SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - As tiras do quadrinista Paul Kirchner eram como um respiro em meio às grandes sagas de fantasia e ficção científica da lendária revista americana Heavy Metal.

A série "Ônibus" saiu mensalmente, na primeira encarnação da publicação, entre 1978 e 1985. Os três protagonistas do quadrinho são o veículo que dá título à obra, o passageiro de meia-idade que insiste em andar nele e o motorista soturno que conduz o ônibus. Em torno do trio, ocorrem as situações mais surreais possíveis.

No quadrinho 'Ônibus', Paul Kirchner mistura o surreal e o cotidiano Editora Risco/Divulgação Tirinha em preto e branco. Em um ônibus, um homem lê um jornal. Atrás dele, um senhor se transforma em uma árvore. O homem se levanta e tenta comunicar o acontecimento ao motorista, mas esse aponta para uma placa, onde lê-se: "Não converse ou distraia o motorista ao volante".

O autor americano encerrou seus trabalhos para a Heavy Metal quando a revista se tornou trimestral. Em 1986, "Ônibus" ganhou um encadernado que deu por encerrada a história da tira durante vários anos.

A redescoberta da série e o culto que se criou em torno dela são creditadas às versões escaneadas da obra que chegaram a redes sociais como Tumblr e Reddit. A comoção fomentou o relançamento da coletânea na França, há dez anos, em edição que acaba de sair em português pela editora Risco.

"Quando 'Ônibus' apareceu na Heavy Metal, eu recebia muito pouco retorno dos leitores", lembra Kirchner. "Não havia redes sociais na época, as cartas de fãs eram ocasionais. Foi mais tarde, dez ou 15 anos atrás, que ela chamou a atenção."

A estranheza causada por 'Ônibus' tem seus motivos. Versão americana da revista francesa Métal Hurlant, a Heavy Metal serviu de porta de entrada para grandes autores europeus no conservador mercado de quadrinhos dos Estados Unidos.

Eram nomes cultuados, celebrados por suas tramas grandiosas e seus traços virtuosos -como o iugoslavo Enki Bilal, os italianos Guido Crepax e Milo Manara e os franceses Philip Druillet e Moebius. Kirchner destoava.

Quando concebeu "Ônibus", ele estava em busca de uma fonte de renda fixa trabalhando com HQs. Propôs a série para o jornal semanal Village Voice, antro de artistas e escritores da contracultura dos Estados Unidos. Não deu certo. Então foi atrás da Heavy Metal.

Apesar de algumas colaborações prévias com a publicação, o autor acredita que o projeto foi comprado por conveniência --o formato vertical da tira permitia a venda de publicidade na outra metade da página.

Mesmo em seu espaço reduzido, "Ônibus" seguia pelos rumos mais inesperados a cada nova tira. Elas iam das mais ingênuas e bem-humoradas às mais filosóficas. Há uma do passageiro sendo comido por um verme gigante enquanto espera o ônibus no ponto e outra na qual ele deixa o veículo, vai para casa, destranca a porta e se vê no ônibus outra vez. Em outra, ele entra no ônibus, caminha até seus últimos assentos e chega a uma praça arborizada.

Em 'Ônibus', Paul Kirchner mistura o surreal e o cotidiano Editora Risco/Divulgação Tirinha em preto e branco. Em um ônibus, um homem lê um jornal. Atrás dele, um senhor se transforma em uma árvore. O homem se levanta e tenta comunicar o acontecimento ao motorista, mas esse aponta para uma placa, onde lê-se: "Não converse ou distraia o motorista ao volante". "Sempre fui atraído pelo surrealismo, por misturar fantasia e realidade, especialmente quando posso fazer isso de uma maneira engraçada e absurda", diz Kirchner.

"Quando comecei a fazer 'Ônibus', minhas principais influências eram os quadrinhos underground e os quadrinhos vindos da França, além de artistas como Escher, Hieronymus Bosch, René Magritte. Muito do surrealismo é inspirado na antiga série de televisão 'Além da Imaginação' e nos primeiros desenhos da Warner."

E, apesar de seu interesse por experimentações com a linguagem dos quadrinhos, Kirchner considera "Ônibus" uma HQ "formalista". "É como 'Garfield', encaixando uma história em caixas quadradas iguais. No entanto, dentro dessas caixas, gosto de fazer truques com perspectiva, lógica e realidades alternativas."

Na avaliação do autor, a ambientação banal da tira, seja no ponto de ônibus ou no interior do veículo, é a causa de seu apelo universal.

"Todo mundo compreende isso", reflete Kirchner. "Portanto, é uma situação ideal para introduzir o absurdo e o surrealismo. O passageiro é tão sem graça quanto pode ser. Na verdade, ele é um quadro em branco. Não sabemos seu nome, sua ocupação ou para onde ele está tentando ir."

"O ônibus, que deveria ser um elemento rotineiro em sua vida, sempre cria o caos. Ao mesmo tempo, e acho que isso faz parte do humor, o viajante nunca parece ficar muito chateado ou animado com o que está acontecendo. Ele segue no automático. É a existência dele."

A maior parte das tiras de "Ônibus" são compostas por seis ou oito quadros. A maioria delas também é sem texto. Segundo ele, restrições do tipo acabam sendo estímulos à criatividade e fomentaram algumas das possibilidades do "universo" criado por ele.

A redescoberta de "Ônibus" nas redes sociais e o posterior relançamento da coletânea de 1986 estimulou Kirchner a retomar seus trabalhos na série. Há dez anos, ele voltou a criar as tiras, publicando os trabalhos em revistas e jornais americanos e europeus. Ao retomar a HQ, ele se viu voltando às suas antigas rotinas, da época da primeira encarnação da série.

"Eu atualizo um arquivo de ideias à medida que elas ocorrem. Algumas surgem completamente formatadas, prontas para passar para o papel. Outras são apenas um fragmento de uma ideia que não descobri como fazer funcionar. Eu as mantenho no arquivo e muitas vezes vou descobrir o que elas precisam para funcionar. Eu regularmente pego esse arquivo e folheio para ver se tem alguma coisa que eu possa usar."

ÔNIBUS

Preço R$55,00 (96 págs.)

Autor Paul KirchnerEditora Risco

Link: https://www.riscoeditora.com/pagina-de-produto/onibus

Tradução Érico Assis


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