PARATY, RJ (FOLHAPRESS) - A fotógrafa Claudia Andujar e o xamã yanomami Davi Kopenawa parecem ter combinado de não morrer. Ela escapou do Holocausto, que dizimou a metade de sua família. O pai morreu no campo de concentração de Dachau, na Alemanha. E Andujar, aos 13 anos, fugiu com a mãe, uma protestante suíça.

Ele sobreviveu à invasão de garimpeiros das terras ocupadas por seu povo desde que Omama ?espécie de Deus yanomami? criou o universo e seus seres. Perdeu pai, mãe, tios e parentes para doenças que infestaram as malocas durante um projeto de desenvolvimento da ditadura militar.

Foram o extermínio dos yanomamis, a partir dos anos 1970, e a resistência para conter o massacre que enlaçaram Andujar e Kopenawa na luta que levou à demarcação da primeira terra indígena do país. A celebração dessa resistência, do poder da linguagem fotográfica e de suas conquistas ganha palco nesta sexta-feira numa mesa que homenageia nomes centrais da arte na programação da Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty.

Haverá um debate sobre a vida e a obra de Claudia Andujar com a participação da fotojornalista Nair Benedicto, da artista paraense Nay Jinknss e do próprio Kopenawa ?que, com Covid, participará do encontro remotamente. Aos 91 anos, Andujar não virá à Flip para sua homenagem, que terá mediação de Thyago Nogueira, coordenador de fotografia contemporânea do Instituto Moreira Salles.

"Por um lado, estamos homenageando uma artista de carreira extraordinária. Por outro, valorizando também a postura ética dessa artista que, diante da violência e da injustiça, transformou a própria vida numa luta que extrapola os limites da arte e do trabalho do artista", afirma Nogueira.

Andujar nasceu Claudine Haas, em 1931, na Suíça. Quando sua família foi enviada para campos de concentração da Alemanha nazista, ela conseguiu ser resgatada pela mãe.

Ao fim da guerra, foi viver nos Estados Unidos. "Minha infância me deixou deprimida. Queria começar uma nova vida", disse ela, que adotou o sobrenome do primeiro marido, Julio Andujar, do qual se separou em menos de um ano.

Em 1955, se estabeleceu em São Paulo, onde casou com o fotógrafo George Love e passou a frequentar rodas de conversas com gente como o antropólogo Darcy Ribeiro e o historiador Pietro Maria Bardi. "Eu não falava português, então, usava a fotografia para me comunicar e para entender", diz a artista, em sua casa, em São Paulo. Quando chegou ao território yanomami, na Amazônia, em 1971, encontrou um cenário idílico e registrou ritos xamânicos, banhos de rio e brincadeiras. Foi um divisor de águas na sua vida.

"No começo, havia desconfiança. Mas perceberam que eu não estava lá para me beneficiar", ela afirma. "Para mim, era muito importante não querer dominar o que é do outro."

Pouco depois, Andujar testemunhou o choque entre o paraíso indígena e os projetos desenvolvimentistas da ditadura, quando tiveram início as obras da Perimetral Norte, projetada para atravessar Amapá, Amazonas, Roraima e Pará.

A estrada trouxe garimpeiros e espalhou a gripe e o sarampo, que devastaram a comunidade yanomami. Parecia que a história de vulnerabilidade e de extermínio que marcaram sua infância estava prestes a se repetir com sua nova família eletiva indígena.

Esse alarme foi a força motriz da transformação de sua fotografia numa luta política.

A documentação sobre a vida yanomami rodou o mundo, e Andujar passou a buscar redes de financiamento para salvar esse povo do mesmo fim que teve sua família judia.

"Claudia foi muito importante. Ela veio ajudar nós. E trouxe um pensamento bom, de amigo", afirma Kopenawa.

Segundo o xamã yanomami, as fotos que Andujar "pôs na exposição na cidade fez os não indígenas, que não conhecem nós, poder olhar e achar bonito". "E pensar em nós, para ser reconhecido e respeitado."

Numa de suas séries mais famosas, "Marcados", retratou os yanomamis numerados como forma de identificação de cada indivíduo que passaria a receber atendimento médico, conquistado por meio do ativismo da artista. Com isso, inverteu a lógica perversa que testemunhara durante o nazismo. Enquanto os judeus eram numerados para morrer, os yanomamis foram numerados para sobreviver.

E, diante das novas investidas dos homens brancos, estimuladas, mais uma vez, por ações do governo, evoca, de novo, o poder da empatia.

"Quanto mais contato houver entre diferentes culturas, mais podemos esperar que um entenda o outro, o que dá a possibilidade aos povos indígena, como os yanomamis, de viver de acordo com o seu pensamento e a sua filosofia."


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