SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Uma coisa desanimadora na maior parte dos filmes gays ou sobre gays é que todo o problema começa e termina aí mesmo --em ser gay.

De vez em quando, o filme consegue escapar a esse destino e o resultado é mais animador. No streaming, foi marcante a personagem lésbica da série francesa "Dix pour Cent", por exemplo. Ela era quem era e não tinha de se justificar, de se explicar, de pedir perdão ou se vangloriar. Nada parecido com "Me Chame Pelo Seu Nome", por exemplo.

E nada parecido também com "Pornomelancolia". Ali, Lalo Santos (ator e personagem superpostos) é um operário, gay, naturalmente. Não se sente melhor ou pior por isso. Ele é quem é e ponto. O que o incomoda é ser explorado no emprego. Até o dia em que vê um anúncio que procura atores para filmes pornográficos.

Ele responde ao anúncio e é contratado. Desde então o filme melhora, pois o filme é uma versão pornô da Revolução Mexicana, e a primeira cena que vemos é o encontro entre Emiliano Zapata, encarnado por Lalo, e Pancho Villa. Eles se olham, vivem uma paixão à primeira vista, juram estar juntos até o fim da revolução e, claro, transam. Com chapelão e tudo.

O filme de Zapata nos leva ao reino da chanchada, cujo ponto alto é a cena em que Zapata encontra seu próprio fantasma (a inspiração vem de Buñuel, garante o diretor do filme) e, naturalmente, transa consigo mesmo.

Esse quadro nos leva à vida dos atores pornô, de dificuldades em cena à convivência com a Aids etc. É um momento interessante, que conduz ao âmago do filme do argentino Manuel Abramovich.

Ou seja, após ganhar um bom dinheiro com esse papel, o que será de Lalo? Ele passa a desenvolver sua atividade favorita --tirar fotos de si mesmo e mandar para um site de fãs. Depois, encontra alguns deles e os filma enquanto transa com eles. Obtém um certo sucesso, o que permite a ele viver, por um lado, e por outro o força ao exercício de convivência digital com os fãs, interação necessária ao sucesso nas redes, e, claro, à convivência pessoal, isto é, novas e novas transas, que filma e exibe infatigavelmente.

Em suma, Lalo se transforma num homem-imagem. Essa passa a ser sua essência. Ele é o que aparece nas fotos que ele próprio tira. Nada mais, nada menos.

A rigor, "Pornomelancolia" fala muito menos sobre homossexualidade do que sobre o homem contemporâneo, reduzido àquilo que sua própria imagem mostra. Lalo transa tanto quanto é intransitivo. É um homem, mas poderia ser uma mulher, transexual, o que fosse. Tudo o que vê, vive e responde não é senão seu espelho, seu celular.

Essa a questão --não exatamente nova, mas nem por isso menos provocativa, já que atualizada de forma convincente-- que lança o filme de estreia de Abramovich no longa-metragem.

PORNOMELANCOLIA

Quando: Em cartaz no Festival Mix Brasil: Itaú Augusta, seg. (14), 21h30

Classificação: 18 anos

Elenco: Lalo Santos

Produção: Argentina, França, Brasil, México

Direção: Manuel Abramovich

Avalliação: Muito bom


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