PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - Que ameaça representam Camila Sosa Villada e Luciany Aparecida ao mercado editorial? É o que perguntou a mediadora, Nanni Rios, às duas escritoras convidadas para encerrar a Flip nesta quinta-feira (24).

"Eu ofereço a ameaça de uma pessoa sem educação, sem dinheiro, que não leu Joyce completo, que usa minissaia e de repente escreve um livro que vai muito bem", afirmou a argentina Villada, autora do sucesso "O Parque das Irmãs Magníficas". "Os escritores dizem: 'como assim, mas somos nós que sabemos as regras gramaticais!'"

O momento em que as escritoras falaram sobre a ruptura que suas figuras representam no mercado editorial foi um dos poucos a esquentarem um debate que se intitulava "A festa das irmãs perigosas", que acabou mais morno que o prometido.

"Ninguém espera nada de uma menina nascida na zona rural da Bahia como eu, nem que ela sobreviva", afirmou Luciany Aparecida, autora do plaquete "Macala", publicado pela Fósforo com a Luna Parque, e de livros em diversos gêneros pela Paralelo13S.

A diversidade literária rendeu outro comentário espirituoso de Villada, que publica agora os contos de "Sou uma Tola por te Querer" e tem trabalhos em poesia e teatro editados na Argentina.

"Eu nunca atribuí a mim mesma um gênero, me tornei travesti sem pensar se isso era uma identidade", comentou. "O mesmo acontece com meus escritos. Tenho interesse em escrever, não em dar nome ao que escrevo. Me interessa travestir a literatura."

A plateia era efusiva em aplaudir todas as falas das autoras, emocionada com o que Villada, em especial, representa para a Flip.

A última vez em que uma mulher trans havia participado da programação principal tinha sido há dez anos, com a cartunista Laerte. Nesta edição, além dela há a escritora Amara Moira, que debate com Ricardo Lísias nesta sexta (25).

As autoras ainda tiveram oportunidade de discutir pontos em comum de suas literaturas, como a violência de gênero. Luciany falou sobre sua proposta, num conto, de usar depoimentos reais de abusadores postas na boca de mulheres que cometem crimes contra homens, para causar algum incômodo no leitorado, "já que com os índices reais de violência as pessoas parecem não se incomodar".

A argentina disse que não pode evitar falar de sexo e violência em seus livros, porque escreve sobre o que conhece e sente -a autora trabalhou como prostituta antes de se tornar reconhecida por sua literatura. "Para mim e minhas amigas, o outro é sempre uma possibilidade de violência."

Ao final da mesa, Villada deu um gritinho que divertiu o público ao ouvir uma pergunta sobre o machismo no mercado editorial, como quem sente estar mexendo num vespeiro.

"O machismo está em todo lado, não só no mercado editorial, nós o tomamos no café da manhã", apontou. "Não posso me queixar de machismo na literatura havendo crimes contra os corpos das travestis, das mulheres, das crianças. O mercado editorial não tem maior importância para mim."

Luciany encarou a questão de outra forma. "A literatura é responsável por pensar o mundo. Estamos num momento em que é constrangedor para a cena literária não ter mulheres em toda a sua diversidade. Essa festa é um exemplo disso."

A Flip continua até domingo com uma programação que chama a atenção pela dominância de mulheres, refletindo de modo adequado a relevância da literatura feminina hoje. Camila Sosa Villada ainda participa de um debate na Casa Folha na manhã desta sexta.


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