SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - É com o olhar vazio e mirando o chão que Jennifer Lawrence passa boa parte do filme "Passagem". Dirigido por Lila Neugebauer, o longa rodou festivais estrangeiros, como o de Toronto, com o título "Causeway", e chega agora ao público brasileiro pelo Apple TV+.

Na história, acompanhamos uma engenheira do Exército americano que volta ao país após uma temporada no Afeganistão. O retorno se dá contra a sua vontade, mas Lynsey sofreu um acidente que a deixou com uma lesão cerebral. Sem controle absoluto de suas funções motoras, ela fica sob a supervisão de uma cuidadora até estar apta a voltar para sua cidade natal.

Dirigir "Passagem", para Neugebauer, foi uma oportunidade de entender o que está por trás da cultura militar tão arraigada no inconsciente coletivo dos americanos. A cineasta diz que pôde, com o projeto, entender os reais motivos que levam tanta gente a se alistar, para além da justificativa fácil do patriotismo.

Ela, que veio de um lar nova-iorquino marcado pela arte e por idas ao teatro, não tem veteranos em seu círculo familiar. A exceção é um amigo, que foi como uma espécie de guia a partir do momento em que ela recebeu o roteiro.

"Ele foi a primeira pessoa que eu conheci que havia servido no Exército. Quando estava fazendo o filme, decidi ouvir sobre suas experiências e foi algo transformador. Não apenas abriu os meus olhos para o que leva as pessoas a se alistarem, como também para os desafios que eles enfrentam quando retornam", diz Neugebauer, que mergulhou, então, num intenso período de pesquisa, conversando com outros militares, pessoas que sofreram lesões como a da personagem e profissionais da área da saúde.

"Mas o filme vai além disso. Eu me lembro que mesmo antes, quando recebi o primeiro rascunho, fui imediatamente desarmada. Eu não tenho nada a ver com esse universo, mas fiquei surpresa com a forma como esses personagens se relacionam a questões tão universais quanto o luto, o pertencimento e a conexão humana."

Para além dos traumas do campo de batalha, o retorno da protagonista de "Passagem" para casa traz consigo traumas pessoais, carregados desde a infância humilde e na qual não recebeu muita atenção. "O problema é aquela casa, eu fui a única a sair de lá", diz a personagem num desabafo, sugerindo o alistamento como uma fuga da realidade em que cresceu.

Ela compartilha a história com o personagem de Brian Tyree Henry, que sobreviveu a um trágico acidente de trânsito que o deixou com os mesmos sentimentos de culpa e impotência, apesar dos contextos totalmente diferentes nos quais a dupla adquire seus traumas.

É a partir de longas conversas que "Passagem" é construído. Pouco acontece à volta, e há pouca gente com quem Lawrence e Tyree Henry podem se abrir, o que aproxima o filme de uma peça de teatro verborrágica e reflexiva, algo que, Neugebauer diz, pode ser herança de seu passado.

Este é o primeiro longa da americana, que há uma década vem construindo uma carreira sólida no teatro, que culminou com a remontagem indicada ao Tony de "The Waverly Gallery", peça de Kenneth Lonergan -outro nome que migrou para o cinema- sobre o Alzheimer.

Não foi só a diretora, no entanto, que viu certo frescor em "Passagem", uma possibilidade de dar uma sacudida na carreira. Jennifer Lawrence, também, recebeu o roteiro como uma oportunidade para se reinventar -ou, melhor, voltar às suas origens cinematográficas.

Para a atriz, este é um retorno a um tempo em que a fama não a asfixiava e quando não havia contratos milionários que a prendiam a superfranquias hollywoodianas -"Jogos Vorazes" e "X-Men", nominalmente. Desde o sucesso indie "Inverno da Alma", que há 12 anos garantiu a ela sua primeira indicação ao Oscar, Lawrence não estrelava um projeto tão contido e intimista.

Depois de um hiato causado pelo casamento e pela gravidez, a atriz rompeu com a agência de talentos que a representou por uma década e sugeriu ao jornal The New York Times que a decisão foi como um livramento. Havia uma barreira que impedia que projetos menores chegassem até ela, e Lawrence não queria ser blindada deles. "Eu me sentia mais como uma celebridade do que como uma atriz", afirmou.

"Passagem" é o primeiro de outros filmes de escala muito menor que, digamos, "Operação Red Sparrow" e "Passageiros", ela agora vai protagonizar. Marca, também, sua estreia como produtora, num movimento semelhante ao de outros astros de Hollywood que buscam ter mais controle sobre suas carreiras.


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