve estrear ainda este ano, carregando uma mensagem ecologista que o americano julga importantíssima, especialmente em ano de eleição.
"Eu me envolvi com esse filme logo no começo do seu desenvolvimento, porque notei que havia talento no diretor", diz ele sobre o jovem conterrâneo Alex Pritz. "É um belo filme que vai à linha de frente da batalha pela Amazônia. É um filme importante para o momento atual, para que os brasileiros o vejam em meio a essas eleições, que parecem estar como o tempo -difícil de prever."
Ele diz estar acompanhando o pleito e acredita ser oportuna a eventual saída de cena de Bolsonaro, que considera um presidente nocivo para o meio ambiente. "Você sabe como o Bolsonaro é. Eu não acho que nenhuma pessoa no planeta, exceto por alguns fazendeiros, é capaz de apoiar suas políticas ambientais."
Aronofsky, fã confesso de açaí -mas do autêntico, não da versão "porcaria" que vendem nos Estados Unidos-, em breve virá à Bahia para passar férias. Apesar de ainda não conhecer o estado, diz que gostaria de gravar um filme lá. "O Brasil é um lugar inacreditável, porque é diverso, as pessoas têm uma energia diferente", diz sobre o desejo de dirigir em território nacional.
Antes disso, no entanto, ele irá ao Festival de Veneza, no mês que vem, onde apresenta seu primeiro filme em cinco anos -"The Whale", um dos títulos mais aguardados desta edição e que traz Brendan Fraser carregadíssimo de maquiagem e próteses, no papel de um homem de 272 kg que tenta reatar os laços com a filha, papel de Sadie Sink, de "Stranger Things".
Aronofsky acha importante frisar que o filme é pequeno, não uma grande produção como seu "Noé" ou o próprio "Mãe!", que dividiu as opiniões de quem o viu, graças a seu roteiro denso, provocativo e surrealista. Este se aproxima de "The Whale" pela proposta de "fazer o espectador ter sentimentos profundos, o que é a melhor coisa que um filme pode fazer".
"É um filme que se parece com um de investigação criminal. Não porque você precisa achar um culpado, mas porque você fica pensando sobre cada parte sem parar. É como entrar na cabeça dos personagens. Eu adoro como o cinema é capaz de fazer isso, de ir muito além de palavras e ações."
PACIFICADO
Onde: Nos cinemas
Classificação: 16 anos
Elenco: Cassia Gil, Bukassa Kabengele e José Loreto
Produção: Brasil, EUA, 2019
Direção: Paxton Winters
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