SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O compositor, violonista e crítico musical e literário Arthur Nestrovski vai deixar a direção artística da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Osesp, depois de 13 anos no cargo. A decisão foi anunciada nesta quinta-feira (27), em reunião geral da fundação.

A partir da temporada de 2024, parte das atribuições do diretor artístico, responsável pela curadoria da programação, passa a ser responsabilidade do suíço Thierry Fischer, que, desde 2020, é o regente titular da orquestra.

O anúncio das mudanças na diretoria da Osesp ocorre duas semanas depois da conclusão de uma turnê internacional, em que orquestra e coro levaram a música brasileira para os palcos dos Estados Unidos, incluindo o Carnegie Hall, em Nova York.

Em carta lida à equipe da fundação, Nestrovski destacou o processo de consolidação da orquestra no cenário nacional e internacional. "Nossa lista de regentes e solistas convidados faria inveja a qualquer grande orquestra; e a construção do repertório manteve assento inovador, conversando com nosso tempo, sem deixar de cultivar o cânone, como bem compete a um conjunto dessa dimensão", ele disse.

Entre as realizações nos últimos 13 anos, Nestrovski destacou a chegada de Marin Alsop, que ocupou a regência titular de 2012 a 2019. Com ela, a orquestra foi ao festival BBC Proms, em Londres, à Philharmonie de Berlim e ao Festival de Lucerna.

Nestrovski, que chegou à Osesp em 2010 por um convite do então presidente do conselho, Fernando Henrique Cardoso, também ressaltou a importância da gravação das sinfonias de Villa-Lobos, acompanhada de uma edição corrigida, sob a direção de Isaac Karabtchevsky.

Nesse período, a Osesp não só amadureceu, ganhando prestígio. Também houve a criação de um tripé artístico, articulando a valorização do repertório brasileiro, a busca pela música do nosso tempo e a difusão do cânone da música erudita.

Num último ato como diretor artístico, Nestrovski recebe uma homenagem, inaugurando nesta quinta uma seção da mediateca da Osesp que levará o seu nome. A nova seção terá 2.000 livros sobre música e arte, tendo sido criada a partir da doação de um acervo pessoal. Sem a dedicação exigida pela Osesp, Nestrovski pretende agora realizar projetos pessoais.

Seu sucessor, Fischer, tem 65 anos e começou a carreira como flautista em Hamburgo e na Ópera de Zurique. Ele é também diretor musical da Orquestra Sinfônica de Utah, nos Estados Unidos, e principal regente convidado da Filarmônica de Seul, na Coreia do Sul.

LEIA NA ÍNTEGRA A CARTA DE ARTHUR NESTROVSKI LIDA NA SALA SÃO PAULO

Faz 15 dias, a Osesp e o Coro da Osesp, regidos por Marin Alsop, se apresentaram no Carnegie Hall, em Nova York. Carregados de sentidos ?artísticos, institucionais, até ecológicos (no programa "Floresta Villa-Lobos")?, pode-se dizer, sem exagero, que esses foram dois concertos históricos. A seu modo, fechavam um ciclo virtuoso iniciado com Marin uma década atrás, que nos levou, pela primeira vez, ao festival BBC Proms, em Londres, à Philharmonie de Berlim, ao Festival de Lucerna e a muitas outras das principais salas de concerto ao redor do mundo, do Brasil à China. A seu modo, também, marcavam o fim de outro ciclo, pessoal, como diretor artístico da Fundação Osesp.

A decisão vinha sendo amadurecida há bom tempo, em conversas com o presidente Pedro Parente e outros membros do Conselho de Administração, além do diretor executivo Marcelo Lopes, meu grande parceiro nesses 13 anos de tantas realizações. Quando fui convidado a assumir o cargo, em 2010, pelo então presidente do conselho, Fernando Henrique Cardoso, a principal tarefa era assegurar a continuidade e garantir a estabilidade do projeto. A história da Osesp de lá para cá fala por si. Com todos os percalços da vida brasileira, sem contar a pandemia de Covid-19, que abalou o mundo inteiro, aqui estamos, no meio de mais uma temporada de alto nível, chegando de uma turnê internacional e com grandes planos para o futuro. A qualidade artística só cresceu, assim como o prestígio da Osesp.

Entre muitas outras conquistas, vale destacar a chegada de Marin Alsop, como regente titular, depois de três anos de transição com Yan Pascal Tortelier. Fomos pioneiros na contratação de uma regente mulher, o que só nos dá motivo de orgulho. A passagem do bastão, de Marin para Thierry Fischer, conduzida com serenidade, profissionalismo e transparência, é outro motivo de satisfação para todos nós.

Ao longo de mais de uma década, a direção artística buscou implantar renovadamente o senso de curadoria, coordenando múltiplas frentes de atuação (artísticas, educativas, editoriais) e almejando assim dar relevância ao trabalho da Osesp, seja no cenário paulista e nacional, seja, em alguma medida, internacional. Também a programação de concertos seguiu neste espírito, conjugada ao desejo de levar os quadros artísticos mais longe. Nossa lista de regentes e solistas convidados faria inveja a qualquer grande orquestra; e a construção do repertório manteve acento inovador, conversando com nosso tempo, sem deixar de cultivar o cânone, como bem compete a um conjunto dessa dimensão.

Entre muitos outros projetos ligados à música brasileira, merece destaque a gravação das sinfonias de Villa-Lobos, acompanhada de uma edição corrigida das partituras, sob a direção do maestro Isaac Karabtchevsky, trabalhando com nosso centro de documentação musical. Estamos agora engajados no projeto "Música do Brasil" (Naxos/Itamaraty), com quatro álbuns lançados e outros três em breve. A lista de obras encomendadas a compositores brasileiros, de 2010 para cá, chega a 60 títulos, aos quais se somam as coencomendas internacionais, outra iniciativa pioneira entre nós.

A temporada 2023 já foi divulgada. As linhas gerais da temporada 2024 também estão definidas. As coisas estão em ordem. Olhando em retrospecto, só posso agradecer pela experiência incrível de tanto trabalho, com tantos parceiros e interlocutores: músicos, conselheiros (gestão FHC, gestão Fábio Barbosa, gestão Pedro Parente), sucessivos governadores e secretários de estado, equipes da fundação, artistas convidados e seus representantes, patrocinadores, membros da mídia, assinantes e público em geral, literalmente milhares de pessoas com quem tive a alegria de conviver, ao longo de tanto tempo ?e aos quais não posso deixar de acrescentar, em outro plano todo especial, minha mulher Claudia Cavalcanti e nossas filhas. Mas um dos aprendizados que levo é justamente reconhecer a hora em que cabe à instituição renovar as reservas de energia para tocar um projeto como este. E também, do ponto de vista pessoal, a hora de voltar a projetos próprios e a uma vida com outras demandas, agora sem a infinita carga de dedicação à Osesp.

Inauguramos hoje um acervo que leva meu nome, na mediateca da Sala São Paulo; uma coleção de quase 2.000 livros de música, literatura e outras áreas. É meu presente de despedida, em agradecimento pelo que vivi nesta casa e também como aposta no futuro, torcendo para que a Osesp tenha sempre condições de seguir seu caminho como merece.

Viva a Osesp, viva a música! E viva o ideal que nos anima, patrimônio imaterial coletivo, que nos cabe defender, hoje talvez mais do que nunca.

Arthur Nestrovski


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